Leonel Simões. Um homem que não saiu da estrada até criar um império com 2450 trabalhadores

Biografia do filho mais velho do fundador do grupo Luís Simões é lançada na próxima semana. É a história de uma vida dura e de resiliência, mas também o retrato de um país após a Segunda Guerra.
Porque não somos eternos, Leonel Simões quis contar a sua história e deixar em palavras um legado aos netos.
Porque não somos eternos, Leonel Simões quis contar a sua história e deixar em palavras um legado aos netos. D.R.
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A 22 de novembro, Leonel Simões completa 80 anos. Filho mais velho de Luís Simões, foi o motor que acelerou o pequeno negócio paterno de transporte rodoviário de mercadorias, transformando-o no líder nacional do setor e num dos operadores de referência em Espanha. O grupo Luís Simões tem hoje uma faturação da ordem dos 300 milhões de euros e emprega mais de 2450 pessoas. A estrada foi difícil, muitas vezes, extremamente penosa. Valeu-lhe a tenacidade, a intuição do futuro, a união da família num objetivo único.

É uma história que não quis perdida, assim como a sua filha mais nova, Cátia Simões, que assina o livro biográfico “Leonel Simões. Do zero ao império. A jornada de um visionário”, que será lançado na próxima quarta-feira. É também um documento de vida, que conta a estrada percorrida desde os tempos da ditadura até à era digital, os desafios que enfrentou, as alegrias e as tristezas do caminho, e que se quer afirmar como um legado aos netos, em particular, mas também a todos os leitores. A mensagem é clara e Leonel Simões repete-a ao Dinheiro Vivo: “Nunca deixar de lutar pelos sonhos”.

O último capítulo do livro é aliás dedicado aos cinco netos. É uma carta onde Leonel Simões fala das sérias e muitas dificuldades do seu percurso, mas onde deixa uma mensagem emocional e para o futuro. Lembra que um dia também foi “menino”, teve “sonhos e irreverência”, e foi essa ambição, matizada de luta e força, que lhe permitiu atingir objetivos. No caminho “tem de haver respeito pelo trabalho que foi desenvolvido”, “planear aquilo que queremos” e não esquecer que “sozinhos não vamos longe”, aconselha.

O empresário, que continua a partilhar o conselho de administração do grupo com os seus dois irmãos, realça ainda a importância do diálogo, da resiliência, da seriedade para atingir o sucesso. E acima de tudo lembra a importância da família, “a única coisa que não muda” e que “será sempre um pilar”. O grupo Luís Simões é o retrato desta mensagem. Nasceu e continua a crescer no seio da família Simões. Como recorda no livro, “o meu pai não me deixou caminhar sozinho”, fez questão de sublinhar “que a família tem de ir sempre junta”. Hoje, o comando dos negócios está também nas mãos da terceira geração. Cada um dos três filhos do fundador tem um descendente na mesa das decisões. Faltam os netos.

Leonel Simões e parte da frota do grupo.
Leonel Simões e parte da frota do grupo. D.R.

Esta passagem de testemunho exigiu regras. A primeira a ser estabelecida foi a frequência obrigatória de estágio de verão na empresa. As três filhas de Leonel Simões não tiveram escolha e todas estagiaram no grupo para conhecer o negócio e ganhar “sentido de responsabilidade e de pertença”. Pelo menos um mês das férias “era passado a trabalhar na organização, passando por diferentes áreas, desde o atendimento telefónico, até ao apoio aos recursos humanos e ao cliente”. Mais tarde surgiu o Fórum Familiar, um encontro anual para promover a aproximação e garantir que a empresa continuava a ser um projeto de família, e o Conselho da Família. Mas ainda não era suficiente para garantir a transmissão do legado. “Com o apoio de especialistas externos, elaborámos o nosso Protocolo Familiar, onde estipulámos condições essenciais: terminar os estudos; ganhar experiência, durante pelo menos três anos, fora da empresa”. Só depois é que a terceira geração pode integrar a organização, assegurar um cargo específico, conta no livro.

Caminhos de esperança

O início da construção deste legado ocorre em tempos de esperança - a Segunda Grande Guerra tinha terminado -, mas sombrios. Foi nessa época que Leonel Simões nasceu. Por essa altura, o pai transportava frutas num burro até ao Mercado da Ribeira, em Lisboa, onde as vendia para ganhar o sustento. Homem de visão, viu uma oportunidade no trespasse de uma mercearia, Comprou e garantiu comida para a família, em tempos de racionamento. Leonel Simões lembra que nunca faltou pão à mesa, apesar de ter apenas quatro anos quando assumiu o seu primeiro trabalho, a guardar gado. “Foi assim durante toda a minha infância”, diz.

Quando chegou a altura da escola, teve de conciliar o cuidado do gado, trabalhos agrícolas e a aprendizagem das letras e contas. Não havia tempo para os deveres da escola. Tinha sete anos quando iniciou o seu primeiro negócio. “A minha avó dava-me uma latinha com queijos para eu ir vender de porta em porta”, e “só regressava a casa quando tivesse tudo vendido”. A recompensa eram dez tostões. “Foi assim que comecei cedo a ter algum dinheiro para as minhas coisas e a aprender sobre a vida real”, descreve Luís Simões, no livro.

Nesse período, o pai, de quem herdou o instinto visionário, decide tirar a carta de condução e ser motorista por conta de outrem. Foi o primeiro passo para a criação do grupo Luís Simões. Mais tarde, compra o primeiro camião e inicia o seu próprio negócio. Leonel Simões teve de o acompanhar aos 11 anos, logo que terminou o ensino primário obrigatório. Era preciso “alguém para carregar as hortaliças, acompanhar nas voltas, e ajudar a dar conta do recado”. Foram tempos muito duros, mas Leonel Simões nunca se queixou. “Sentia-me parte da solução”, diz.

Leonel Simões nos tempos da juventude.
Leonel Simões nos tempos da juventude.D.R.

Aos 14 anos, já Leonel Simões conduzia um camião. Sem a devida licença, pagou várias multas, mas seguiu em frente, aproveitando todas as oportunidades que lhe surgiam pela frente. Aos 17, já tinha carta de condução, paga com o dinheiro amealhado com a venda de hortaliças por conta própria e as gorjetas que recebia no mercado. A tropa veio interromper o percurso desta estrada, e acabou mobilizado para a Guiné-Bissau, mas até neste período o empresário encontrou benefícios. Descobriu a disciplina e a organização, aprendeu a inovar e, acima de tudo, a ser líder. No regresso, junta-se ao pai que, nesse seu período militar, tinha fundado a Transportes Luís Simões. Em 1969, compra o seu primeiro camião.

“Os negócios estavam estáveis. Tínhamos a mercearia, três camiões e dois tratores agrícolas… mas aquilo cheirava-me a pouco”, conta. Tinha também dois irmãos mais novos para conduzir. E é deste pequeno universo, assente na família, que começa a construir “o império”. Tomou decisões, enfrentou crises, assumiu riscos e sonhou em posicionar a empresa entre as cinco primeiras do país. “Uma empresa acabada de criar, com três irmãos, dois deles muito jovens, parecia algo louco e inimaginável. Mas foi conseguido em 18 anos!”, lê-se na biografia.

O primeiro camião comprado por Leonel Simões.
O primeiro camião comprado por Leonel Simões.D.R.

O negócio foi crescendo e novos desafios surgiram. O mercado estava mais exigente e queria mais velocidade. Ao mesmo tempo que apostava na informatização da empresa, foi confrontado com a necessidade de ter conhecimentos de gestão. Os três irmãos sentam-se novamente nos bancos da escola. É também a altura em que fica definido o papel de cada um na companhia. Como explica no livro, “o meu irmão do meio tinha mais conhecimentos administrativos e eu, juntamente com o mais novo, éramos mais operacionais”. Fez sentido que “fosse ele o presidente”, um compromisso que assumem até hoje.

Nos anos 90 do século passado, o grupo regista um dinamismo exponencial e dá-se a internacionalização para Espanha, mas nem isso impediu Leonel Simões de assumir uma nova missão: presidente da ANTRAM - Associação Nacional de Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias. Sempre empenhado no trabalho, atento ao futuro, com respeito ao legado do pai, aos 55 anos abandonou a ideia de se reformar, como durante muitos anos acarinhou. Uma década mais tarde cumpre essa formalidade, mas ainda hoje tem lugar na mesa das decisões. Afinal, “a empresa tem sido a minha maior missão.” Aos netos deixa a mensagem: “Façam sempre o melhor que puderem e souberem. A vida não é fácil, mas vale a pena lutar.”

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