Empresas longevas para pessoas longevas

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Há dias, a Fidelidade anunciou os seus objetivos para 2030, colocando a longevidade no centro da sua estratégia. Uma decisão inteligente, simbólica e original. Vivemos mais tempo, trabalhamos mais tempo e, paradoxalmente, a grande maioria das empresas continua a organizar-se como se nada tivesse mudado.

A longevidade é o maior feito da humanidade no último século e, ao mesmo tempo, um dos desafios mais subestimados do mundo do trabalho. As carreiras continuam a ser pensadas em linha reta, com uma ascensão acelerada e uma saída precoce. A ideia de “fim de carreira” permanece intacta, mesmo quando a esperança de vida ultrapassa os 80 anos e a idade média das lideranças se eleva.

A longevidade traz consigo carreiras de 60 anos, múltiplos momentos de requalificação e períodos de pausa ou reinvenção pessoal. Esta nova cartografia da vida não é apenas um desafio individual, é uma oportunidade para repensar políticas públicas, educação contínua e o papel das empresas num mundo em que envelhecer significa, hoje, atravessar diversas fases e reinvenções ao longo de uma mesma vida.

As empresas enfrentam um momento decisivo: ou se adaptam à força de trabalho mais longeva da história, ou perdem uma das suas maiores fontes de valor. Os trabalhadores mais velhos não são um peso, oferecem consistência, menor rotatividade e um capital de experiência essencial para a cultura organizacional. Mas para tirar partido disso, as organizações precisam de líderes “longevity fluent”capazes de gerir diferentes idades, flexibilizar percursos e valorizar o contributo de todos, integrando a longevidade na estratégia e não apenas na agenda de diversidade.

Há, felizmente, sinais de mudança. Algumas empresas começam a olhar para a longevidade de forma estratégica, repensando modelos de trabalho, aprendizagem e empregabilidade. A questão já não é apenas demográfica ou financeira, é cultural. Significa redesenhar o valor da experiência, reinventar trajetórias e criar oportunidades para quem quer continuar a contribuir, aprender e evoluir, independentemente da idade.

Num mercado obcecado por juventude e “novas gerações”, a verdadeira disrupção está em integrar o que é duradouro. A longevidade desafia a rigidez dos ciclos de carreira, o preconceito etário e a pressa em substituir em vez de requalificar.

O futuro do trabalho não é apenas tecnológico. A inteligência artificial pode otimizar processos, sistemas e até mesmo interações, mas não substitui o capital de sabedoria, empatia e sentido crítico acumulado por quem viveu várias transformações antes desta. Valorizar a longevidade é reconhecer que o talento não expira.

As empresas que compreenderem isto cedo terão vantagem competitiva e reputacional. Não se trata de manter pessoas por mais tempo, mas de criar condições para que cada fase da vida profissional tenha propósito, utilidade e dignidade. Longevidade não é sobrevivência, é continuidade com sentido.

O desafio está lançado. Se o século XX foi o da produtividade, o XXI será o da longevidade, das pessoas e das organizações que souberem amadurecer com elas.

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