Dez anos e uma comissão de inquérito depois, ainda a dúvida. Pela segunda vez no espaço de dois meses, e em pleno processo de privatização, a sede da TAP, localizada junto ao aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, foi alvo de buscas. Além do edifício que concentra as operações da transportadora aérea, também o grupo Barraqueiro e mais de duas dezenas de outros locais, como empresas, sociedades de advogados e sociedades de revisor oficial de contas, foram surpreendidas pela visita da Polícia Judiciária durante a manhã desta terça-feira. As buscas, presididas por 10 procuradores e sete juízes, resultam na constituição de quatro arguidos “duas pessoas singulares e duas pessoas coletivas", informou o MP. O Correio da Manhã avançou que entre os nomes constam o empresário Humberto Pedrosa, dono da Barraqueiro, o filho, David Pedrosa, e a sociedade HPGB, que integrou o consórcio Atlantic Gateway. Em causa está o processo de privatização da companhia aérea em 2015, concretizado pelo Governo de Pedro Passos Coelho, e que colocou 61% do capital da empresa nas mãos do consórcio Atlantic Gateway, liderado pelo empresário português Humberto Pedrosa e pelo norte-americano David Neeleman, num acordo fechado por 10 milhões de euros. O aperto de mãos definiu que os novos acionistas teriam de injetar de 226,75 milhões de dólares na companhia em suprimentos.A investigação - a cargo de um equipa mista constituída por duas magistradas do MP, dois inspetores da PJ, um inspetor da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), uma inspetora da Segurança Social e dois especialistas do Núcleo de Assessoria Técnica (NAT) da PGR - foi espoletada no âmbito de inquérito dirigido pelo Ministério Público (MP) do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP). Estão em causa factos suscetíveis de configurar a eventual prática de crimes de administração danosa, de participação económica em negócio, de corrupção passiva no setor privado, de fraude fiscal qualificada e de fraude à Segurança Social qualificada. “Estas diligências visam a obtenção de prova respeitante a factos participados ao MP em dezembro de 2022 e relacionados com a aquisição pelo agrupamento Atlantic Gateway à Parpública de 61% do capital social da TAP, SGPS e da subsequente capitalização daquela entidade com fundos provenientes de um financiamento acordado, em momento prévio à aquisição, entre a Airbus e a sociedade DGN Corporation (acionista da Atlantic Gateway)”, esclareceu o MP.O objeto da investigação estende-se, também, “às decisões contratuais tomadas por acordo entre a Airbus e a DGN Corporation, em data anterior à da venda direta, com vista à aquisição pela TAP, S.A. de 53 novas aeronaves, e ao cancelamento de encomendas formalizadas em 2005, no contexto de suspeitas de que estas opções contratuais possibilitaram aquisição da participação social da companhia pelo consórcio Atlantic gateway, e a respetiva capitalização, com recurso a financiamento externo, a pagar pela própria companhia e com prejuízos para a mesma”, acrescenta a nota do MP.O processo foi aberto no DCIAP em outubro de 2022, após uma denúncia de Pedro Nuno Santos, então ministro das Infraestruturas..O dinheiro da TAP que comprou a própria TAP.O negócio, recorde-se, esteve debaixo de fogo em 2023 durante a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) à Tutela Política da Gestão da TAP depois ter sido noticiado que a Airbus pagou à Atlantic Gateway 226,75 milhões de dólares, que serviram para o consórcio privado entrar como acionista na companhia aérea. Para receber o montante, Neeleman trocou uma encomenda de 12 aviões Airbus A350 que a TAP tinha feito, por 53 aparelhos de outra gama (A320 Neo, A321 Neo e A330-900 Neo). A compra foi negociada ainda antes do norte-americano entrar na transportadora. Além do escrutínio público que se espraiou por largas horas na CPI à TAP, o antigo ministro das Finanças, Fernando Medina, avançou com um pedido à Inspeção-Geral de Finanças (IGF) para avaliar a legalidade da compra de aviões da TAP e dos respetivos procedimentos legais. As conclusões do relatório da IGF, tornadas públicas há um ano, foram claras e apontam que a compra da companhia aérea foi feita com um empréstimo concedido pela Airbus, indicando que os 226,75 milhões de dólares destinados à capitalização da transportadora coincidem “com o valor da penalização assumida pela TAP, SA, em caso de incumprimento dos acordos de aquisição das 53 aeronaves (A320 e A330)”. A IGF concluiu, desta forma, que há evidências de uma “possível relação de causalidade entre a aquisição das ações e a capitalização da TAP, SGPS e os contratos celebrados entre a TAP, SA e a Airbus”. O relatório apontou ainda irregularidades no pagamento e recebimento das remunerações aos membros do Conselho de Administração - no valor de 4,3 milhões de euros - e que, assim,se “eximiram às responsabilidades quanto à tributação em sede de IRS e contribuições para a Segurança Social”.Na altura, Humberto Pedrosa classificou as conclusões da IGF como sendo “falsas e levianas” reiterando que o processo foi conduzido “com total transparência”, não tendo sido, aquando da concretização do negócio, “levantada qualquer questão relativa à legalidade do modelo”..Privatização é foco do Governo.Em reação às buscas que decorreram durante esta terça-feira, o Ministério das Infraestruturas e Habitação, liderado por Miguel Pinto Luz, disse estar “absolutamente concentrado no corrente processo de privatização da TAP”, sublinhando que não é sua competência comentar processos ou diligências judiciais, “mas antes encará-los com normalidade”.“O anterior processo de privatização da TAP, recorde-se, foi escrutinado pelo Tribunal de Contas e pela Assembleia da República, através de uma Comissão Parlamentar de Inquérito. O escrutínio é essencial num Estado de Direito e devemos encará-lo como elemento essencial de uma democracia saudável e moderna”, refere a nota do gabinete. Recorde-se que Pinto Luz é repetente no dossier da TAP, tendo sido secretário de Estado das Infraestruturas, Transportes e Comunicações no Governo de 27 dias de Passos Coelho e durante o qual foi concretizada a venda à Atlantic Gateway. O atual governante defendeu, várias vezes no passado, a privatização concretizada em 2015, apelidando-a de “exemplar”.Também o presidente da República defendeu ontem que o processo de venda da TAP está em curso e, neste sentido, a investigação é vantajosa.“Eu vi que há investigação relativamente à decisão de 2015. É um tema que já tinha sido falado. Depois, durante muito tempo, deixou de ser falado. É vantajoso para a privatização da TAP, em geral, que tudo que houver para investigar seja investigado cabalmente, mas também rapidamente”, referiu. Por seu turno, o grupo Barraqueiro manifestou “total confiança e tranquilidade na sua intervenção no processo de privatização da TAP, não existindo qualquer motivo de preocupação relativamente às diligências em curso”, adiantando em comunicado que “de uma forma voluntária, já tinha sido entregue no MP um dossiê com toda a informação relevante sobre o processo de privatização da TAP, incluindo extensa prova de não ter realizado qualquer ato menos claro ou suspeito de irregularidade”.Já a TAP disse não comentar processos judiciais e garantiu que mantém uma colaboração “com as autoridades em todas e quaisquer investigações”.Recorde-se que no passado mês de setembro, a TAP foi alvo de buscas no âmbito de um inquérito conduzido pelo DIAP de Lisboa no âmbito da polémica indemnização de meio milhão de euros paga, em 2022, à então administradora executiva Alexandra Reis aquando da sua saída da companhia..Buscas na TAP. Foram constituídos quatro arguidos, entre os quais o dono da Barraqueiro e o filho.Buscas. PJ e MP estiveram seis horas na TAP com diretor de recursos humanos e há um arguido da SRS Legal