A maioria dos empresários e gestores de empresas instaladas em Portugal, ouvidos pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) entre os dias 1 e 20 de fevereiro, ainda acredita que o mercado de trabalho pode melhorar nos próximos três meses com a vinda da primavera e descongelar da situação atual marcada por uma criação de emprego anémica, virtualmente estagnada, e pela forte subida do desemprego..De acordo com os inquéritos à confiança dos empresários de fevereiro, que abrangem os setores indústria transformadora, construção e obras públicas, comércio e serviços, há uma ligeira melhoria nessas perspetivas de curto prazo quando os gestores são questionados sobre se tencionam ou podem expandir o número de pessoas ao serviço na respetiva organização..Ao todo o INE inquiriu cerca de 4300 gestores em Portugal durante os referidos 20 dias do mês passado. Cerca de 1200 da indústria, 600 do setor da construção, outros 1200 do comércio (grossista e retalhista) e 1300 do setor dos serviços..Em termos gerais, o sentimento dos empregadores melhorou ligeiramente e em todos os setores os saldos de respostas (os que dizem que sim, que tencionam reforçar quadros, menos os que rejeitam tal cenário) são positivos..Indústria a dois tempos.Mas há nuances. Há um setor que está mais pessimista: a indústria transformadora..No subsetor da produção automóvel o indicador de emprego a três meses estagnou; no ramo da produção de bens intermédios para a indústria (como componentes), a quebra entre janeiro e fevereiro foi bastante acentuada, arrastando consigo o indicador geral setorial. Isso pode implica problemas para o resto da indústria, afetando diretamente a produção automóvel e o respetivo emprego..Por exemplo, ontem, segundo a TSF, a linha de montagem de veículos da fábrica da Autoeuropa, que é basicamente a maior exportadora do País, "está parada há dois dias por falta de peças"..A mesma rádio refere que "o problema é transversal às várias fábricas da empresa por toda a Europa e não está posta de parte a possibilidade de a interrupção voltar a ocorrer nos próximos dias"..O coordenador da comissão de trabalhadores da Autoeuropa, Rogério Nogueira, citado pela TSF, acrescentou que "há várias fábricas que já pararam, inclusive Espanha e Alemanha".Ainda assim, os dados do INE indicam que no resto da economia (nos outros três setores abordados), a tónica tornou-se mais positiva em termos de emprego..No setor da construção e obras públicas, onde se aguarda o impulso dos fundos europeus, do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), que está muito atrasado na execução e pagamentos, o indicador subiu de forma significativa entre janeiro e fevereiro..No comércio em geral, a avaliação dos empresários sobre a capacidade de expandir o número de pessoas ao serviço está estagnada..Mas a realidade é dual. No comércio por grosso, o sentimento é cada vez mais negativo e a maioria dos gestores diz que o cenário dos próximos três meses aponta mesmo para uma diminuição do número de trabalhadores..Este maior pessimismo é compensado pela maior confiança no ramo do retalho, onde o indicador do emprego a três meses está a subir há três meses consecutivos..Nos serviços, o índice geral (o saldo de respostas) ainda é positivo, mas estagnou em fevereiro face a janeiro..Uma vez mais, há realidades e realidades dentro deste grupo dos serviços, considerado o maior setor da economia (lado da oferta), representando cerca de dois terços do valor acrescentado interno..O maná do turismo.Numa análise mais detalhada aos dados do INE, destaca-se a uma forte subida nas intenções de emprego (contratação, prolongamento dos contratos existentes, adiamento de rescisões) do setor que congrega o alojamento e a restauração, o que é compaginável com a confiança revelada por muitos agentes relativamente à continuação e até reforço do desempenho favorável do turismo, por exemplo..De braço dado com a explosão do turismo tem estado, há anos, o imobiliário..Os números do INE não enganam. Com o início deste novo ano de 2023 e sucessivos anúncios de novos projetos grandes para construção de mais hotéis e empreendimentos topo de gama em Portugal, o reforço na contratação de mais trabalhadores para o imobiliário parece ser um cenário cada vez mais forte..Os dados do inquérito do INE mostram isso mesmo. O saldo de respostas é positivo e quadruplicou entre janeiro e fevereiro..Em alta (entre janeiro e fevereiro), está também o outlook do emprego nas atividades imobiliárias e nos serviços administrativos e de apoio às empresas, indica o INE..E idem no caso das "atividades artísticas, de espetáculos, desportivas e recreativas", onde estão agendados eventos de grande magnitude como concertos, as Jornadas Mundiais da Juventude ou a Web Summit..Nos transportes e armazenagem, o saldo de respostas subiu ligeiramente em fevereiro, mas é amplamente positivo..Setores na dúvida, a marcar passo.Mas, como referido, o índice geral relativo ao outlook do emprego nos serviços estagnou porque há subsetores que revelam grande renitência quanto à capacidade de conseguir promover mais emprego até maio (os três meses em questão)..O outlook do emprego a três meses nas chamadas "atividades de informação e comunicação" perdeu gás, embora o saldo de respostas ainda tenda a ser ligeiramente positivo..O mesmo não se pode dizer das "atividades de consultoria, científicas, técnicas e similares". Aqui é o descalabro. O indicador do emprego a três meses é negativo e atingiu em fevereiro o pior registo das séries do INE, que remontam a abril de 2001. E está a cair há três meses seguidos. A ordem parece ser para cortar quadros, não contratar ou mesmo despedir.