A Galp apresentou nesta semana a refinaria de lítio, em parceria com a empresa sueca de sistemas de baterias Northvolt. O projeto Aurora representa um investimento inicial de 700 milhões de euros e pretende produzir até 35 mil toneladas de hidróxido de lítio, que podem alimentar até 700 mil automóveis elétricos todos os anos..Mas onde será encontrado o lítio necessário para alimentar a refinaria? O consórcio industrial admitiu a hipótese de importar minério do Canadá, Brasil e Austrália. Portugal, apesar de ter as maiores reservas da Europa, tem apenas um sítio com potencial para fornecer matéria-prima.."Apenas em Covas do Barroso, no município de Boticas, há viabilidade económica suficiente para fornecer lítio", explica Alexandre Lima. O investigador da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto destaca que o campo Barroso-Alvão "é o único que apresenta todos os minerais do lítio: espodumena, petalite, lepidolite e montebasite-ambligonite". A espodumena é o mineral que representa metade da alimentação de lítio para baterias..Desta forma, o professor afasta a viabilidade económica de locais como Montalegre, Serra d"Arga e Argemela, que têm sido incluídos em contratos de prospeção e de pesquisa nos últimos anos..Sobre o projeto de refinaria apresentado nesta semana, Alexandre Lima destaca a "excelente iniciativa" de haver privados "que querem investir em Portugal numa indústria, a metalurgia, que é a tecnologicamente mais avançada para se poder produzir matérias-primas para a indústria". O material que resultar da metalurgia "poderá ser vendido diretamente aos fabricantes de baterias"..A localização da refinaria, contudo, ainda não está decidida. "Acho muito bem que assim seja, porque isso depende da viabilidade da abertura de minas em Portugal", acrescenta o investigador da área do lítio há 25 anos..O início da exploração do lítio no Barroso está dependente dos resultados da consulta pública do Estudo de Impacto Ambiental. A Savannah Lithium, subsidiária portuguesa da Savannah Resources (cotada no London Stock Exchange) está a liderar o projeto e garante que, se a mina avançar, irá criar 200 empregos diretos e 500 a 600 postos de trabalho indiretos..População e organizações ambientalistas têm, ainda assim, manifestado oposição ao projeto. Temem os impactos ambientais para a fauna e a paisagem da região classificada como Património Agrícola Mundial. A Câmara Municipal de Boticas também está contra a iniciativa. Em causa está uma área de exploração a céu aberto que equivale a 70 campos de futebol e o barulho das explosões..Questionado sobre eventuais danos causados pela exploração do lítio, Alexandre Lima acredita que a Agência Portuguesa para o Ambiente pode dar indicação para "fazer uma certa dimensão da exploração e o resto em profundidade, para não haver uma exposição tão grande"..O professor lembra também que a indústria do lítio, "além de ser praticamente não poluente quando comparada com a antiga indústria mineira em Portugal, terá a característica de ser limitada no espaço físico e temporal"..Criar uma indústria transformadora nesta área "também poderá ser considerada como uma das soluções para ajudar à paragem da desertificação populacional e industrial nestas regiões"..A engenheira de Minas Paula Falcão Neves lembra que o lítio pode ser um dos minerais determinantes no futuro da sociedade. "Se queremos diminuir a pegada de carbono, mas ao mesmo tempo, consumimos cada vez mais produtos de alta tecnologia, a pergunta será: preferimos que sejam produzidos aqui, onde há excelentes profissionais e instituições de Direito; ou noutras zonas do mundo? Será que vence sempre o "o que não se vê não se sente?"".Alexandre Lima avisa ainda que a sociedade portuguesa "não está preparada, do ponto de vista informativo, para aceitar a mineração no país", o que pode inviabilizar a extração de lítio..O especialista é um dos três autores de um artigo científico sobre a necessidade de comunicação transparente para as minas e que foi redigido pela Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. O estudo envolveu 61 residentes nos concelhos de Boticas e de Ribeira de Pena..Em Boticas, verificou-se um "elevado nível de ignorância da população relativamente a uma possível operação de extração de lítio". Em Ribeira de Pena, a amostra revelou maior conhecimento sobre todo o processo.."Uma maneira de garantir que o país e os interesses da população sejam salvaguardados é investir na educação científica e na comunicação para obter uma maior alfabetização em geociências. Os problemas identificados refletem a necessidade urgente de educar a população a nível formal e informal através de atividade e de comunicação científica", conclui o artigo..Galp e Northvolt só vão tomar decisão final sobre o investimento na refinaria em 2023, quando já houver certeza se o projeto poderá contar com financiamento do Plano de Recuperação e Resiliência - ou então serão necessárias outras fontes de financiamento. Também nesse ano, a Savannah estará pronta para arrancar com a extração de lítio. Resta saber se ambiente e economia conseguem entender-se.