Preço dos hotéis na Web Summit aumentou apenas 2%. “Já não é a última Coca-Cola do deserto”, diz AHP

Impacto da cimeira está a “perder força” refere a AHP. Cristina Siza Vieira critica o financiamento com as taxas turísticas e deixa recado ao CEO: “Não se deve morder a mão a quem nos dá de comer”.
Preço dos hotéis na Web Summit aumentou apenas 2%. “Já não é a última Coca-Cola do deserto”, diz AHP
Gerardo Santos
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As tarifas praticadas pelos hotéis da cidade de Lisboa foram um dos temas que fizeram correr tinta durante a última edição da Web Summit, no passado mês de novembro. Depois de o fundador da cimeira tecnológica ter criticado os preços da hotelaria da capital portuguesa nos dias do evento, apelidando-os de “abusivos” e “gananciosos”, a Associação da Hotelaria de Portugal (AHP) apresenta números que contradizem os argumentos de Paddy Cosgrave.

Durante a semana do encontro que reúne líderes tecnológicos, investidores e empreendedores, e comparando com a edição de 2024, o preço médio por quarto (ARR) apresentou uma subida ligeira de 2%, para os 198 euros. Já a taxa de ocupação manteve-se praticamente inalterada, com um crescimento de 1% para os 89%, de acordo com as conclusões cedidas ao DN do inquérito “After Web Summit 2025”, realizado pela associação entre os dias 14 e 28 de novembro.

Dos 72 estabelecimentos hoteleiros da Grande Lisboa e Península de Setúbal inquiridos, a maioria (76%) indicou ter recebido hóspedes participantes na Web Summit. Quando comparada com a semana do evento, a semana anterior (de 3 de novembro) registou uma performance inferior para 84% dos hotéis, tendo os restantes 16% avaliado o desempenho como idêntico.

Os participantes da cimeira ficaram alojados quase exclusivamente na cidade de Lisboa, sendo que o impacto nas unidades da Península de Setúbal e da restante Grande Lisboa “não foi expressivo”. Já numa leitura aos principais mercados destes hotéis, a AHP refere que os Estados Unidos (73% dos inquiridos) lideraram, seguindo-se a Alemanha (49%), Portugal (44%) e o Reino Unido (44%). “Este perfil alinha-se com os mercados habituais da cidade de Lisboa”, esclarece.

Para a vice-presidente executiva da AHP, a Web Summit tem vindo a perder expressão na operação hoteleira durante as últimas edições. “Durante os primeiros anos, a Web Summit assumia-se como o momento alto do último trimestre do ano, excluindo o Natal e a passagem de ano, com um grande impacto não só hotelaria, mas noutros serviços como os transportes, a restauração, a cultura e a animação noturna. Este impacto ainda acontece, se compararmos esta semana com as restantes de novembro, mas há uma tendência de abrandamento e recuo com uma perda de força relativa”, explica, ao DN, Cristina Siza Vieira.

O efeito impulsionador da cimeira no negócio começou a refrear depois da pandemia, com as tarifas e as taxas de ocupação a estabilizarem. A porta-voz da associação que representa a hotelaria nacional relembra que Lisboa também foi ganhando notoriedade, o que a posicionou “na primeira liga das cidades europeias” com os preços a acompanharem este crescimento, acabando por dissipar o efeito do evento.

“A Web Summit está a perder força O número de participantes estabilizou nos 70 mil e já não cresce muito mais. Embora continue a ter oradores muito interessantes, este ano as grandes estrelas já não vieram. E a Web Summit acaba por se estar a diluir noutros eventos tecnológicos”, justifica.

Se há quase uma década a novidade das primeiras edições agitou a economia lisboeta, atualmente, a oferta de outros eventos tira protagonismo a este encontro tecnológico. “Há outros eventos que ganharam muito palco na cidade e a cimeira foi diluída. A Web Summit já não é a última Coca-Cola do deserto. É mais uma coisa, mas não é a única coisa”, diz.

A Web Summit continua, afinal, a ser um evento fundamental para a capital? “Muito menos. Para Portugal é um evento com relevo no posicionamento, na comunicação e na captação do interesse de marketing, O facto de se realizar em Lisboa tem mais importância relativa para o país do que para a própria cidade”, responde.

“Não se deve morder a mão a quem nos dá de comer”

Foi através das redes sociais que, durante a última edição da Web Summit, Paddy Cosgrave endereçou duras críticas à hotelaria da cidade de Lisboa, acusando-a de subir as tarifas em mais de 300% durante os dias do evento. “Alguns hotéis em Lisboa aumentaram os preços em mais de 100% em relação à semana anterior. (...) Quando certos hotéis aumentam os preços em mais de 300%, e por vezes 500%, em comparação com as tarifas normais de novembro, e depois se queixam publicamente dos hóspedes que recorrem ao Airbnb, é difícil ter simpatia”, escreveu na rede X.

O CEO exemplificou com um caso prático: “O preço por noite de um quarto na semana seguinte à Web Summit neste adorável hotel de 4 estrelas ronda os 130 euros, mas durante a semana do Web Summit, o preço ultrapassa os 700 euros. Isto representa uma inflação de aproximadamente 570%. Considero balela qualquer tentativa de hotéis ou associações hoteleiras de distrair as pessoas ou confundir os jornalistas da realidade de que existe um problema real de preços abusivos por parte de alguns hotéis”, acrescentou ainda.

Cristina Siza Vieira assegura que a diferença de preços durante o evento face ao restante mês de novembro é de 25%, admitindo que pode “haver um ou outro caso” em que as tarifas avancem mais, mas é exceção e não regra. Esta variação, enquadra, não é diferente daquela que acontece durante as épocas de maior procura como o verão, as quadras festivas ou outro tipo de eventos similares onde a procura é mais estimulada.

“Não posso considerar mais anómala esta visão do CEO e nem consigo encontrar fundamento racional para estas declarações. Se existe maior procura, é deixar o mercado funcionar. Os preços dos bilhetes da cimeira, que começam nos mil euros, também sobem todos os anos. Os tuk-tuk sobem, os ubers idem, é um negócio para todos. Não é um bem de primeira necessidade vir à Web Summit, nem ficar alojado na hotelaria da cidade”, retruca.

A vice-presidente executiva da AHP relembra, ainda, que a Web Summit é financiada com verbas do Fundo de Desenvolvimento Turístico de Lisboa (FDTL) por via das taxas turísticas que são cobradas pelos hoteleiros aos hóspedes. “É preciso perceber que não se deve morder a mão a quem nos dá de comer”, alerta. Com o modelo de financiamento do evento traçado até 2028, Cristina Siza Vieira defende que é imperativo “reavaliar este modelo” dentro de três anos, avaliando a contribuição dada pelo FDTL à cimeira.

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