Madeira bate recordes de turismo, mas precisa diversificar economia

Especialistas e empresários reunidos no Funchal, num evento promovido pela Ageas e pela Ordem dos Economistas, defendem que a região precisa romper com a dependência excessiva do turismo e procurar alternativas para mitigar riscos
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"A atividade turística na Madeira registou, em agosto de 2021, um marco histórico ao atingir os 50 milhões de euros de volume de negócios. Mas há outros indicadores relevantes: em setembro desse ano, alcançou a maior taxa de rentabilidade por quarto e recebeu também o maior número de visitantes portugueses, quase 400 mil. Já nos primeiros meses deste ano, o setor atingiu valores superiores aos da pré-pandemia", referiu Rogério Gouveia, secretário regional das Finanças, durante no Fórum PME Global, na última quinta-feira, no Hotel Savoy Palace, no Funchal. Tendo por tema "Novos desafios para as empresas da Região Autónoma da Madeira", o evento faz parte de um ciclo de conferências promovidas, desde 2018, pelo Grupo Ageas Portugal, em parceria com a Ordem dos Economistas.

A falta de recursos humanos, a baixa natalidade, o excesso de dependência do turismo, a consequente necessidade de diversificar atividades e ainda o atraso no licenciamento de empresas na Zona Franca da Madeira, foram algumas das questões que estiveram em discussão nesta iniciativa, que pretende dar voz às várias regiões nacionais, abordando temas relacionados com a atividade empresarial e os riscos a ela associados. Moderado pelo jornalista e fundador do projeto "A cor do dinheiro", Camilo Lourenço, o evento contou com a participação de vários especialistas do Grupo Ageas Portugal, o bastonário da Ordem dos Economistas, o secretário regional das Finanças, o presidente da ACIF e vários empresários locais.

A Gustavo Barreto, membro da comissão executiva da Ageas, coube o papel de anfitrião ao arrancar com a sessão de boas vindas, à qual se seguiu um enquadramento da economia regional, realizada por António Mendoça, bastonário da Ordem dos Economistas. Para o dirigente, a Madeira está muito centrada nos serviços, que representam cerca de 80% da atividade, nomeadamente no turismo, e alerta que o seu desenvolvimento é algo que não se domina, que depende muito da conjuntura internacional e, caso a situação se agrave, o turismo será claramente afetado. Assume, por isso, a necessidade de diversificar a economia: "Não podemos prescindir do turismo, mas é importante que não fiquemos totalmente dependentes dele e que consigamos encontrar alternativas que possam contribuir como uma resposta numa situação de crise".

Região perdeu empresas
Na mesa redonda que se seguiu participaram João Batalha, partner sales lead na Microsoft, Jorge Veiga França, presidente da Associação Comercial e Industrial do Funchal (ACIF), Hugo Julião, da Ageas Portugal, Humberto Jardim, administrador da Henriques e Henriques, Nini Andrade Silva, designer e empresária, e Rogério Gouveia, secretário regional das Finanças. Este último responsável revelou que a retoma do turismo tem sido uma boa surpresa, com indicadores a baterem marcos históricos, esperando que este não seja apenas um fenómeno residual. Jorge Veiga França referiu precisamente que a Madeira cresceu muito rapidamente no setor dos serviços, tendo surgido inúmeras empresas de animação cultural, agências de viagens, rent-a-car, mas ressalva ser evidente a necessidade de diversificar a economia.

Questionado sobre o problema que poderá criar o excesso de turismo, refere, a propósito, que esta é uma questão que tem de estar presente nas decisões dos órgãos regionais, para evitar que isso venha a acontecer, para não "matar a galinha dos ovos de ouro". "A criação do Centro Internacional de Negócios da Madeira (mais conhecido por Zona Franca) foi um instrumento que criou uma série de condições de fiscalidade e que conseguiu atrair e fixar investimento numa zona insular e periférica, e que contribuiu também para a diversificação de atividades", afirmou.

A questão, envolta em polémica nos últimos meses, foi ainda abordada por Rogério Gouveia que defendeu, tal como Jorge Veiga França, que a situação foi mal comunicada e acabou por prejudicar a região, em termos de imagem. "Procuramos acarinhar o Centro Internacional de Negócios, não só pela receita fiscal, mas também porque é um instrumento fundamental de captação de investimento estrangeiro e que tem um peso significativo na atração de empresas e setores muito específicos", disse. Segundo ele, fez-se passar a ideia de que todas as práticas da Zona Franca eram censuráveis, o que não corresponde, de facto, à verdade.

"Ter um interregno de seis meses na concessão de licenças foi uma machadada significativa. Tivemos empresas a sair quase diariamente e torna-se um desafio enorme recuperar tudo o que perdemos", afirmou. "Precisamos de investimento estrangeiro, aqui e no país inteiro, como pão para a boca, e já em 2013, cerca 12% da totalidade do IDE em Portugal foi captado através do Centro de Negócios da Madeira", acrescentou Jorge Veiga França.

Hugo Julião, responsável de marketing e digital do grupo Ageas, referiu que se sente um clima de pujança e dinamismo na ilha, pois "existe vontade e todo um ecossistema positivo", otimismo esse partilhado por Humberto Jardim e Nini Andrade Silva. Estes dois empresários contaram as suas experiências, trazendo à tona temas como a importância da digitalização dos negócios e exportação de talento a partir do arquipélago. Nini, designer, revelou que o seu ateliê trabalha para todas as partes do mundo, pois está ligado a cadeias hoteleiras como a Accor, a Hilton e a Marriott, e exporta talento a partir do Funchal e de Lisboa.

Humberto Jardim, produtor de vinhos da Madeira, com 400 hectares de exploração, explicou como a digitalização do negócio foi fundamental para fazer face aos desafios e, referiu ainda que há uma extrema falta de recursos humanos na sua atividade. Sublinhou que, no tema da digitalização, mais do que ter dados, saber tirar partido dessa informação é a principal mais-valia.

João Batalha, partner sales lead na Microsoft, não podia estar mais de acordo: "Hoje temos uma quantidade colossal de dados e a questão é saber como os transformamos em conhecimento, porque os dados só por si não servem para nada", afirmou. Levantou ainda a questão de a transformação digital ter sido acelerada pela pandemia e esta poder beneficiar regiões periféricas. "Mudámos o paradigma e percebemos que o teletrabalho e o trabalho flexível passou a ser possível e que o talento está em qualquer lado. As empresas podem instalar-se na Madeira e trabalhar para todo mundo - temos parceiros a criar aqui centros de competências - e, por outro lado, as empresas que já estão na ilha podem encontrar talento fora, a trabalhar de forma remota."

A Madeira lançou recentemente um projeto para atrair nómadas digitais e assim fixar talento no seu território. "Conseguimos atrair os nómadas digitais que ficaram, na fase da pandemia, mais tempo do que é habitual. A escassez de RH é um problema gravíssimo para Portugal. Prevê-se que, em 2050, a Madeira só tenha 150 mil habitantes, e isto é preocupante. Estamos, por isso, a desenhar um projeto no sentido de, em conjunto com o governo, criar condições para captar casais jovens e aumentar a natalidade", diz Jorge Veiga França.

José Gomes, membro da comissão executiva da Ageas, procedeu ao encerramento da sessão, fazendo uma súmula das intervenções. Terminou dizendo que "o seguro é uma parte integrante da toda a gestão de risco e é importante que os empresários e gestores olhem para isso como uma ferramenta com impacto na produtividade".

Reduzir o absentismo para um terço
"Bons níveis de segurança e saúde contribuem para um melhor desempenho económico das empresas: a Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho diz que por cada euro investido há um retorno de 2,2 euros", afirmou Francisco Erse, responsável de PME & Corporate do Grupo Ageas Portugal, na sua apresentação que incidiu sobre o tema prevenção e gestão de risco nos negócios.

Defende que a questão da prevenção e prevenção do risco é a chave para o futuro e fundamental para ajudar as empresas a aumentarem a sua rentabilidade e reduzirem os níveis de absentismo. Aponta, na sua intervenção, a chamada teoria do iceberg, na qual demonstra que os custos indiretos têm um peso quatro vezes superior aos custos diretos, sendo estes últimos os valores pagos à seguradora.

Refere ainda que há uma clara necessidade de as empresas trabalharem na prevenção. "Nos últimos 3 anos acompanhamos cerca de 1000 empresas de diferentes dimensões, onde produzimos informação através das nossas equipas de analistas, e nas quais identificarmos riscos e potenciais dificuldades. Para já temos um resultado: estas empresas conseguiram reduzir o absentismo para um terço. Este serviço é prestado de forma gratuita, pelo que vos desafio a trabalhar este tema connosco", afirma perante a audiência.

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