É um herói, uma coca-cola no deserto, este meu menino mais novo. O meu filho não é um benfiquista qualquer: é benfiquista apesar do pai e dos quatro irmãos sportinguistas. Apesar desta esmagadora maioria, à qual uma mãe sobranceiramente encarnada e uma irmã neutra foram alheias, o rapaz sempre rejeitou o equipamento sportinguista. Também nunca entrou na Luz, nem assistiu a um jogo. E é por isso que esta conversão é tão bonita, tão límpida e pura.
Um rapaz que desde o dia em que nasceu dorme e cresce com o inimigo dentro de casa resolve, ainda assim, atravessar a 2ª Circular sem medo e com convicção, sem se preocupar com atropelos, é digno de uma águia de ouro. Ele, que foi educado, treinado, manipulado para ser mais um sportinguista só porque sim e apesar dos resultados sofridos e das escassas vitórias, percebeu cedo que o seu lugar não era ali. Sentiu.
É verdade que não sabe do que fala quando fala de táticas e de contratações, mas também é verdade que não há lógica na bola. Os irmãos tentaram reconquistá-lo, lavar-lhe o pequeno cérebro quais técnicas de Mao Tsé Tung, só que o Benfica já lá estava no seu coraçãozinho. Uns ofenderam-se com a escolha, mas rapidamente, quando a conversa se tornou séria e do alto dos seus 8 anos - quase 9 - o nosso delfim assumiu pública e familiarmente a sua adesão à causa, a sua pertença à família benfiquista, exigindo ao mesmo tempo respeito pelas suas opções, os cachecóis, os equipamentos herdados ainda com a publicidade do BES, foram arredados das suas gavetas, dos armários.
Foi toda uma dinastia que se interrompeu ali, com ele, naquele grito de Ipiranga. E, assim, sozinho, já decorou os nomes dos jogadores da sua equipa, já exigiu novos equipamentos, quer cartazes no quarto, simula jogadas de heróis da Luz contra o inimigo que são os heróis dos irmãos. Tudo isto perante o olhar desolado e triste dos irmãos, que assistem impotentes ao seu abandono, quase traição.
Como disse não houve racionalidade na escolha. Acho mesmo que são dois os fatores que o levaram à Luz: o primeiro foi a águia e o segundo foram os próprios irmãos. Diz ele que o Sporting não mostra nenhum animal aos sócios e que o leão não tem piada: não se pode soltar um leão num estádio e isso faz diferença na dinâmica futebolística. Já uma águia (duas, aliás), significam poesia, liberdade, ambição, temas que abundam numa tertúlia benfiquista, em cada café, claque, etc.
Também os irmãos, sem o saber, ajudaram o rapaz a atravessar a avenida: "Eles irritam-me." Haverá melhor vingança contra irmãos que nos irritam do que aderir ao clube inimigo? Não há. O Porto não teria tanta graça. E ele, com os olhos achinesados, a fugir pela casa, a gritar vivas ao Benfica, descobriu a forma perfeita de enlouquecer os irmãos que o "irritam". E só o irritam porque - com toda a razão - o querem educar. Dão-lhe ordens, ditam-lhe regras, dizem como se deve e não se deve fazer as coisas e isso irrita-o. Uma vez que ele não quer crescer, não quer tomar banho, nunca quer jantar e recusa-se a ir para a cama sozinho.
Tem semanas, este meu benfiquista, e como todos os novos cristãos, é fervoroso. Só não tem é quem o leve ao estádio. E isso irrita-o. O que ainda o faz mais benfiquista. Que a política nunca o leve, é o que desejo, ou isto vai dar para o torto.
Jurista