Empreendedores de estilo de vida aliam paixão ao lucro no turismo

São pessoas que criam um negócio com o propósito de mudar o seu próprio estilo de vida. Porque querem usar as suas paixões, hobbies, interesses e valores para garantir independência financeira, abrem a sua própria empresa e vivem do prazer que esta atividades lhes traz.
A paixão pelo desporto e aventura é um dos grantes impulsionadores do empreendedorismo de estilo de vida no turismo
A paixão pelo desporto e aventura é um dos grantes impulsionadores do empreendedorismo de estilo de vida no turismoPixabay
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Muitas vezes ouvimos histórias de quem mudou de vida, largou tudo e decidiu aliar uma paixão a um negócio. São histórias como a de Luís Antunes e Miguel Pereira, da geladaria Lumi, de Edite Ferreira, com A Apicultura, de Sandro Rodrigues, com a SurfChamp, de David Posch, da Aparas de Madeira. E tantos outros empreendedores de estilo de vida (lifestyle entrepreneur), pessoas que criam um negócio com o propósito de mudar o seu próprio estilo de vida – em vez de colocarem o lucro em primeiro lugar, usam as suas paixões, hobbies, interesses e valores para garantir independência financeira, equilíbrio entre a vida profissional e pessoal, e, acima de tudo, sentir prazer no que fazem.

Luís Antunes foi, até 2022, diretor de People Experience numa grande empresa ligada à informática, que conquistou o prémio da “mais feliz de Portugal”. Miguel Pereira há 18 anos que era enfermeiro de bloco operatório de urgência e integrou a equipa criadora da Via Verde do Acidente Vascular Cerebral no Adulto. Quando mudaram de vida, criaram juntos, em agosto de 2023, a geladaria artesanal Lumi, em Benfica, Lisboa. Antes disso, acrescentaram àquela que já era uma paixão, a formação especializada na confeção de gelados artesanais e na gestão de geladarias.

Este é um dos 24 exemplos contados por Álvaro Lopes Dias, no livro Empreendedores de Estilo de Vida (Atual Editora, uma chancela da Almedina). Neste caso, Luís Antunes e Miguel Pereira queriam transmitir para um negócio valores de sustentabilidade, portugalidade, inclusão e proximidade.  São muitos os exemplos de altos quadros de empresas que decidem agarrar as suas paixões e, como conta o livro, lucrar no turismo.

Há lucro, mas não é o objetivo principal

Álvaro Lopes Dias, professor no ISCTE nas áreas do Turismo, Marketing e Empreendedorismo, quis ouvir e relatar histórias inspiradoras de mudança de estilo de vida através de um negócio no turismo. “A maior parte deles, são negócios altamente rentáveis até pelo investimento que fazem. Dou um exemplo muito simples: tem ideia de quanto é que um turista paga, por exemplo, por uma food tour numa cidade como Lisboa, em que ele não vai comer só ali num restaurante, já comeu um pastel bacalhau aqui, bebeu uma cerveja ali e, eventualmente, comeu um prato mais elaborado acolá? Uma tour de duas ou três horas custa 100 euros por pessoa, e tipicamente são grupos de 15 ou 20. Vai ver que tem ali um negócio altamente rentável para aquilo que gastou”, explica o autor do livro. “Mas este é apenas um exemplo: uma escola de surf, quanto cobra a um aluno por uma experiência? Cerca de 50 euros. E quantos alunos é que eu posso meter a fazer surf nessa experiência? 30 alunos? Faça as contas. O caso do turismo rural, que antes da covid-19 eram negócios que se arrastavam na maior parte dos casos, agora são altamente rentáveis, se tiverem, obviamente, boa capacidade, porque também houve uma mudança de mentalidade. Não vamos criar o mito de que estas pessoas não querem dinheiro. Lá está, têm de pagar contas, mas claramente têm outros objetivos.”

Há três tipos de empreendedores de estilo de vida, como explica Álvaro Lopes Dias, que conforme os seus interesses têm diferentes orientações: estão voltados para a expressão, através do artesanato ou de expressão artística; para atividades, como a agricultura, o desporto e aventura; e para o local, que se envolvem no meio onde estão como aspeto central dos produtos ou serviços que oferecem – são também aqueles, por exemplo, que vivem num determinado local de acordo com as tradições. Este último, é o caso de David Posch, da Aparas de Madeira, filho de pai alemão e mãe húngara, que toda a vida trabalhou com madeira, nos dois países de origem da família. Quando se apaixonou por uma pessoa natural do Corvo, rendeu-se aos encantos da ilha e aprendeu a fazer fechaduras de madeira, uma arte tradicional dos Açores, que ele aplica neste local remoto. Isto é parte da “regeneração de tradições, de saberes, de ecossistemas também”, através de atividades turísticas, sintetiza o autor do livro.

Outro exemplo que conta Álvaro, é o de Edite Ferreira, que durante mais de duas décadas teve uma empresa de design de interiores industriais, em Lisboa, que tinha grandes empresas e entidades públicas como clientes. Por força de uma doença, o negócio encerrou e, durante a sua recuperação, descobriu o poder do mel para a saúde. "A senhora não só se curou, como o propósito da vida dela passou a ser as abelhas, porque, de facto, sem abelhas a humanidade não sobrevive", recorda o autor e investigador, o caso da fundadora da empresa A Apicultura. "A mim, o que me fascinou foi falar com estas pessoas e ver os objetivos não financeiros que eles têm e o quão importante isso é para eles", admite.

O risco destes negócios

Será que os empreendedores de estilo de vida arriscam mais ir à falência? Álvaro Lopes Dias explica que, na grandes maioria das vezes, não estão a seguir aquilo que se ensina nas universidade, que é começar por um plano de negócios. "Embora alguns o façam, mas a maioria é movida pela paixão. E no caso especial do turismo, porque enquanto os outros, por exemplo, jornalismo ou saúde, eu tenho que ter um determinado conjunto de competências técnicas ou certificações, no turismo não há regulação nenhuma. Portanto, para fazer tours de natureza eu não preciso de nada, não é? É vamos embora e vamos fazer. É muito de efetuação, concretizar aquilo que nós desejamos e talvez menos planificação. Se vai à falência ou não, eu diria que teoricamente sim, porque eu não planeei tanto como devia. Mas por outro lado também o risco em muitos casos é menor, porque investi menos no negócio."

Ao longo da investigação académica, Álvaro tem-se debruçado sobre o empreendedorismo e este é um dos fenómenos que diz que não é raro de acontecer. "A maior parte dos empreendedores, eu diria 80%, o número, vamos dizer científico porque eu validei com uma amostra, não querem fazer crescer o negócio. Lá está, eu vou abrir uma escola de surf, mas se eu tiver três escolas de surf, deixo de ter vida outra vez. Se eu largar tudo para viver a vida e se tiver não sei quantos negócios, passo a vida a controlá-los. Muitos não querem crescer o negócio, de forma muito deliberada e recusam-se a ter mais clientes, outros é mais pelas próprias necessidades do negócio, porque também não dá para expandir muito. É isto que é a minha paixão, é isto que eu quero fazer, eu vou dedicar-me a fazer isto", contextualiza.

Assim é com Sandro Rodrigues. Licenciado em Gestão e Administração Pública, fez carreira na banca, de forma reconhecida. Mas a paixão pelo desporto sempre o inquietou, tanto que aproveitava as férias e fins de semana para o surf, essencialmente. Quando ainda trabalhava no banco, frequentou um curso de treinador de surf e, em 2011, na crise financeira, aproveitou as condições interessantes para rescindir contrato e mudar de vida. Hoje, tem uma escola de surf na praia da Mata, na Costa da Caparica, a SurfChamp, que promove os mesmo valores que perseguiu: a paixão pelo desporto e o prazer de ensinar, não pelo lucro, mas pelo estilo de vida que proporciona.

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