Moldova: como o país está a marcar o mundo dos vinhos

Tem apenas quatro castas autóctones mas registou uma produção superior a 1 milhão de hectolitros no ano passado. A Moldova faz parte dos 20 maiores produtores do mundo e quer competir com os melhores.
Centenas de quilómetros de garrafas guardam um tesouro nacional moldavo
Centenas de quilómetros de garrafas guardam um tesouro nacional moldavoCMB
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São milhares de hectares vinhas plantadas e apenas quatro castas autóctones (mas muitas internacionais), num país onde a herança da União Soviética é notória nos edifícios, na organização e no cuidado com as áreas comuns. É o país do leste europeu com maior área plantada de vinha – 115 mil hectares – fora da União Europeia e é também a este território que pertence a maior coleção de vinhos do mundo. Guardadas numa galeria subterrânea constituída por mais de 150 quilómetros de túneis, antigas minas de extração de calcário, mais de 1,5 milhões de garrafas descansam a uma temperatura média de 12 ºC e humidade a 85%. Condições perfeitas para preservar vinhos, ainda que os responsáveis da Milestii Mici garantam que as garrafas que guardam não são para beber. “Fazem parte da nossa história, e não pretendemos vendê-las ou consumi-las”. As palavras são proferidas em frente a uma parede falsa, onde repousam mais de 10 mil garrafas – já foram 50 mil – que ali foram escondidas quando o último líder da União Soviética, Mikhail Gorbachev, implementou a chamada Lei Seca. Atualmente, a Milestii Mici é 100% detida pelo Estado moldavo, e é uma espécie de cartão de visita da produção e do enoturismo do país. Na semana passada, a Moldova foi palco da sessão de espumantes do conceituado Concours Mondial de Bruxelles (que, entretanto, se descentralizou e já não acontece apenas na capital que lhe dá nome) numa espécie de afirmação daquilo que tem sido o seu percurso nos últimos anos. O país, que não deverá conseguir competir em produção com os maiores do mundo – por comparação, Portugal produz cerca de 7 milhões de hectolitros, e está na 10ª posição entre os que mais vinhos colocam no mercado – quer, no entanto, posicionar-se na qualidade. E foi por isso que o Turismo da Moldova e o instituto que promove os vinhos do país se esforçaram tanto para levar ao país a competição.

O setor representa, atualmente, entre 1% a 2% do PIB nacional. E é precisamente nos espumantes que a Moldova tem dado cartas nos últimos anos, com várias casas a apostar no método de champanhe há décadas, por forma a extrair das suas uvas todo o potencial. É o que acontece, por exemplo, na adega Cricova, que desde a década de 1950 tenta replicar a produção da Dom Pérignon nos vinhos que produz, utilizando somente as castas clássicas e autorizadas naquela região francesa: Chardonnay, Pinot Noir e Pinot Meunier. São vinhos que saem de uma unidade de produção estabelecida cem metros abaixo do solo, num dos túneis pertencentes a uma estrutura onde ainda se extrai calcário – uma das grandes indústrias do país – e onde milhares de garrafas passam, todos os dias, pelo processo de rémuage pelas mãos experientes de seis mulheres que há anos trabalham na Adega Cricova. Este processo consiste em girar muito gradualmente cada garrafa sobre si mesma, enquanto a passa de uma posição horizontal para uma posição na ponta, com a “cabeça para baixo”, garantindo que todos os sedimentos ficam acumulados no gargalo da garrafa, fechada com uma carica. Na Adega Cricova, cerca de um milhão de garrafas aguarda ou está pronta para ser 'virada', antes de seguir para o dégorgement – onde o gargalo da garrafa é congelado, e a pressão interna do vinho, ao remover a tampa temporária, expulsa o gelo contendo as borras, permitindo o seu arrolhamento final e seguindo para estágio em garrafa.

A maioria dos espumantes é produzida, no entanto, segundo o método Charmat – ou seja, onde a segunda fermentação, que transforma um vinho tranquilo num espumante, é feita em cuba fechada e não em garrafa. É um método mais rápido, que permite vinhos menos complexos, mais jovens e com um custo benefício mais interessante. Os espumantes moldavos são, genericamente, tecnicamente exemplares, com sabores muito florais, frutados, boa acidez e uma bolha muito elegante - ou seja, excelentes companhias como aperitivos e pratos leves. E desengane-se quem acha que na Moldova só existem grandes produtores ou grandes adegas, cuja existência muitas vezes remonta ao período anterior à União Soviética. Os últimos anos têm permitido assistir ao surgimento de cada vez mais pequenos produtores, independentes, que não apenas apostam nas castas da região – Rara Neagra e Feteasca Neagra, para os tintos e Feteasca Regala e Feteasca Alba para os brancos – como também se têm dedicado a fazer surgir algumas outras novas, através de cruzamentos de espécies, como é o caso da Viorica. E, naturalmente, a produção vai muito para além dos espumantes, que representam apenas 7 milhões dos 125 milhões produzidos no país. Por exemplo, casas como o Chateau Vartely apresentam-nos alguns monovarietais de Cabernet Sauvignon com uma qualidade muito equiparada ao de países como França e Itália, e a rebelde Etcetera Winery surpreende com uma produção de baixa intervenção onde vinhos como o Naughty Girls (100% Sauvignon Blanc, envelhecido em barricas de carvalho durante 8 meses) passaria perfeitamente por uma referência produzida em França pelos métodos mais tradicionais. “A produção de vinho, no entanto, não dá dinheiro”, lamenta o fundador e enólogo Alexandru Luchianov, que exporta grande parte da sua produção para a Ucrânia - “A guerra não nos afetou particularmente porque os nossos parceiros no país sabem o que fazer” - e que investiu significativamente no enoturismo para contrariar os custos da burocracia e da produção num país onde “é preciso pagar para cada coisa que temos de fazer. Aliás, nos primeiros dois anos produzi vinho ilegalmente”, admite o empresário.

“Era impossível pagar tudo o que Estado queria que eu pagasse. Portanto produzi, e só quando legalizei tudo é que pude pôr os vinhos no mercado”. Atualmente, a empresa tem quase 20 anos de existência, está perfeitamente estabelecida e entrou em velocidade de cruzeiro – com o enoturismo a garantir os ganhos, e a qualidade dos vinhos a reputação. Na Moldova, a exportação vitivinícola continua a ser maioritariamente feita para os países vizinhos, com destaque para a Roménia. No entanto, EUA, China e muitos outros países da União Europeia são, hoje em dia, clientes muito relevantes para este mercado, que quer continuar a expandir-se, e que tem ainda um preço médio que pode ser muito competitivo. Em Portugal, vinhos moldavos podem ser comprados em algumas garrafeiras internacionais, e prometem começar a conquistar consumidores, sobretudo se aprimorarem o perfil cada vez mais elegantes, menos alcoólico e mais internacional – as castas indígenas moldavas são, para o nosso palato, mais difíceis de consumir. Será a Moldova o new kid on the block dos vinhos europeus? É muito possível que sim, e a sua potencial entrada para a União Europeia poderá ser um fator decisivo para tal.

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