Fórmula 1: “Impacto nulo ou negativo, mas nunca positivo” para a economia

Vários estudos, elaborados em diferentes países e anos, apontam num mesmo sentido: os Grandes Prémios de F1 são um mau investimento público.
Fórmula 1 de regresso a Portugal
Fórmula 1 de regresso a PortugalALI HAIDER/EPA
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Os dados contrariam de forma clara as estimativas do ministro da Economia e da Coesão Territorial que, na passada terça-feira, afirmou perante os jornalistas que o GP de Fórmula 1 de Portugal, que está de regresso a Portimão em 2027 e 2028, não “trará prejuízos” ao país. Na verdade, Castro Almeida falou mesmo de um retorno financeiro a rondar os 140 milhões de euros, apontando custos na ordem dos 50 milhões. Na mesma conferência de imprensa, o ministro afirmou ainda que grande parte do investimento seria compensado com as receitas dos impostos cobrados durante o evento.

 Ora, segundo vários estudos consultados pelo Dinheiro Vivo sobre o impacto económico de provas desta dimensão, as afirmações de Castro Almeida não podem ser comprovadas. Há até, aliás, evidências de que o impacto pode ser negativo, num espaço temporal de 3 a 4 anos – embora não se consiga entender exatamente porquê.

Mas voltemos ao início: Manuel Castro Almeida anunciou, no passado dia 16 de dezembro, que Portugal iria voltar a acolher o Grande Prémio de Fórmula 1 em 2027 e 2028, a confirmar a determinação de Luís Montenegro, que tinha aflorado essa hipótese durante o verão. "Estimamos que a realização desta prova possa trazer a Portugal, em cada um dos anos, cerca de 200 mil visitantes. Entre 150 mil espectadores, mais de metade dos quais internacionais, e mais de 50 mil profissionais", disse o ministro em conferência de imprensa.

 "Espera-se um impacto económico não inferior a 140 milhões de euros. E o custo estimado para o Estado será inferior ao valor da receita esperada de impostos sobre a atividade económica associada a estas corridas" anunciou o ministro.

Académicos contrariam estimativas

No entanto, os economistas que se têm debruçado sobre estes temas têm dados diferentes. Num artigo científico publicado em dezembro de 2024, intitulado “The Economic Impact of Formula 1: Portuguese Grand Prix”, os economistas José Castro e António Menezes, da Universidade dos Açores, notam que “os resultados obtidos pelos modelos apontam para um impacto económico nulo ou negativo, mas nunca positivo, decorrente da realização do Grande Prémio de F1 nas regiões europeias (nível NUTS II). Assim, os resultados não apoiam a ideia de que a F1 tem um efeito positivo nas variáveis em estudo, especificamente o PIB, o PIB per capita, o emprego e as noites passadas na região”.

A escolha das regiões para este estudo foi feita com base no facto de estas serem as que apresentam dados mais fiáveis e que permitem uma análise mais fina – todos eles do Eurostat.

No mesmo sentido, um artigo assinado por economistas dinamarqueses e noruegueses – Rasmus K. Storm, Tor Georg Jakobsen e Christian Gjersing Nielsen – em 2019, atestava que “a regressão dos nossos modelos sugere que, ao nível de análise (poder) oferecido pelos dados, não é possível sustentar a afirmação de que a realização de uma corrida de F1 produz efeitos positivos no PIB (per capita), no emprego ou no turismo nas regiões abrangidas. Pelo contrário, parece que efeitos negativos podem materializar-se três a quatro anos após o evento. Esses resultados são consistentes com pesquisas existentes que concluem que os efeitos económicos de grandes eventos esportivos geralmente são inexistentes e, às vezes, até mesmo negativos”.

De acordo com Storm et al. (2020), é difícil decifrar por que razão o evento do Grande Prémio de F1influencia negativamente a economia da região que o acolhe, e é ainda mais complexo compreender por que razão esta reação se prolonga por três a quatro anos. Värja (2016, citado por Storm et al., 2020) nota, ainda assim,  que os efeitos negativos podem ser causados pela ineficiência na alocação e utilização de fundos públicos, dada a natureza altamente dispendiosa da preparação e realização de um Grande Prémio de F1.  Os resultados mostram expressamente que, utilizando esta abordagem, não é possível justificar o investimento necessário para acolher um evento do Grande Prémio de F1.

“É, portanto, aconselhável dissociar a relação simbiótica positiva entre grandes eventos desportivos e a economia da região para evitar a má alocação de fundos públicos pelos vários órgãos governamentais”, escrevem.

Também um artigo publicado na Cainz, da Universidade de Melbourne, na Austrália, realçava que “um estudo realizado em 2017 tentou usar modelos de regressão para determinar o impacto económico das corridas no coração da F1 na Europa, incluindo circuitos históricos que já receberam muitas corridas e circuitos menos conhecidos que receberam corridas esporadicamente. O estudo não encontrou efeitos positivos no PIB, no emprego ou no turismo e, na verdade, encontrou evidências de efeitos negativos emergentes após um intervalo de três a quatro anos, embora tenha reconhecido que era difícil explicar esse efeito sem mais pesquisas”.

Governo não levanta o véu sobre as contas

Ou seja: não há evidência de que exista um modelo económico que sustente a previsão de retorno de 140 milhões de euros apontada por Manuel Castro Almeida. O ministro, bem como os responsáveis do Turismo de Portugal, avançaram este valor tendo em conta “diversos estudos realizados na sequência das edições de 2020 e 2021” que terão demonstrado “o elevado retorno económico e promocional associado ao evento, estimando-se que o impacto combinado tenha atingido cerca de 100 milhões de euros por cada Grande Prémio".

Ora, segundo o Relatório de Execução que foi entregue ao Turismo de Portugal pela Parkalgar – entidade promotora dos GP de F1 em Portimão – após a realização do GP de 2020, o impacto económico da prova que terá ficado entre os €26,7 e €27,7 milhões, muito abaixo dos valores agora divulgados pelo Executivo.

Questionados pelo DV sobre a origem dos estudos citados na terça-feira, Ministério da Economia e Turismo de Portugal não responderam até ao fecho desta edição.

Lewis Hamilton venceu em Portimão em 2020 e 2021
Lewis Hamilton venceu em Portimão em 2020 e 2021José Sena Goulão/Reuters

“Pode ser prestigiante para Portugal”

Para João Duque, economista e presidente do ISEG, as contas a tudo isto são difíceis de fazer e levam o seu tempo – embora defenda que sejam feitas. Em declarações ao DV, e assumindo não ter lido os estudos citados, declara, no entanto, que Portugal precisa destes eventos nem que seja para “nos dar algum alento” porque, considera, “o espírito de rebeldia que está associado ao investimento deixou de existir no nosso país”.

“Não me custa admitir que, se calhar, o Governo e os promotores são capazes de equilibrar as contas, com uma coisa mais organizada” do que aquela que aconteceu em 2020 e 2021, em que Portugal entrou no calendário das provas por ausência de muitos países que enfrentavam confinamentos mais severos. “Se conseguíssemos atrair o GP de F1, mesmo que ficássemos abaixo dos 50 milhões de retorno, a publicidade e nome de Portugal a entrar na grande rota deste desporto, é prestigiante. Portugal passa a contar no circuito e no “Grande Circo”. É certo que é um desporto elitista, mas tem muitos amantes e pessoas com dinheiro. É um tipo de cliente que nos interessa, enquanto País”, assume. “Num país que está tão nas lonas de orgulho próprio, eu sinceramente vejo com bons olhos” a vinda do Grande Prémio, mesmo que as estimativas do Executivo sejam demasiado generosas, adianta o economista.

E lembra, novamente salientando que não leu os estudos em questão, que há muitas vezes “efeitos que não são considerados – e o caso do Algarve não é despiciendo – como o facto de as pistas que são preparadas para a Fórmula 1 ficarem depois aptas para épocas e provas que não apenas a F1. E quanto mais condições tiverem, mais probabilidade de serem usadas para equipas de treinos. Não sei se isso foi contabilizado ou não pelos colegas e essas contas não são irrelevantes. Porque depois há pessoas que alugam a pista durante uma semana e vêm para cá, gastam dinheiro…”, salienta.

João Duque, presidente do ISEG.
João Duque, presidente do ISEG.Leonardo Negrão/Global Imagens

Quanto custa trazer um GP de F1 a Portugal?

Organizar um GP de F1 é uma tarefa dispendiosa. Não apenas pelos custos de estrutura, mas também pelas taxas de entrada. Em 2021, estas fixavam-se – para países da dimensão e características semelhantes a Portugal – entre os 10 e os 30 milhões de euros. Alguma imprensa especializada fala atualmente, no entanto, de um teto máximo de 50 milhões. Nos dois últimos anos, Portugal não pagou esta taxa de entrada – a Covid obrigou a rearrumar o calendário da F1 e a organização facilitou. Este pagamento é feito, por norma, pelo Estado do país que acolhe o evento, tal como confirmou, em 2021, Paulo Pinheiro, o então responsável pela Parkalgar.

Vai ser preciso, ainda, refazer a pista do Autódromo – uma equipa da Federação Internacional de Automobilismo (FIA) estará em Portimão no próximo dia 22 para fazer uma vistoria -, garantir que hospitalidade e entretenimento têm condições para acolher não apenas o “Grande Circo”, mas todo o público esperado, adequar estruturas logísticas, comunicações e acessibilidades. E se em 2020 e 2021 Portugal entrou para o calendário por falta de alternativa, agora vai estar a ser comparado com pistas como Spa, na Bélgica ou Imola, em Itália.

Em 2020, os custos com o GP de F1 ascenderam a 10 milhões de euros. Se juntarmos este valor aos cerca de 30 milhões que rondará a taxa de entrada, ficaríamos com 40 milhões. No entanto, tendo em conta a inflação dos últimos anos, é acertado considerar que os custos de estrutura sejam mais elevados do que foram em 2020. O que significa que talvez não fiquem abaixo dos 50 milhões avançados por Castro Almeida na terça-feira passada.

Questionado sobre qual a taxa de entrada que Portugal vai pagar para assegurar a presença nos calendários de 2027 e 2028, o ministério da Economia diz apenas que “a FIA ainda está a negociar os contratos de Fórmula 1 com outros países, pelo que ainda há dever de reserva sobre os montantes envolvidos”, mas garante que “assim que for possível, “os números serão públicos e será tudo muito transparente”. No entanto, dificilmente este valor será divulgado graças às cláusulas de confidencialidade a que a organização da Fórmula 1 obriga todos os países anfitriões.

Ainda assim, o DV procurou saber em que rubrica do Orçamento do Estado para 2027 o Executivo vai inserir a verba correspondente ao pagamento desta taxa, seja ela qual for, mas o Ministério da Economia remeteu-se ao silêncio.

No mesmo sentido, o DV questionou a tutela sobre se iria assumir integralmente o investimento necessário para a realização da prova – à semelhança do que aconteceu nos últimos dois GP – ou se iria partilhar os custos com outras entidades. O Ministério da Economia, mais uma vez, não deu resposta.

A tutela foi ainda questionada sobre a declaração de Castro Almeida de que “o investimento a fazer pelo Estado na realização deste evento "será substancialmente inferior" a 50 milhões de euros, tentando perceber de onde vem a referência e a que custos dizem respeito, uma vez que pelas contas do DV , facilmente este valor pode ser atingido. O Ministério da Economia não respondeu.

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