A nota de conjuntura do Fórum para a Competitividade refere que no segundo trimestre houve clara recuperação da atividade, exceto nos serviços. O ministro das Finanças disse na semana passada acreditar numa recuperação económica robusta. É o que aí vem? Depende mais do governo do que da classe empresarial. Se houver perspetivas de andarmos a entrar e a sair de confinamento, as coisas pioram com certeza. Se não, acho que vão recuperar - não é difícil crescer porque desceu-se bastante, ainda estamos abaixo do nível de 2019 e Deus queira que em 2022 se consiga chegar a esse nível. Era preciso ter atenção especial às exportações, o mercado interno vai depender fundamentalmente das decisões de saúde porque turismo e comércio têm um peso relativamente grande e são diretamente influenciados por isso. Se não houver depressa um descongestionamento, como os ingleses vão fazer e nós podíamos fazer quando acabasse o programa de vacinação, vamos perder o verão em termos turísticos e vamos ter uma recuperação mais lenta do comércio. Isso vai ser decisivo. Mas não é só o vírus que é difícil de prever, a Direção-Geral de Saúde (DGS) também é muito difícil de prever..E dá informações por vezes contraditórias. Há um problema de comunicação e previsibilidade? Há um problema de compreensão, há um problema quase estrutural porque os médicos de saúde pública sempre foram os parentes pobres da medicina e neste momento sentem-se as criaturas mais importantes do mundo e não querem sair da cena e da primeira linha dos noticiários - e os pivôs de TV fazem-lhes a vontade todos os dias. O tempo que demoram a dizer coisas banais, ao contrário do que tinham dito um mês antes e nada coincidentes com o que diz o colega a seguir, é impressionante, e a generalidade da população é muito ignorante nessas matérias. Houve mais notícias sobre uma variante que eventualmente é mais contagiosa mas muito menos perigosa - estamos a ter incomparavelmente menos mortos, se calhar já ninguém se lembra dos 300 mortos por dia, mas agora andamos em 3 ou 4, é 1% do que tínhamos, não é nada. Se nos lembrássemos disso não estaríamos na situação em que estamos, porque as pessoas ficam logo com medo de sair. É péssimo..Já que falamos de pandemia, seria importante rever a matriz de risco, até para ajudar a economia? Para ajudar a economia e as pessoas. Já viu quantos têm moratória? Como é que vão resolver essa montanha que têm em cima da cabeça? Era preciso voltar rapidamente à vida e não há muita razão para isso não ser feito. Eu lembro-me tão bem quando no princípio toda a gente dizia "enquanto não houver uma vacina isto não tem solução". Quando apareceu a vacina devia ter havido marchas nas ruas de agradecimento, mas ninguém agradeceu e veio logo uma série de especialistas, ou pseudo-especialistas, a dizer "ah, isto não é garantido". Garantida é a morte. Não há vacinas que sejam eficazes a 100%, mas o risco reduziu-se de forma impressionante, é indiscutível..E estará o governo a pecar por atraso nesta revisão da matriz? Eu nunca vi as sondagens que o governo mandará fazer de certeza a saber o que é mais popular, se tomar medidas ou não. Acho que estão convencidos que é mais popular tomar medidas, logo, tomam..Os portugueses estão contentes em teletrabalho? É uma realidade que preocupa os empresários? Então não estão? A maioria das pessoas está sem trabalhar há ano e meio. Uma das coisas mais difíceis vai ser voltar a hábitos normais. E não é só na administração pública, onde esse problema vai ser muito grande. Já trabalhavam muito pouco e agora desabituaram-se disso. Mas mesmo nas empresas privadas, em determinadas áreas, o trabalho ficou muito limitado e criou situações desagradáveis de viver. Nós temos atividade industrial, como a fabricação de medicamentos, que sempre funcionou a dois turnos. Tínhamos uma parte das pessoas a trabalhar em dois turnos em condições mais difíceis do que o normal - começar mais cedo, acabar mais tarde, tinha de haver um intervalo sem pessoas, um esforço especial de desinfeção. E os outros todos que eram colegas deles, com quem às vezes almoçavam, estavam em casa..Criou-se aqui uma realidade de injustiça social, eventualmente? Acho que sim, era desagradável. E para os que estão em teletrabalho, eu não ponho em causa o esforço. Mas fazer a mesma coisa que se fazia em teletrabalho é mais difícil..Voltando à nota de conjuntura, fala também em algum pessimismo para os próximos trimestres, sobretudo por causa do turismo. É porque a pandemia se está a prolongar com esta quarta vaga? Uma parte importante das nossas exportações são bens de consumo e, portanto, isso vai depender muito da conjuntura nos outros países europeus. Em alguns as coisas não estão a andar muito bem: Espanha, França, Itália também não. Portanto, temos dificuldades. Teríamos de ganhar quotas de mercado noutros países, o que é muito difícil neste ambiente de confinamento. Nós deixámos cair muito as nossas relações com os EUA. E é um mercado onde temos uma quota francamente abaixo das possibilidades. É um mercado ótimo, com muito poder de compra. Houve um tempo em que o crescimento dos têxteis-lar derivava fundamentalmente das exportações para os EUA..Seria uma nova era a explorar agora com Biden? Não é bem com Biden porque já era assim com Trump. A grande oportunidade é haver uma posição diferente de qualquer dos dois presidentes em relação à China. Vai haver uma alteração nas correntes comerciais a nível mundial e temos de nos preparar, na medida do possível, tirar partido disso e não sermos vítimas. Há coisas em que perdemos tempo; a parte portuária, transportes marítimos é sem dúvida uma área importante. Não são coisas que se façam muito rapidamente. Estes investimentos do PRR que têm de ser concluídos em prazos muito curtos não são bem o que precisávamos. A articulação de portos e ferrovia, enfim, são tudo coisas em relação às quais há grande pobreza de planeamento praticamente desde o 25 de Abril..Do que precisávamos então? Há dois problemas: um, mais conceptual, é que quando surge oportunidade de fazer investimentos estratégicos isso normalmente significa fazer o que não é economicamente viável. Se é estratégico é porque ainda não existe, não é assim tão importante, não é assim tão estratégico. De modo que a seleção de investimentos para estes programas, muito voluntaristas, para fazer no curto prazo dificilmente vai ao encontro das nossas necessidades de médio e longo prazo. Até podem vir a reforçar distorções porque vivemos em economia de mercado - mesmo que uma parte importante da população ache que era possível viver em comunismo ou numa república socialista -, as decisões que os agentes económicos vão tomando, não todos de uma vez, reduzem o risco e reorientam a atividade das atividades de hoje para as de amanhã. E é importante que as pessoas estejam despertas para os sinais dos tempos, tenham acesso a informação económica, deem importância e vejam o que vai ser melhor para elas em cinco ou dez anos, porque a maioria das boas decisões que se tomam nas empresas não se referem aos problemas de ontem, mas aos do futuro. Uma quantidade apreciável de dinheiro vai cair sobre a economia portuguesa e conjunturalmente isso vai ajudar muita gente, e em termos estruturais eventualmente levar a investimentos que em muitos casos não seriam os ideais. E depois há um aspeto mais fino nos projetos de inovação e novas tecnologias: se isso se vai dirigir a onde temos oportunidades que estavam a ser exploradas ou se vamos fazer coisas tão modernas e novas que ninguém sabe quais serão os resultados..Está a referir-se a algum projeto em particular? Hidrogénio? Posso referir-me aos hidrogénios, a muita coisa das economias verdes e azuis e das cores mais variadas, algumas com características para virem a ser elefantes brancos. E manifesto também a minha surpresa grande por não se fazer nada nalgumas coisas que são estratégicas e poderiam, somando-se a características económicas positivas, ser grandes apostas. Um exemplo evidente: a barragem do Alqueva atrasou-se porque não era muito evidente que fornecesse vantagens económicas suficientes para compensar o custo e os inconvenientes ambientais. Hoje ninguém pode recusar - e eu tinha dúvidas - que trouxe imensos aspetos positivos. É difícil imaginar o que seria aquela zona sem água. Aqui há tempos tinha separado a barragem da Rocha da Galé a jusante da barragem quase em cima do Pulo do Lobo. É uma bacia hidrográfica portuguesa. Podia-se fazer, porque é que não se faz? Na altura não havia financiamento, agora há. Há um projeto muito importante para melhorar a água no Tejo, as zonas onde hoje se passa a pé - é uma coisa assustadora. Não se faz porque o ministro do Ambiente é contra, porque são contra as barragens... faz-me confusão porque às vezes converso com essas pessoas e eles não sabem nada do assunto. Onde é que vão buscar aquela firmeza de convicções? É impressionante. Nós podíamos fazer agroalimentares de grande qualidade. Os produtos agroalimentares portugueses são do melhor que se pode fazer na Europa, há uma procura enorme, nós temos uma posição, uma quota muito pequena nos países do norte da Europa. Vendemos para a Alemanha menos de um décimo que a Espanha vende. Porquê? Nós temos mais água que os espanhóis. Podíamos aproveitar isso. Não temos essa ambição de crescer e de aproveitar. "Ah, isso implicava mais imigrantes". Está bem! Se não houver mais imigrantes qualquer dia temos metade da população..O PRR deveria ter inscritos projetos desse tipo? O da água era muito importante porque se deixamos desabitar mais o interior criamos uma situação ambientalmente insustentável. Aquilo arde tudo, vai-se transformando em matos e não há lá ninguém para tomar conta. Se vier de Trás-os-Montes até Alcoutim, se a tendência for a que foi até agora, da desertificação, de não haver crianças, não se percebe onde é que aquilo vai parar. E era muito fácil, porque há gente que sabe fazer os investimentos na indústria agroalimentar, são baratos por posto de trabalho, não absorvem muito capital e temos porto de exportação..Que outros projetos gostaria de ver inscritos no PRR? Nós vamos fazer uma conferência dia 21, encerrada pelo senhor Presidente da República, na qual vamos apresentar uma visão de algumas reformas estruturais que deviam ser feitas para melhorar a eficiência da economia, os resultados a obter com esses investimentos, e em profundidade vamos analisar um pouco mais o que se pode fazer em termos de digitalização na área da saúde. Há grande preocupação com a saúde, natural neste enquadramento e eventualmente até excessivo, e qualquer governo vai ser tentado a fazer mais. Se não melhorarmos os procedimentos, a gestão das unidades hospitalares, não há dinheiro que chegue. A digitalização tem de ser pensada para isso, não é para reproduzir em computadores o que já se faz em papel, mas melhorar a gestão..Além da saúde que propostas há? Vamos falar em temas que são um travão ao investimento português e estrangeiro..Por exemplo? A parte fiscal? A parte fiscal e a lentidão da justiça. Para um estrangeiro é completamente incompreensível que possa andar dez anos a discutir um assunto até o resolver. É um dissuasor absoluto. Aliás, começamos a notar algo relativamente surpreendente: os estrangeiros só querem fazer investimentos com verbas que lhes deem acesso à negociação de um contrato, porque acham que isso vai ser cumprido. Ninguém sabe o que o governo vai apresentar de novo no próximo Orçamento do Estado. Isso cria uma incerteza brutal. A maior parte dos ministros não faz a mais pequena ideia do que é a atividade económica porque não vem dessas áreas, não se interessa. Era difícil fazer pior nessas áreas do que aquilo que se faz com os constantes avanços e recuos e alterações na legislação. Já ninguém sabe como é que se tributa um Alojamento Local, as compras e as vendas dos imóveis, como é que as empresas se podem fundir, as perguntas não têm respostas seguras e as pessoas não confiam..Seria esta também a oportunidade para descer o IRC às empresas? Não se apanham moscas com vinagre, toda a gente sabe e o ministro das Finanças também. Era preciso que o governo estivesse disposto a controlar a despesa pública e não está, por razões políticas, porque acha que as pessoas que votam neles gostam mais de despesas públicas - e é capaz de ser verdade, como não pagam impostos... 58% das famílias não pagam. Enquanto tivermos um governo PS minoritário, sustentado no BE e no PCP não vai ser diferente, vão votar de acordo, até porque o que gostavam era de acabar com a iniciativa privada. Mas o que estamos a dizer é simplificar, introduzir segurança jurídica para as pessoas saberem a que estão sujeitas. Isso nem dá quebra de receita, na minha opinião até dá aumento, porque se as coisas funcionam melhor, as empresas têm melhores resultados. Seria completamente demagógico dizer que este é o momento para uma grande baixa do IRC. Isso só com mudança governamental..Essa conferência vai marcar a agenda, sem dúvida, no dia 21. Estamos a falar de PRR e naturalmente a outras questões que importam nesta análise. Os empresários têm muitos deles criticado o facto de o PRR ser muito dirigido ao investimento público, às tais opções estratégicas que falava há pouco, e muito pouco à componente privada. Enfim, depois o Governo veio dizer que serão as empresas privadas a executar as obras públicas... Sim isso é verdade, isso é verdade.....Em que é que ficamos? Que análise é que faz quando olha para o PRR e as linhas que ele traça para Portugal? Que balanço, que análise faz? Como não acho que o PRR seja a nossa jangada salvadora, não consigo ter um grande entusiasmo nessa discussão. Tem aspetos positivos, tem aspetos negativos que já falámos, de distorção de decisões de investimento. Vai dar com certeza muito desperdício, já se sabe que é sempre assim quando se fazem estas coisas à pressa e para estar pronto em pouco tempo é fatal, é assim. São opções que vão ser tomadas, normalmente em cima de um mau planeamento, porque se nós tivéssemos um bom planeamento de como é que devia evoluir a rede rodoviária, articular-se com a ferroviária, com os portos, se isso já estivesse feito, é evidente que era mais fácil agora acelerar. Agora, nalguns casos, vai fazer-se aquilo que já tiver projeto, independentemente de ser o melhor ou não. Às vezes quando se tem projetos já há muitos anos e não se fez é porque não era assim tão importante. E agora vai se fazer. Eu acho que aí é difícil. Acho que conjunturalmente esse dinheiro que vai cair sobre a economia portuguesa é evidente que vai sustentar a procura interna e, portanto, isso vai dar aí alguma animação. Eventualmente dará alguma inflação. É muito difícil prever exatamente quais são as medidas porque nós ultimamente temos tido má execução dos quadros comunitários. Quer dizer, do quadro comunitário anterior está 50% por gastar. Devia-se pensar porquê. Por um lado, são os critérios de elegibilidade que são irrealistas? Estou convencido que sim. Por outro lado, é porque fazer uma empresa em Portugal não é assim tão bom e portanto não há muitas manifestações de interesse e muito entusiasmo? Ainda vamos ter o 20-30 em cima, portanto, é muito dinheiro e eu gostava que pelo menos houvesse uma declaração governamental solene e com, enfim, um compromisso forte com uma taxa de crescimento que se quisesse obter a 4 ou 5 anos com este dinheiro todo a que vamos ter acesso e que se vai gastar..Leia o resto da entrevista em www.dn.pt