A economia da zona euro parece estar à beira de uma nova recessão em 2023 (quebra de 1,7%), admitiu ontem o Banco Central Europeu (BCE), que fez contas ao cenário de uma guerra prolongada da Rússia contra a Ucrânia..Num quadro menos mau, em que a guerra não dura tanto, a área da moeda única aguenta-se, mas a retoma perde força: cresce 2,8% este ano e 2,1% no próximo. Em março, logo no início do conflito, era 3,7% e 2,8%, respetivamente..Seja como for, as taxas de juro do banco central (e todas as outras por arrasto) sobem sempre em qualquer dos cenários, mas quanto maiores forem as pressões inflacionistas, mais o BCE terá de acelerar o agravamento do custo do dinheiro ao longo este ano, pelo menos, revelou a autoridade monetária..A última leitura da inflação (do Eurostat) deu uma subida de preços recorde na zona euro superior a 8%. O objetivo do BCE é manter a inflação à volta de 2% no médio prazo..Com a inflação cada vez mais alta (em dezembro de 2021, a previsão do BCE era 3,2% em 2022, em março, subiu para 5,1% e ontem reviu a fasquia para 6,8%), Christine Lagarde anunciou, esta quinta-feira, que é preciso acelerar o ritmo de descontinuação dos programas de compra de ativos (maior parte deles dívida pública)..E deixou claro que as taxas de juro vão mesmo subir este ano, já em julho, disse a chefe do BCE..Depois de ter terminado o programa especial de compras desenhado para combater os efeitos da pandemia (PEPP), ontem, Lagarde revelou que o enorme programa de compras que configura o chamado quantitative easing (expansão monetária, o APP) também tem de acabar a 1 de julho próximo. Há três meses ainda havia a esperança de que pudesse durar até ao terceiro trimestre..Assim, em julho, as taxas diretoras sobem todas em 0,25 pontos percentuais. Lagarde também sinalizou que se a inflação não der tréguas, essas taxas podem subir mais do que 0,25 pontos em setembro. O patamar seguinte costumava ser 0,5 pontos percentuais.."O conselho do BCE tenciona aumentar as taxas de juro diretoras em 25 pontos base na sua reunião de política monetária de julho", disse a banqueira central..Se for um aumento de meio ponto percentual, significa que a taxa de juro central da zona euro (hoje em 0%, em julho 0,25%) pode chegar a 0,75% daqui a seis meses, três vezes mais do que o definido para julho..Atualmente, o custo de refinanciamento cobrado aos bancos comerciais do euro está em 0%. Há mais de seis anos (desde março de 2016) que assim é. Mas agora, a era dos juros mínimos acabou mesmo.."Numa análise prospetiva, o conselho do BCE espera aumentar as taxas de juro diretoras novamente em setembro. A calibração deste aumento das taxas dependerá das perspetivas atualizadas para a inflação a médio prazo. Se as perspetivas para a inflação persistirem ou se deteriorarem, será apropriado um incremento maior em setembro", avisou a líder do BCE..Danos colaterais na economia a curto prazo.Mas, claro, estas medidas para travar a inflação vêm com danos para a atividade no curto prazo, com riscos claros para a economia real europeia, famílias, empresas e governos..Primeiro, Lagarde explicou que o efeito deste início da subida dos juros não se vai repercutir já na inflação. Vai demorar, só "no longo prazo" é que aparecerá o desejado arrefecimento dos preços..O impacto mais imediato acontece antes nos endividados, sobretudo nos países onde essa exposição à dívida bancária e soberana é maior. É o caso de Portugal, Grécia, Itália. Os do costume.."Com a subida das taxas de juro de referência, os custos de financiamento dos bancos aumentam, o que se traduz em taxas ativas mais elevadas, em particular nos empréstimos a particulares", observou Lagarde..As empresas, sobretudo as mais pequenas e dependentes do crédito bancário, também se devem preparar para o embate, claro..Pior estabilidade financeira, mais pressão orçamental.E os Estados devem ficar em alerta. "O enquadramento para a estabilidade financeira deteriorou-se desde a nossa última análise, efetuada em dezembro de 2021, especialmente no curto prazo."."O menor crescimento e as crescentes pressões sobre os custos, bem como o aumento das taxas isentas de risco e das taxas de rendibilidade das obrigações soberanas podem levar a uma nova deterioração das condições de financiamento", acrescentou a presidente do BCE..Juros mais altos são mais despesa pública e mais dificuldades para controlar ou baixar os défices públicos, por exemplo..É um desafio para Portugal e para muitos outros na zona euro, sobretudo quando o Pacto de Estabilidade voltar a ser integralmente observado, em 2024..Tudo considerado, a zona euro ainda pode crescer 2,1% este ano, mantendo este ritmo no próximo..Mas se a guerra alastrar no tempo, a zona euro deve entrar, como referido, em recessão no ano que vem..O desemprego, que se prevê (diz o BCE) de 6,8% da população ativa em 2022 e 2023, reaparece de forma agressiva: num cenário de guerra longa, a zona euro pode arcar com um desemprego de 7,1% este ano e 8,3% no próximo.