Menos vinho, custos de produção mais altos e consumo em queda geram vindima “difícil”

A apanha das uvas já vai a meio, em muitas regiões, embora a colheita das castas tintas só agora vá arrancar em força. As adegas cheias de vinhos de anos anteriores não ajuda a animar o setor. Os agricultores serão os mais penalizados, com uma vindima curta e preços em queda.
Menos vinho, custos de produção mais altos e consumo em queda geram vindima “difícil”
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A vindima arrancou já praticamente em todo o país, mas a colheita das castas para a produção de vinhos tintos, aquilo em que Portugal é especialmente forte, através de regiões como o Douro, Alentejo e Lisboa, está ainda atrasada. A única certeza que há, de norte a sul, com raras exceções, é que é esperada uma produção mais curta, num ano especialmente difícil, em que as adegas estão ainda cheias de vinho por vender e muitos viticultores não sabem a quem entregar as uvas. 

As estimativas oficiais, em julho, apontavam para uma produção total de 6,9 milhões de hectolitros de vinho, menos 8% do que na vindima de 2023, mas em linha com a produção média dos últimos cinco anos. Há quem reporte perdas de 20 e 30%, como há quem tenha vinhas novas, com o aumento consequente da colheita. O presidente do Instituto da Vinha e do Vinho (IVV) admite que ainda é cedo para fazer balanços quantitativos, mas aponta já uma produção de “grande qualidade”. Bernardo Gouvêa reconhece que o contexto é “muito difícil”, mas lembra que é a “excelente qualidade” dos vinhos portugueses e não a sua quantidade que constitui “o garante do potencial de crescimento do setor”.

O presidente do IVV acredita que, apesar de se tratar de uma “vindima muito desafiante”, o futuro do setor “não está posto em causa”, até porque “não estamos sozinhos”, países como França e Alemanha enfrentam também uma “grave crise”. Portugal, por ter registado em 2023 “o maior aumento na colheita” entre os produtores de vinho da UE - 7,5 milhões de hectolitros, mais 10% em relação a 2022 e 15% mais no segmento dos tintos com denominação de origem ou indicação geográfica protegida -, associado ao elevado nível de stocks de tintos [2,25 milhões de hectolitros acima do nível recorde do ano anterior], teve direito a um apoio de 15 milhões de euros de Bruxelas para uma destilação de crise que ajude a escoar os excedentes.

A entrega dos vinhos para queima deve arrancar em breve, permitindo retirar do mercado mais de 40 milhões de litros de excedentes. Um “paliativo”, como lhe tem chamado o ministro da Agricultura e os responsáveis do setor, mas que se espera que ajude a reduzir a pressão sobre o mercado e os preços. Fiscalização mais apertada, designadamente às importações - as empresas que importaram vinho ou que comercializaram vinho comprado fora de Portugal não podem submeter excedentes aos apoios à destilação -, mais informação ao consumidor sobre a origem dos vinhos que compra, e o reforço da dotação para a promoção dos vinhos nacionais em países terceiros são outras das medidas tomadas ou prometidas. Mas não falta quem diga que não terá efeito prático, por incapacidade dos agentes económicos para acompanharem a medida com a sua quota-parte do investimento. A longo prazo, outras terão que ser tomadas. Em França arrancam-se vinhas, em Portugal começa-se a admitir fazer o mesmo. 

Douro 
A 10 de setembro o Douro assinala os 268 anos sobre a criação, mas os tempos não estão para comemorações. As vendas de vinho do Porto estão a cair, em volume, há mais de 20 anos, o que, a acrescer à subida das taxas de juro, à incapacidade de repercutir os aumentos dos custos de produção no preço final, e ao esmagamento das margens em 2023, levou as empresas a reduzirem substancialmente as suas intenções de compra na atual vindima. Até porque a quebra nas vendas de DOC Douro veio agravar a situação, com os excedentes a acumularem-se. 

O Douro é a região que mais vinho produz em Portugal, com as previsões do IVV, avançadas em julho, a apontarem para uma produção total de 1,484 milhões de hectolitros, 5% abaixo do ano passado. Uma perda que se soma à descida do quantitativo de benefício - a produção de vinho do Porto autorizada - em 14 mil pipas face a 2023 e em 26 mil, em termos acumulados, nos últimos dois anos. A região vai este ano produzir 90 mil pipas de vinho do Porto [cada pipa tem 550 mil litros], um valor acima, mesmo assim, do que pretendiam os representantes do comércio; e abaixo do reclamado pelos da produção. 

Para a destilação deverão seguir mais de dez milhões de litros de excedentes da região. “Esperamos que, com a libertação desses stocks excedentários, os agentes económicos possam ir à vindima, junto dos agricultores, comprar aquilo que é a produção vitivinícola do ano”, diz o presidente do Instituto dos Vinhos do Douro e Porto (IVDP), o organismo de certificação da região. 

Quanto a outras soluções para minimizar as perdas dos viticultores - uma redução de 26 mil pipas em dois anos significam, em números redondos, menos 26 milhões de euros de receitas -, Gilberto Igrejas não quer adiantar os temas em cima da mesa para “não alimentar a especulação” junto dos agricultores. “Concreto, temos a destilação de crise, tudo o resto está em discussão e análise”, diz, sublinhando “comungar da preocupação crescente” dos viticultores. 

O presidente da Federação Renovação Douro assume que, a esta altura, ainda há muita gente que não sabe a quem vai entregar as uvas. “Estamos a tentar encontrar soluções, com o IVDP, porque, depois de um ano de grandes investimentos, os viticultores não podem ficar sem rendimentos”, defende. A região tem 20 mil viticultores.

Numa lógica de mais longo prazo, Rui Paredes, que é um dos representantes da produção no Conselho Interprofissional do IVDP, considera que a região deve transformar os seus excedentes em aguardente para a sua posterior incorporação no vinho do Porto, numa proporção que pode ir de um mínimo de 1% a um máximo de 20%. O presidente da Associação das Empresas de Vinho do Porto (AEVP) admite que o tema está a ser discutido, para uma eventual aplicação futura, mas pede “ponderação e uma discussão não emocional”, porque se trata de “medidas radicais que, na sua essência, podem ter efeitos negativos enormes”. António Filipe recusa que esta seja “a bala de prata que vai resolver todos os problemas” da região. A AEVP considera que a melhor forma de adequar a oferta à procura “é o abandono controlado da vinha, de forma voluntária e remunerada”, mas não fecha a porta a qualquer discussão, desde que seja feita “de forma sensata e no local próprio”. 

Além disso, defende, os vinhos da região têm que ser promovidos “de forma estruturada e com uma visão de longo prazo”. “Temos produtos de excelência, temos de os dar a conhecer a mais gente no mundo, com campanhas coordenadas e de longo prazo”, refere António Filipe, reiterando a posição já anteriormente defendida de que “o IVDP, enquanto instituto público, e nos termos em que está a funcionar atualmente, não é o veículo que melhor serve os interesses da promoção dos vinhos do Porto e dos vinhos do Douro nesta perspetiva de longo prazo”. A região quer uma comissão vitivinícola regional, como as restantes têm. Na atual vindima, “que está a ser vivida com grande ansiedade por todos”, a AEVP assegura que, apesar das “grandes dificuldades de escoamento futuro, muitos operadores decidiram manter [a compra] os seus agricultores”.

Lisboa
Lisboa é a segunda região nacional com maior produção de vinho, estando este ano previsto que ronde os 1,3 milhões de hectolitros, 15% a menos do que no ano passado. A região tem dois mil viticultores, que começaram a vindimar no início de agosto, para os espumantes. O resto da colheita vai agora entrar em velocidade cruzeiro. A quebra total, admite a CVR, pode ser ainda maior, já que as vinhas existentes têm quebras de quase 30%, mas que são contrabalançadas pela entrada em produção de quase 500 hectares de vinhas novas. 

Garantido é que o viticultor vai ter grandes dificuldades. É que se é verdade que uma vindima curta “diminui a pressão dos stocks”, e a região de Lisboa propõe-se mandar para destilação 9,5 milhões de litros, por outro, há que ter em conta que “os custos de produção não param de aumentar, por via da inflação, mas também porque o ano foi difícil, em termos de doenças, e obrigou a mais intervenções na vinha”. 

Para agravar a situação, a pressão é no sentido de uma redução do preço da uva, em cima da que aconteceu já no ano passado. “Há uma desvalorização de 20% a 30% e uma dificuldade evidente de colocação das uvas, embora as casas grandes estejam a tentar preservar aquilo que são os seus fornecedores habituais. Mas se há menos uva e se vai haver menos euros por quilo, isso vai penalizar brutalmente o viticultor”, admite

Francisco Toscano Rico, que lembra que os últimos dados das exportações trazem “um certo otimismo”, a par dos sinais de abrandamento da inflação. Nos primeiros oito meses, as vendas dos vinhos da região cresceram 4%.  

Alentejo
O Alentejo vai já na oitava semana de vindima, e a colheita vai a meio. Francisco Mateus, presidente da CVR alentejana, fala numa vindima “calma e tranquila”, com uma quebra esperada de 10% para um produção de 1,1 milhões de hectolitros. O que “não é, por si só, um drama”, uma vez que “uma vindima mais curta evita acrescentar pressão aos stocks”. E na região as intenções dos operadores são de enviar para destilação cerca de 12 milhões de litros. Mas menos vinho significa, também, menos dinheiro. “A questão financeira depende sempre de cada casa e cada empresa. Claro que, para os viticultores, a aposta é sempre numa produção generosa, [vendida] com um preço elevado, mas já todos percebemos que isso não é possível. É a lei da oferta e da procura, nem sempre mais produção significa que se faça mais dinheiro. Mas pode haver quem fique contente por não ter que vinificar mais quantidade, por não ter capacidade de armazenamento. Cada caso é um caso”, defende.

Região dos Vinhos Verdes
É o quarto maior produtor de vinhos em Portugal, com cerca de 900 mil hectolitros de produção prevista este ano, cerca de 5% a menos do que no ano passado. Sendo uma região de vinhos brancos, por excelência, não tem sofrido a pressão dos excedentes, tendo sido candidatados à destilação menos de 100 mil litros.

Dora Simões, presidente da CVR local, avança que ainda é cedo para se saber como vai correr o ano de 2024, relativamente ao volume total de produção, uma vez que só se iniciaram as vindimas para espumante e a colheita de castas mais precoces. Garante, sim, que tudo indica que “será um ano de excelente qualidade de uvas na região dos Vinhos Verdes”. 

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