O agravamento dos custos de produção associado à “dificuldade de aumento” do preço médio de venda “põem em causa a sustentabilidade financeira” do setor do calçado, diz a EY Parthenon num estudo que será apresentado nesta quarta-feira no Porto. E, por isso, a consultora aponta dois caminhos possíveis: a diminuição de custos, através da subcontratação de partes da produção fora do país, e o aumento do preço médio de venda, através da exploração de segmentos de maior valor acrescentado, como o luxo. Um mercado que se estima valerá, em 2028, cerca de 38,9 mil milhões de dólares (35,7 mil milhões de euros), e que é dominado, em mais de 50%, pelos fabricantes italianos. .“Já sabemos que 2023 foi um ano muito difícil e 2024 está a sê-lo, mas temos muito orgulho na nossa indústria. O mundo mudou de uma forma muito significativa e há um conjunto de novos desafios e de novas oportunidades e temos que perceber que caminhos queremos percorrer”, explica o porta-voz da Associação Portuguesa dos Industriais de Calçado, Componentes, Artigos de Pele e seus Sucedâneos (APICCAPS), a propósito da contratação do estudo “Os caminhos da indústria do calçado em direção ao luxo”. .Um trabalho que faz a comparação da evolução, na última década, do setor em Portugal e em Itália, para concluir que a diferença entre o preço médio de exportação dos sapatos italianos e dos portugueses triplicou: em 2013, o preço médio nacional era de 23,30 dólares, enquanto o italiano estava nos 35,40 dólares. Em 2023, foi de 27,70 dólares para o calçado português e de 66,60 dólares para o italiano. Ou seja, Portugal valorizou o seu produto em 18,9%, Itália valorizou-o em 88%..“Se os fabricantes portugueses tivessem acompanhado o crescimento italiano teriam exportado mais quase 1,2 mil milhões de euros”, ou seja, teriam vendido ao exterior, no ano passado, quase 3,2 mil milhões de euros, em vez dos 2 mil milhões efetivamente contabilizados..Causas e soluções.Em causa está um setor que, segundo dados de 2022, tinha 1468 empresas, 38 513 trabalhadores e um volume de negócios de 2,6 mil milhões de euros. A questão é que o aumento do custo da mão-de-obra “foi superior ao crescimento da produtividade e do preço médio de exportação, criando pressão sobre as margens e ameaçando a sustentabilidade financeira do setor”, frisa a consultora. O preço médio, como referido, cresceu 18,9%, o salário mínimo nacional subiu 57% no mesmo período. O setor está, por isso, numa fase de redefinição estratégica..Do lado da diminuição dos custos de produção, a consultora recomenda o aumento de escala, com a integração de vários players, o aumento da produtividade e a otimização do custo da mão-de-obra, subcontratando fora. Além disso, é preciso diminuir os custos das matérias-primas, através da inovação do produto..Do lado do crescimento do preço médio, as recomendações passam, além do calçado de luxo, por explorar novas fases da cadeia de fornecimento - leia-se, a aposta em marcas - e novas geografias, o que vem encaixar nas linhas do Plano Estratégico Cluster do Calçado 2030, no qual a Universidade Católica - que apresentou o trabalho no final de 2022 - alerta que o esforço de promoção internacional “carece de foco geográfico”. De acordo com a Católica, “mercados em crescimento oferecem melhores perspetivas de sucesso comercial”, o que sugere que, atendendo às perspetivas de evolução da população e do PIB per capita de cada país, na próxima década, “será sobretudo na Ásia e em África que o consumo de calçado mais aumentará”. Já entre as economias avançadas, “os EUA são o país que oferece melhores perspetivas, nomeadamente quando se considera adicionalmente a dimensão do mercado”. .Quem mais valoriza o calçado português.Atendendo à convicção de que o setor deve apostar em consumidores com um “rendimento igual ou superior à média do PIB per capita dos países da OCDE em 2020, ou seja, cerca de 38 500 dólares”, foram definidas 145 cidades com mais de 500 mil clientes potenciais para o calçado made in Portugal. E se dois terços dos investimentos de promoção continuarão a direcionar-se para a Europa e os Estados Unidos, “há também oportunidades identificadas” na Coreia do Sul e no Japão. E em julho, a APICCAPS tem já prevista uma “ação concertada” em Seúl, onde vai organizar um Portuguese Shoes Showcase, para o qual levará 15 empresas portuguesas. Em agosto, irão 10 empresas marcar presença numa feira em Atlanta, nos EUA, e no início de 2025 a aposta será em Tóquio..“A Coreia e o Japão são dos países que mais valorizam o calçado português”, destaca Paulo Gonçalves, apontando valores de 66,07 euros por par no caso da Coreia, de 50,20 euros por par no Japão e de 45,83 euros nas vendas para o mercado norte-americano..Quanto ao luxo, o porta-voz da APICCAPS assume que “o mercado mudou e as empresas portuguesas têm vindo a perder competitividade fundamentalmente nos segmentos médio e médio-baixo”, ao contrário dos segmentos médio-altos nos quais as fábricas portuguesas continuam a dar cartas. “É do conhecimento público que grande parte das grandes marcas de luxo já está a produzir em Portugal e queremos assumir-nos como a grande alternativa ao mercado italiano”, frisa..Curiosamente, a Itália tem uma quota de 1% do mercado global de calçado - avaliado em 398 mil milhões de dólares -, mas tem um peso de 53% no mercado de luxo. Os custos de produção elevados, um mercado dominado por intermediários e a falta de mão-de obra são as fraquezas apontadas aos italianos pela EY..Portugal está no caminho do luxo.Portugal tem a qualidade, o serviço, a proximidade geográfica e o preço para conseguir “penetrar no mercado de luxo oferecendo preços mais competitivos”, diz o estudo, que refere valores de preço de venda ao público de 200 euros a mil euros o par, “com especial foco nos segmentos acima dos 300 euros”. Os salários do setor em Portugal foram de 10 640 euros (salário mínimo nacional anual) e comparam com os 22 806 euros do salário bruto anual de um operário italiano. .Para se posicionar como “player relevante” neste setor, as empresas portuguesas devem, numa primeira fase, estabelecer “relações diretas com fornecedores de marcas de luxo ou por meio de agentes para produção de componentes e produtos semiacabado”. Seguir-se-ão acordos de produção diretamente com as marcas e, por fim, na fase três, devem desenvolver marcas nacionais de calçado de luxo, fomentando o seu reconhecimento internacional e utilizando-as como locomotiva da marca made in Portugal..No entanto, o estudo alerta que as empresas do setor têm visões e estados de maturidade diferenciados e que este caminho é apenas para as que “ambicionam posicionar-se em segmentos superiores”. É que o inquérito realizado aos sócios da APICCAPS mostra que “o maior motivo para as empresas portuguesas não produzirem calçado de luxo é o facto de não considerarem este segmento interessante para as suas empresas”, especifica a EY. A associação desdramatiza: “O que nos compete fazer é indicar o caminho e, para isso, fomos contratar os melhores especialistas do mercado. A estratégia é esta, mas a última palavra é sempre das empresas”, sustenta.