“Portugal pode receber mais investimento em ensaios clínicos, mas para fábricas tem de fazer algo mais”
Reinaldo Rodrigues

“Portugal pode receber mais investimento em ensaios clínicos, mas para fábricas tem de fazer algo mais”

Eric King, diretor geral da farmacêutica britânica GSK, acredita que o nosso país tem potencial para albergar mais ensaios da marca, mas ainda tem de melhorar a burocracia, a logística e repensar os incentivos fiscais para poder competir com a vizinha Espanha no que toca a investimento em produção, ou seja, em fábricas.
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A GSK fez, pela primeira vez na sua história, mais de 100 milhões em vendas em Portugal? O que está a impedir a empresa de fazer ainda melhor? Que obstáculos existem no nosso mercado?

Qualquer país tem prós e contras. Acho que Portugal é bastante bom em tornar disponíveis medicamentos inovadores, geralmente através de programas de acesso precoce (PAP) num curto período de tempo. É menos bom na questão do tempo que leva a autorizar a entrada em mercado. Se olhar para os números publicados pela IQVIA, verá que Portugal está no fundo dessa lista, muito perto do fundo. Com 840 dias [até à fixação de preço e autorização de entrada no mercado], creio. Acho que só a Roménia está abaixo de nós, mas há válvulas de segurança dentro do sistema que o Infarmed faz, coisas como os programas de acesso controlado. Então, se um medicamento for aprovado pela Agência Europeia de Medicamentos, o processo de autorização levará, como eu disse, muito, muito tempo. Nem todo esse tempo, para ser justo para com eles, tem a ver com o Infarmed. Mas mesmo subtraindo o tempo em que processo está com outros envolvidos, o número ainda é bastante alto. Dois anos ou mais, se a memória me serve.

Mas, como disse, existem válvulas de escape no sistema...

Sim, o que eles fizeram para apoiar os pacientes, porque um medicamento oncológico é algo que pode ser muito importante para uma pessoa que precisa dele: eles autorizam programas de acesso precoce (PAP). Ou seja, a partir da aprovação da Agência Europeia do Medicamento, se o médico preencher os papéis e o governo aprovar um programa, os doentes podem obter o medicamento inovador mais cedo. Então quando você olha para as estatísticas da percentagem de medicamentos inovadores disponíveis em Portugal, na verdade é um pouco melhor do que a média.

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É uma forma de dizer que o Estado português compensa as suas ineficiências...

Perguntou o que tornaria mais fácil o mercado português. Pois bem, se a rapidez da autorização de entrada em mercado estivesse mais próxima da Alemanha ou do Reino Unido ou de alguns outros países que o fazem mais rapidamente. Porque uma autorização total, regra geral, particularmente para cuidados na especialidade, pode dar um acesso mais rápido aos pacientes. Por isso, aqui está um: a redução do tempo de autorização [de novos medicamentos]. Mas existem alguns outros elementos estruturais no mercado.

Se por um lado há atrasos nas autorizações de entrada no mercado no setor farmacêutico, por outro o Estado português, em regra, também é conhecido por pagar tarde aos seus fornecedores.

Bem... o Estado português está a dever uma grande quantia à indústria farmacêutica. Muitos milhões de euros. Grandes empresas sem problemas de cashflow podem gerir isso. Mas se fosse o seu negócio e dependesse desse dinheiro para sobreviver, então...

Está a falar das pequenas empresas?

As pequenas empresas farmacêuticas estão a sofrer. As grandes conseguem aguentar, mas as outras não podem. Somos uma das grandes, por isso para nós não é um enorme problema. É claro que gostaríamos que fosse mais rápido [também em Portugal]. Mas reconhecemos que existe um problema.

E que outros obstáculos a GSK consegue ver em Portugal?

Bem, há um elemento neste mercado: os tetos. Há um teto específico para medicamentos de uso hospitalar. Para ser justo, alguns estão de fora - as vacinas e os medicamentos de venda ao público - estão excluídos desses tetos, algumas marcas no retalho estão excluídas. Mas há um teto de vendas aos medicamentos de uso hospitalar e se furares esse teto, a empresa tem de pagar ao governo. Mas nós acabámos de fazer um acordo entre a Apifarma, a associação que representa a indústria, e o Governo. Antes pagávamos 100% de todas as vendas acima do teto, e agora é 50%. É um dado positivo. No entanto, eles puseram agora um segundo teto (limite) na taxa de crescimento líquida do mercado de 7%. Se crescer acima de 7%, as empresas que estão a crescer devem pagar 50% do crescimento incremental. Então, agora temos um limite no produto, um limite no mercado. Acho que não há nenhum outro país europeu que tenha isso. Existem países que impõem limites nos medicamentos, outros que impõem limites nos mercados. Mas acredito que Portugal pode ser único nesta matéria.

Mas haverá, concerteza, fatores positivos.

Sim, para ser justo, há deduções que as empresas podem fazer. E que tem a ver com investimento em Portugal: se instalar um centro de atendimento ou um centro de serviços em Portugal, ou Investigação e Desenvolvimento (I&D), pode deduzir. Acho que estes são pontos muito positivos.

“Portugal está muito perto do fundo da lista. Com 840 dias [até à fixação de preço e autorização de entrada no mercado]. Acho que só a Roménia está abaixo de nós”

Olhando para a frente, com o crescimento das receitas, que investimentos tem a GSK planeados para Portugal?

Todos os anos estamos a dar 20 milhões ou mais em obrigações fiscais. Depois, temos 17 ensaios clínicos, nos quais investimos milhões. Acabamos de ter o nosso pessoal de ensaios clínicos em Portugal, a visitar centros de oncologia. O IPO do Porto, o IPO de Coimbra, a Fundação Champalimaud. E estiveram a ver como é que podemos desbloquear mais ensaios clínicos em Portugal. Porque vocês têm pessoas muito muito capazes, pessoas muito talentosas. Têm incentivos, como já mencionei. Os ensaios clínicos podem ser dedutíveis, pelo que há um incentivo financeiro. Mas o que interessa à nossa empresa - e acho que o que a maioria das empresas quer - é velocidade de recrutamento dos pacientes. Quanto a isso vocês ainda têm alguns desafios e burocracia. Está a ficar melhor, mas este algo que têm de desbloquear. E para isso, você precisa de gestão muito profissional dentro de um hospital. E eu acho que o desafio aqui é este: vocês têm pessoas que estão a fazer os ensaios clínicos, mas também estão a fazer algum tipo de tratamento. Ou seja, trabalho do dia-a-dia. Portanto, não tens pessoas focadas nos ensaios clínicos em muitos hospitais. E no final não têm, necessariamente, a mesma velocidade que vemos em Espanha ou noutros países com uma pegada maior nos ensaios clínicos.

Mas Portugal não é país para investimento na produção?

Tradicionalmente não tem sido. Já o vosso vizinho Espanha tem múltiplas fábricas e na verdade... Existem fatores, incentivos, na forma como está montada a capacidade de investir, obter um retorno rápido pelo investimento e ganhar escala. Há desafios para Portugal nesse campo. O que gostaria de ver, no curto prazo, é o aumento dos ensaios clínicos. Para nós, a Espanha é o segundo maior produtor de ensaios clínicos, logo atrás dos EUA. E esse é o vosso vizinho. Por isso, em teoria, se Portugal conseguir desbloquear algumas dessas questões de recrutamento, eu acho que o investimento em ensaios clínicos e em I&D poderiam aumentar. Para além disso, chegar às fábricas e à produção, acho que seria preciso um pouco mais.

Já conversou sobre esses obstáculos com algum responsável governamental? A ministra da Saúde?

Falámos, no decorrer de um almoço na embaixada britânica, com o ministro da Economia. Falámos destes temas, ele é um tipo inteligente, tirou notas e pareceu entender mesmo destes temas. Mas nesse almoço falou-se de tudo: desde indústria aeroespacial e Defesa até emergência médica. Acho que ele muitas coisas no prato.

Mas a instalação de uma fábrica cá é apenas uma questão de incentivos? Alguma garantia de retorno sobre o investimento?

Para nós, provavelmente seria mais incentivos fiscais. Isso seria útil. Provavelmente, menos burocracia e a capacidade de obter o licenciamento para montar tudo. Alguns elementos em torno da logística, porque se estiver a montar uma fábrica de produção [de medicamentos], precisa ter o hub logístico para, de seguida, exportar para armazéns multi-mercado. Este tipo de coisa.

Reinaldo Rodrigues

Como está a GSK a ver o impacto desta guerra aduaneira que está a decorrer?

É uma tarifa única de 15% para a Europa, neste momento. Os medicamentos estão incluídos nesse patamar. O risco que permanece, ou a incerteza que permanece, é que o nosso amigo, o senhor Trump, falou sobre, potencialmente, visar especificamente os produtos farmacêuticos para tarifas mais altas. Falou em alguns números bastante grandes. Enviou algumas cartas para certas empresas. Neste momento é uma incerteza. Os Estados Unidos são o nosso maior mercado, tal como o de qualquer farmacêutica. Acho que estamos diversificados; temos uma cadeia de abastecimento ágil; estamos a investir dezenas de milhares de milhões nos Estados Unidos na próxima década.

Mas estão a acelerar esse investimento nos Estados Unidos também por causa disto?

Grande parte disto já tínhamos planeado anteriormente, mas claro que há algum impacto na macro-política. Mas, em geral, estamos diversificados e ágeis na nossa cadeia de abastecimentos. E acreditamos que estamos bastante bem posicionados para o que quer que aconteça. Quer seja o número que pensamos ou mesmo se as coisas mudarem.

Considera que a União Europeia está a fazer o seu melhor para contrariar estas medidas?

Acho que há sempre espaço para melhorar. O setor farmacêutico na Europa está a ter uma performance pior face à China e aos Estados Unidos, quer em termos de I&D, mas também em produção. No que diz respeito ao Reino Unido e a UE vê-se muito mais colaboração nos últimos seis meses. Até no contexto de a América estar num lado diferente do que estava antes. Mas há muito espaço para boas oportunidades.No que toca a proteção de patentes, incentivos à inovação, tudo isso provavelmente poderia ser melhorado e deve ser melhorado. E nossa posição é que devemos ter um mercado que proteja a propriedade intelectual, encoraje o investimento e incentive a inovação. E há espaço para ir por esse caminho.

Qual é exatamente a preocupação da GSK com essas tarifas? Serão pagas maioritariamente pelo consumidor americano, correto?

Depende. Depende de como se fixar o preço. Porque o mercado dos EUA é em parte um mercado de saúde privado e outra é seguro de saúde pública, na Medicaid. Os idosos têm Medicare, que é para 65 anos ou mais, que também é um esquema privado. Depende se eles passam os custos ou se extraem o imposto no momento da importação ou como o fazem. Para ser honesto, o mecanismo exato acerca de quem vai pagar não sabemos ainda. E é ainda menos claro no que toca às farmacêuticas, onde os preços não são tão elásticos como na importação de Vinho do Porto, por exemplo. Se fosse como no vinho, seria bastante óbvio. Mandavamo-lo para os Estados Unidos, cobrávamos mais por ele e cobríamos as tarifas. Nas farmacêuticas temos muitas vezes preços negociados, particularmente com a Medicaid na América, onde o preço é fixo. Não é assim tão simples para nós. Eu gostaria de reiterar que a orientação que a GSK deu publicamente é que construímos em cima de qualquer impacto em torno das tarifas. Achamos que estamos bem posicionados a partir de uma cadeia de abastecimento e bem posicionados a partir da diversidade de onde temos o nosso negócio.

Para concluir, em que divisão vê o crescimento da GSK em Portugal?

Talvez eu possa explicar como é que nós teremos muito melhores vendas. Mencionei anteriormente a vacinação de adultos: eu acho que esta é uma grande oportunidade para a sociedade portuguesa e, em particular, para o setor de saúde, que não tem dinheiro ilimitado. O retorno do investimento em vacinação é de 19 vezes o investimento original. Mas também estamos a olhar para uma mudança de paradigma na oncologia, onde a GSK tem uma abordagem muito diversificada, com vários mecanismos de ação. O nosso portfolio de oncologia está muito focado no cancro ginecológico, onde temos produtos para o cancro do ovário e cancro do endométrio; em hematooncologia, com um medicamento para uma doença rara que é a mielofibrose; e recentemente, na semana passada, a Agência Europeia do Medicamento aprovou um medicamento nosso para o mieloma múltiplo, uma doença muito incapacitante. Mas os doentes só conseguem ter acesso a essa inovação através dos programas de acesso precoce. Se o Infarmed fosse mais rápido nas decisões... Agora é uma questão de o nosso pipeline chegar rapidamente aos doentes.

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