“Foi uma surpresa ver que a parte da indústria transformadora do papel cresceu 54%, de 2018 para 2022. É muito significativo”, comentou José Manuel Lopes de Castro, presidente da Associação Portuguesa das Indústrias Gráficas e Transformadoras de Papel (APIGRAF), no início de uma conversa alusiva à primeira edição do estudo “O setor em números”, a que o Dinheiro Vivo teve acesso..Estamos a falar de um universo de 2144 empresas (395 da indústria transformadora de papel e 1749 da indústria gráfica), que representam 5% no total da indústria transformadora nacional. Uma grande parte (44%) tem mais de 20 anos. Empregam 23 033 pessoas (10 260 na transformação do papel e 12 733 na subsetor gráfico), 47% nas grandes e médias empresas, 35% nas pequenas empresas e 18% nas microempresas. .No seu conjunto, os dois subsetores industriais em causa alcançaram um volume de negócios de 3139 milhões de euros em 2022, cabendo a maior fatia à transformação do papel, com 2061 milhões de euros, o que representa o tal crescimento de 54%. A indústria gráfica teve um desempenho mais modesto, com uma faturação de 1078 milhões naquele ano, mas, mesmo assim, a crescer 10% face a 1018..O grande impulso para as unidades de transformação do papel deu-se com a maior procura por embalagens. “Isso mostra a influência do setor, muito ligado à logística e à expansão do comércio eletrónico no contexto da pandemia, uma situação que não mais parou.” E acrescenta: “A embalagem foi considerada essencial para responder à crise”. Como prova disso, menciona o caso do cartão, em especial o canelado, que está a ter “um crescimento exponencial em todo o mundo, levando mesmo algumas empresas a reorientar o seu foco para essa produção”..Mas as vendas não se limitam ao mercado interno. Aliás, estima-se que metade siga para a exportação, embora de forma indireta, como apurou Augusto Mateus, antigo ministro e consultor, num estudo de 2014 que Lopes de Castro faz questão de recordar, destacando que, no total, as exportações do setor valem 600 milhões de euros..O líder da APIGRAF explica, então, que o setor exporta de duas formas: “A direta, que corresponde ao que cada empresa vende por si para o exterior, e de forma indireta, através de tudo o que país exporta: calçado, têxteis, vinho. Tudo isso vai embalado e a embalagem comunica, desde a etiqueta, a caixa, o catálogo... Fazemos tudo aqui.”.Gráfica a duas velocidades.Já no subsetor gráfico, “apesar da escassez da matéria-prima (papel), do aumento dos preços e do menor consumo (de papel, devido aos confinamentos)”, José Manuel Lopes de Castro sublinha a subida de 10% na faturação, um comportamento que não veio da parte dos jornais e revistas - “que estão a passar um mau bocado”, reconhece -, mas sim, da produção de livros..Nos cinco anos considerados pelo estudo - elaborado pela APIGRAF em parceria com a ImproveConsult -, o volume de negócios da atividade de “impressão de jornais” caiu 34%. “O modelo de negócio está em causa. O digital não resolve tudo e ainda não se atingiu uma complementaridade entre o digital e o papel. Há aqui qualquer coisa que ainda não está devidamente identificada.”.De facto, de acordo com o estudo, em 2022, deu-se uma diminuição do número de empresas em atividade na categoria “Impressão de jornais”, com uma queda de 46%, acompanhada por uma “degradação da situação financeira”, com uma descida de quatro pontos percentuais na autonomia financeira e uma subida de quatro pontos percentuais no rácio do endividamento. Nesta atividade, o volume de negócios “sofreu um decréscimo acentuado de 34%”, com reflexo no emprego, que sofreu uma perda de 47%, nos cinco anos em causa. .Livros salvam.“No tempo da covid, a venda de livros chegou a estar proibida em Portugal”, recorda o dirigente. E agora, prossegue, “por incrível que pareça, o digital até está a ajudar o livro. Nem os e-books anularam o negócio, porque já se percebeu que não se pode desmaterializar, por exemplo, os livros escolares”. Dito de outra forma: “O e-book não criou nenhum mercado novo de leitura, logo, não matou o livro”..Por outro lado, considera que “o livro está a crescer em toda a Europa a reboque - quem diria? - do Tic-Toc, o que tem levado a que os jovens adolescentes leiam mais livros, por causa dos que são recomendados naquela rede social”..Ainda a pretexto da produção de livros em papel, José Manuel Lopes de Castro apressa-se a defender que “o impacto ambiental [dos livros] é um mito”. A favor da sua tese sustenta que “o papel é reciclável até sete vezes”. Além disso, nota que “a taxa de reciclagem na Europa é de 74%”. Por outro lado, refere que o papel representa apenas 10% das utilizações da floresta”..Por contraponto, assinala que “as novas tecnologias emitem muito mais dióxido de carbono, do que a aviação”. E sem falar no lixo tecnológico, que considera “altamente poluente, um verdadeiro desastre”, cita o caso da cloud, para afirmar que “é o quinto maior consumidor de energia no mundo”..“Se queremos ser sustentáveis temos de olhar para o papel. O digital não é o melhor suporte de informação. O papel dura centenas de anos.”.Investimento em alta.Para responder à crescente procura, Lopes de Castro reconhece o esforço da indústria para investir, mais na renovação do equipamento, do que na criação de novas unidades, e com destaque para a indústria transformadora de papel. Por outro lado, admite que tem havido mais empresas a fechar no setor, mas, em contrapartida, quando abrem novas, detalha que “são sobretudo microempresas, com três a quatro pessoas, daí que o efeito no emprego seja mais reduzido, tendo em conta que as que fecham empregam muito mais pessoas”..Diz o estudo que o investimento líquido realizado pelas empresas do setor no acumulado dos cinco anos chegou aos 900 milhões de euros, mais 8% face a 2018. Considerando apenas a indústria transformadora de papel, o crescimento foi de 55%, enquanto o subsetor da indústria gráfica, pelo contrário, até diminuiu, na ordem dos 28%.Com orgulho, reforça que “o setor não tem parado de se modernizar, com tecnologias cada vez mais avançadas”..Para atestar o que diz, refere o caso da impressão: “Está em Portugal a maior impressora digital, da HP, numa indústria têxtil do Norte. É uma área com um crescimento notável”. Mas elenca outras aplicações: “Estamos também nas gráficas funcionais, na impressão dos chips eletrónicos, nas soluções de segurança da Imprensa Nacional Casa da Moeda, na impressão das notas e das moedas do Banco de Portugal, imprimimos no plástico, no metal… e não só no papel”. Ou seja, o princípio é sempre o mesmo: imprimir, os suportes e as tecnologias é que mudam..Em termos de recursos humanos, admite que há dificuldade em contratar. Mas reporta que a própria confederação europeia do setor tem feito ações “para mostrar aos jovens que o chão de fábrica não deve meter medo a ninguém. Quando se mostra aos jovens a segurança e as tecnologias, muitas já com inteligência artificial, no sistema produtivo gráfico, eles ficam surpreendidos”. .O desemprego é “pouco expressivo” no setor, tendo havido um “ligeiro decréscimo na dimensão empregadora”, entre 2018 e 2022, apenas suportado pela atividade gráfica, uma vez que na transformação do papel até houve um crescimento do emprego. .O certo é que, como recorda Lopes de Castro, “a tipografia sempre foi uma indústria na linha da frente da absorção de novas tecnologias”, lembrando que “uma etapa importante foi o início dos anos 90, com uma mudança no tratamento da cor e da imagem com a introdução do scanner, proveniente da investigação militar israelita, um recurso que prossegue o seu caminho”. O último grito é a nanotecnologia aplicada à impressão.