A fatura total dos juros pagos pela República tem vindo a aliviar de forma substancial nos últimos anos, mas não a parte desta despesa que está relacionada com os apoios concedidos aos bancos desde 2008..O endividamento público que foi desviado para salvar e aguentar bancos nos últimos 14 anos é tão elevado que os juros pagos anualmente até estão a aumentar, ao contrário do bolo total do serviço da dívida pública portuguesa..De acordo com o reporte dos défices do Instituto Nacional de Estatística (INE), divulgado há uma semana (em contabilidade nacional, a que releva para o cálculo do défice público), a despesa total com juros registou, em 2021, uma das maiores quedas dos últimos anos, recuando quase 11% para 5,2 mil milhões de euros..O mesmo não se pode dizer com a despesa com juros relativos a bancos. Estão a subir 4%, já vão em 622 milhões de euros..Os quadros anexos ao reporte do INE mostram que as "intervenções do governo para apoiar as instituições financeiras" configuram uma verdadeira ruína para as contas públicas, há muitos anos..Ao contrário do que aconteceu noutros países (nos Estados Unidos os apoios à banca até deram ganhos líquidos ao governo e à Reserva Federal), em Portugal o saldo é confrangedoramente negativo, embora o ano de 2021 tenha sido o menos mau em muito tempo em termos de prejuízo final para os contribuintes..Segundo dados atualizados pelo INE, o custo líquido (prejuízo) para as contas públicas, portanto, que agrava o défice, foi de 560 milhões de euros, bem menos de metade do registado ano precedente (1,7 mil milhões de euros)..Este resultado final anual menos negativo para o défice deveu-se a um pagamento extraordinário de dividendos por parte da Caixa Geral de Depósitos (CGD), no valor de 300 milhões de euros..Em 2021, os dividendos recebidos (registados em contas nacionais) ascenderam a 384 milhões de euros no total, o maior valor de que o INE dá conta desde 2007. Isso fez subir a receita pública com intervenções na banca para 493 milhões de euros..No entanto, estes dividendos não chegam, nem de longe, para compensar os encargos de despesa substanciais que os contribuintes têm de aguentar por conta das intervenções do passado (a nacionalização do BPN e do BANIF), as duas resoluções do BES/Novo Banco, o acionamento de garantias por parte do BPP)..Em 2021, o Novo Banco voltou a consumir um apoio de 429 milhões de euros que o INE regista como acionamento de garantias (foi o empréstimo concedido por um sindicato bancário ao FR - Fundo de Resolução). Este FR é classificado como uma instituição pública, logo qualquer despesa que tenha vai ao défice ou à dívida, consoante seja definida a operação..Além da ajuda ao Novo Banco em 2021, o Estado teve ainda de pagar mais 622 milhões de euros em juros, como referido. É o maior valor em juros alguma vez pago pela República por conta do suporte aos bancos. Em 2020, a fatura dos juros tinha sido 600 milhões de euros. Está a crescer..É o lastro que ficou do endividamento contraído no passado para assistir aos bancos que foram colapsando ao longo dos últimos anos. Portugal tem uma dívida monumental também por causa disso. Em 2021, terminou com um fardo de 269,2 mil milhões de euros em endividamento público (127,4% do PIB ou produto interno bruto)..Este endividamento corresponde a um serviço total de dívida de 5,2 mil milhões de euros, que significa que os juros líquidos relacionados diretamente com as intervenções na banca já valem quase 12% dos juros totais. É o maior registo desde 2008, mostram cálculos do Dinheiro Vivo a partir dos dados do INE..Com tantos casos ruinosos, alguns ainda por selar, não é surpresa que os portugueses tenham beneficiado pouco e pago bem..De acordo com os novos números do INE, entre 2008 e 2021, o governo obteve apenas 3,4 mil milhões de euros em receita decorrente das intervenções que fez. Já a despesa total ascende a 26,3 mil milhões de euros. É sete vezes mais, por assim dizer..Isto faz com que o prejuízo imputado a todos os contribuintes por causa da banca ascenda, atualmente, a quase 23 mil milhões de euros. Quase 11% do PIB de 2021..Salvar bancos privados.O banco privado que proporcionalmente mais custou foi, de longe, o antigo BPN. Era considerado de pequena-média dimensão, muito ligado a pessoas do PSD..Segundo o Tribunal de Contas, que é a única instituição que divulga de forma detalhada como é que cada banco impacta nas contas públicas, pode-se dizer o BPN custou quase tanto quanto salvar e limpar o BES/Novo Banco, que era e é um banco de grande dimensão à escala de Portugal. Antes de falir, o BES chegou a ser o terceiro maior banco português..O binómio BES/NB já custou 7,9 mil milhões aos contribuintes (2008 a 2020)..Neste mesmo período, o BPN consumiu uns impressionantes 6,3 mil milhões de euros em dinheiro dos impostos, abrindo alas, ao mesmo tempo, para que os governos cortassem nas despesas (como apoios sociais) em nome da "estabilidade financeira"..Quer num caso, quer noutro (BPN e BES/NB), os efeitos sobre as contas públicas ainda não terminaram..Além destes, ainda temos os restos do Banif, outro banco médio que custou quase 3 mil milhões de euros ao erário público. Também não é um dossiê fechado..A lavagem dos veículos financeiros (que são propriedade do Estado e que ficaram com os restos do BPN, como ativos tóxicos e outros difíceis de rentabilizar) parece estar quase concluída, mas ainda falta..A despesa pública prevista na proposta de Orçamento do Estado para 2022 (OE2022, entretanto chumbado) para os veículos financeiros que guardam os ativos tóxicos e mais difíceis de comercializar dos antigos bancos privados BPN e Banif ascende a 295 milhões de euros..Cerca de 117 milhões de euros para os três veículos do antigo BPN (as chamadas sociedades "par")..No caso do Banif, a dotação de despesa ascendia a 178 milhões de euros para quatro entidades (Banif Imobiliária, Banif SA, Oitante e WIL - Projetos Turísticos)..Novo Banco lucra, mas quer mais dinheiro.O caso do Novo Banco também não parece ter terminado de forma definitiva para os contribuintes. Embora o apoio seja realizado (desde 2021, inclusive) através de um empréstimo bancário ao Fundo de Resolução (e não via empréstimo do Estado), o certo é que, segundo as regras contabilísticas, qualquer verba que seja vertida no banco ainda liderado por António Ramalho é prejuízo imputado ao défice..E a probabilidade existe e é elevada. Mesmo tendo chegado aos lucros, o Novo Banco já disse que tenciona usar mais 209 milhões de euros do Fundo de Resolução..Diz que precisa de uma injeção de capital, apesar de ter registado lucros de 184,5 milhões de euros em 2021..Segundo o banco, a necessidade "deve-se ao impacto do novo regime de contabilidade e, sobretudo, a uma contingência relacionada com tributação dos seus imóveis"..Segundo as mais recentes perspetivas orçamentais do Conselho das Finanças Públicas (CFP), "no que diz respeito aos apoios ao sistema financeiro, a projeção incorpora apenas os relacionados com o Novo Banco"..O Conselho ainda não conta com um novo apoio, mas diz que o risco existe. "Tendo em conta que até à presente data já foram pagos 3.405 milhões de euros, o Novo Banco poderá ainda solicitar um valor máximo de 485 milhões de euros, em função do apuramento das perdas incorridas nos ativos protegidos pelo mecanismo de capitalização contingente e das exigências em termos de rácios de capital."."A eventual utilização do referido montante remanescente de 485 milhões de euros constitui um risco orçamental" pois "qualquer apoio ao sistema financeiro tem impacto na dívida pública e, dependendo do tipo de operação, também no saldo orçamental", adverte a entidade presidida por Nazaré Costa Cabral..Esta semana, António Ramalho anunciou o fim da sua carreira de seis anos no Novo Banco, mas sem nunca referir a importância crucial dos apoios públicos na aparente recuperação do banco ao longo deste tempo..Congratulou-se, dizendo apenas que "nos últimos quatro anos concluiu a limpeza do balanço do banco de todos os problemas do legado herdado do antigo BES, conduzindo o NB a um caminho de rentabilidade sustentável".