A 2.ª edição da Atlantic Convergence, conferência global dedicada ao futuro da infraestrutura digital que liga os continentes banhados pelo Atlântico, realiza-se em Lisboa entre 28 e 30 de outubro de 2025. O evento é organizado pela DE-CIX, a principal operadora mundial de Pontos de Troca de Tráfego de Internet (Internet Exchanges) - infraestruturas críticas que permitem que as redes de fornecedores de serviços, empresas e governos se interliguem para trocar dados de forma eficiente.À frente da DE-CIX desde 2022 está Ivo Ivanov, um dos especialistas mais influentes da indústria das telecomunicações e com mais de 20 anos de experiência no setor. Nesta entrevista, o CEO da empresa analisa o papel estratégico de Portugal na nova arquitetura digital mundial, os desafios da soberania e o impacto de novas tecnologias como a computação quântica.Qual é a principal missão da Atlantic Convergence este ano e que impacto esperam alcançar?A principal missão da Atlantic Convergence é moldar um futuro digital resiliente, seguro e inclusivo, funcionando como um fórum estratégico para o futuro da infraestrutura digital transatlântica. Enquanto a edição inaugural lançou as bases para o diálogo, este ano aproveitamos esse impulso com um foco mais nítido na segurança, confiança e conformidade, refletindo a crescente importância da soberania digital e da resiliência das infraestruturas. O nosso objetivo é promover a colaboração intercontinental, impulsionar o alinhamento de políticas e gerar novas parcerias que acelerem a transformação digital. Para isso, reforçamos o papel de Lisboa como ponto de encontro para a cooperação digital, geopolítica e económica, reunindo não só especialistas da indústria, mas também decisores políticos e investidores. O que nos diferencia é o nosso carácter independente e multirregional, criando uma plataforma onde se podem construir as estruturas que garantem um crescimento inclusivo em toda a região atlântica.Que papel desempenham as tecnologias emergentes na agenda da Atlantic Convergence?As tecnologias emergentes são um foco central. O evento explora como inovações como a IA, a computação quântica, a conectividade de última geração (incluindo 6G) e a infraestrutura baseada em satélites estão a remodelar o panorama digital em toda a região do Atlântico. Estas tecnologias não estão apenas a impulsionar a transformação empresarial, mas também a influenciar as estratégias de segurança, a escalabilidade da infraestrutura e os quadros regulamentares. A Atlantic Convergence oferece uma plataforma para que as partes interessadas avaliem as oportunidades e os desafios que estas tecnologias apresentam e se alinhem sobre a forma como podem ser integradas de forma responsável e sustentável no ecossistema digital pan-atlântico.Surgiu algum projeto ou parceria diretamente da edição anterior do evento?Sim, com certeza. A edição do ano passado foi um catalisador para a ação. Um resultado concreto foi o reforço da colaboração entre os intervenientes europeus e africanos em novas iniciativas de cabos submarinos, que se encontram agora em fases avançadas de planeamento. Temos também assistido a parcerias a emergir em torno do desenvolvimento de data centers em Portugal, onde os operadores internacionais e os players locais uniram esforços para expandir a capacidade e atrair fornecedores globais de cloud. Em suma, a edição anterior deu início a projetos e parcerias que continuam a crescer até aos dias de hoje.Que papel pode Lisboa desempenhar como ponte geopolítica e centro estratégico de comunicações digitais entre a Europa, África e as Américas?Lisboa está a posicionar-se rapidamente como um polo estratégico de interligação no cruzamento de três continentes, à medida que as empresas globais continuam a investir no seu ecossistema crescente de data centers, estações de amarração de cabos submarinos e pontos de troca de tráfego de internet. A cidade já se tornou uma porta de entrada fundamental para o tráfego internacional de dados e o seu papel vai além da geografia favorável - incorpora uma visão de abertura, resiliência e visão estratégica. A Atlantic Convergence apoia este desenvolvimento, fomentando o diálogo e as parcerias que ajudam a impulsionar o crescimento inclusivo, a resiliência e a inovação em toda a bacia do Atlântico.Que papel desempenham os cabos submarinos na construção da soberania digital do Atlântico?Os cabos submarinos são a base da conectividade digital global e a sua importância estratégica para a região do Atlântico é fundamental. Permitem a troca de dados de alta capacidade e são essenciais para o crescimento económico, a soberania digital e a estabilidade geopolítica. A Atlantic Convergence reúne as partes interessadas para discutir a redundância, a diversidade de rotas e os modelos de propriedade seguros, promovendo estratégias de investimento colaborativo que garantam um futuro digital resiliente para a comunidade atlântica.Como é que é possível abordar os atuais desafios geoestratégicos, como a fragmentação digital e a competição tecnológica?Em vez de reforçar os silos digitais, a Atlantic Convergence promove a colaboração e o alinhamento em estruturas de confiança e governação transfronteiriça. O evento incentiva o diálogo sobre interoperabilidade, coordenação regulamentar e estratégias de resiliência partilhadas. Embora a competição global e as tensões geopolíticas façam parte do contexto, o foco continua a ser a construção de um ecossistema digital transatlântico cooperativo, baseado na transparência, inclusão e autonomia estratégica.Que impacto tem a presença da China nas infraestruturas digitais africanas nessa estratégia?A presença da China na infraestrutura digital de África realça a importância de parcerias diversificadas. A estratégia da Atlantic Convergence foca-se na criação de redes abertas, seguras e resilientes através da cooperação multilateral, garantindo que África tenha múltiplas opções e que o corredor digital do Atlântico se mantenha equilibrado e preparado para o futuro. Acreditamos que princípios como normas abertas e governação baseada na confiança são essenciais para que a infraestrutura digital sirva os interesses a longo prazo de todas as regiões envolvidas.Que papel pode a cibersegurança desempenhar na construção de confiança entre os países do Atlântico?A cibersegurança desempenha um papel fundamental no estabelecimento e na manutenção da confiança em todo o ecossistema digital do Atlântico. À medida que a interligação digital se torna mais complexa, cresce a necessidade de estruturas de segurança robustas. A confiança é construída através de uma governação transparente, normas partilhadas e gestão colaborativa de riscos - todos temas centrais do evento.Que impacto teve a Administração Trump - particularmente a sua postura mais isolacionista - na arquitetura digital do Atlântico?A anterior Administração Trump trouxe incerteza e decisões inconsistentes, o que realçou a importância da resiliência regional e de estratégias de infraestruturas digitais diversificadas. Essas alterações incentivaram os intervenientes no Atlântico a dar maior ênfase à cooperação multilateral e à autonomia estratégica. A Atlantic Convergence reflete esta evolução ao oferecer uma plataforma para o diálogo, ajudando os participantes a navegarem em ambientes regulamentares complexos e a alinharem-se em prioridades partilhadas.Como é que acompanha a evolução da computação quântica?A computação quântica está a emergir como uma área-chave de relevância estratégica. Na Atlantic Convergence, este tema é abordado com uma perspetiva prospetiva, reconhecendo o seu potencial para transformar campos como a criptografia e o processamento de dados. O evento fomenta o diálogo entre instituições de investigação, inovadores tecnológicos e decisores políticos, procurando parcerias que apoiem a integração responsável e segura das tecnologias quânticas no ecossistema digital atlântico..Ultrabaixa latência como motor de inovação .A DE-CIX anunciou esta semana a chegada a Lisboa do seu AI-IX, o primeiro Internet Exchange de Inteligência Artificial totalmente integrado, concebido para garantir ligações de ultrabaixa latência (delay) entre empresas e fornecedores de cloud e IA. Ivo Ivanov, CEO da DE-CIX, sublinha que “Lisboa está a tornar-se um verdadeiro hub para a inovação em IA em tempo real”, permitindo que empresas se liguem diretamente a centros de dados em Sines, Madrid e outros pontos da rede, “atingindo a menor latência possível” através da malha de interligação da DE-CIX. A tecnologia possibilita treino de modelos de IA a alta velocidade e inferência com tempos de resposta de poucos milissegundos, essenciais para aplicações como condução autónoma, descoberta de fármacos ou IA generativa. Na prática, a ligação faz-se daqui para pontos de processamento longínquos como se estes estivessem perto. “O multi-AI routing permite que diferentes instâncias de modelos comuniquem pelo caminho mais curto, evitando desvios e garantindo desempenho previsível”, acrescenta Ivo Ivanov. Com conectividade dedicada e fora da internet pública, o AI-IX promete segurança, resiliência e soberania dos dados, mantendo-os dentro da União Europeia. Para startups e multinacionais, este novo serviço significa acelerar cargas de trabalho críticas e competir à escala global a partir de território português.