Charles Ponzi foi um daqueles burlões que só podiam ficar na história. Inventado na década de 1920, até hoje o seu esquema de pirâmide, ou esquema Ponzi, é uma das fraudes mais utilizadas por sociopatas económicos, desde Bernie Madoff à nossa Dona Branca (talvez mais ingénua que sociopata).
Funciona da seguinte forma: O criminoso descobre um produto, real ou ficcionado, que garante ser de altíssimo rendimento. Desta maneira, ele atrai os primeiros clientes, prometendo-lhes lucros fantásticos a curto prazo. O rumor espalha-se e multiplicam-se os investidores. Mas o autor do esquema nunca chega a investir em coisa nenhuma, simplesmente paga aos primeiros com o dinheiro dos segundos, terceiros, quartos. Ao receberem somas de tal forma avultadas, os clientes iniciais exponenciam o rumor e o número de interessados. Assim, o esquema vai crescendo até ao dia que a bolha rebenta, arruinando a multidão que não entrou na jogada a tempo.
Serve este modelo para falarmos de uma vaca sagrada, tão sagrada que só os mais loucos apóstatas se atrevem à blasfémia de a pôr em causa. Refiro-me à Segurança Social, naturalmente - essa beata instituição que, logo por azar, se abrevia nas iniciais SS.
Como o próprio nome indica, a SS visa providenciar segurança e garantias de uma vida digna (seja lá o que isso for) aos cidadãos que para ela contribuem e à sociedade no seu todo, reduzindo as desigualdades e assegurando que todos receberão a sua cota parte de reforma, na proporção das suas contribuições, quando chegarem ao fim da sua vida ativa. Dito desta maneira, parece um seguro, e é assim que é vendido. A ideia que dá é a de que cada cidadão terá um mealheiro guardado, algures na "nuvem" do Estado, no qual vai depositando cerca de um quinto do seu salário mensal; para um dia, quando se reformar, receber de volta, também mensalmente, a quantia proporcional e correspondente ao que descontou. Nada mau, certo?
Nos EUA, a primeira beneficiária deste sistema foi Ida May Fuller. Tendo contribuído apenas por três anos, com somente 25 dólares mensais, Ida reformou-se em 1939. Logo em janeiro de 1940, recebeu o seu primeiro cheque de $22.54. Evidentemente, ficou surpreendida, deixando escapar um comentário meio desconfiado: "Não é que estivesse à espera de nada...". Com efeito, fazia parte de uma geração relutante em aceitar benesses caídas do céu, vindas de quem fosse, quanto mais do governo... Mas, de facto, bem podia beliscar-se, pois era verdade. Tão verdade que, em 1950, o cheque praticamente duplicaria para $41.30. Assim, feitas as contas, Ida havia descontado cerca de $900 para, até ao final da sua vida, em 1975, arrecadar ao todo $22,889.
Que maravilha! Negócios destes é que valem a pena. Acontece que não são para o teu bico. Nem para o meu. Mas, quase exclusivamente, para a geração da Ida. Ou melhor, entre Ida e a primeira leva dos baby-boomers (1945-1955). Desde então, tem sido sempre a descer. E a razão é muito simples: Eles foram os primeiros clientes de uma operação muito semelhante ao esquema Ponzi. Os que vieram a seguir ficaram a arder (e cada vez mais ficarão).
Bem vistas as coisas, trata-se de algo quiçá pior que o esquema Ponzi, já que o pobre Charles não tinha a polícia e o exército ao seu serviço. Nem se assentava numa estrutura organizada de legitimação do poder, apoiado por todas as instituições que fundamentam a nossa sociedade. Por outras palavras, não podia obrigar ninguém a participar no seu esquema, sob pena de prisão ou extorsão de bens. É aqui, portanto, que a ilusão da Segurança Social começa a revelar a sua verdadeira face. Nada airosa, por sinal.
Na realidade, a SS não vive de contribuições - termo que sugere atos voluntários - mas de imposições. Pelo menos em Portugal, o cidadão não tem escolha, é forçado a entregar o seu dinheiro ao Estado. Contudo, o que realmente faz cair o véu mágico que hipnotiza o "contribuinte" é a constatação de facto relativamente ao tal mealheiro para o qual ele supostamente desconta. Preparados para encaixar um murro no estômago? Então cá vai: Não há mealheiro. Vou repetir: Não há me-a-lhei-ro!
Todos os anos, os beneficiários são pagos com o dinheiro arrecadado à geração em idade ativa e, consequentemente, obrigada a "contribuir". É por isso que se trata de um esquema de pirâmide geracional, com a agravante de se eternizar. Ao contrário do esquema Ponzi (coisa de amadores), a bolha da SS nunca rebenta. Perpetua-se pela lei da força, através de ajustes e regulações - aumento da idade da reforma, diminuição dos benefícios por justificação ideológica e/ou moral, etc. - cuja real função é fazer perdurar o direito do Estado a apropriar-se dos rendimentos dos cidadãos.
Resta, então, a pergunta: O que se chama a uma "contribuição" imposta (sob pena de prisão ou extorsão de bens), que vai diretamente para os cofres do Estado (não para um mealheiro), com vista à sua manutenção e gestão de compromissos redistributivos de acordo os seus próprios critérios e leis? É simples, chama-se imposto.
Em particular, trata-se de mais um imposto que incide especialmente sobre o trabalho. O que, a juntar aos demais impostos, e fazendo as contas por baixo, resulta num peso a rondar 30% e os 40% sobre o rendimento laboral. Isto é, três a quatro vezes superior ao tal dízimo que a IURD cobra (com a diferença que só lá vai quem quer).
Resumindo: a Segurança Social não é um seguro. Não oferece qualquer segurança a longo prazo e, no que toca ao social, retira objetivamente a riqueza dos bolsos dos cidadãos para alimentar a máquina estatal e os burocratas que dela vivem.
Como resolver este problema? Não me parece difícil, basta tornar a SS opcional. Até admito que possa haver uma obrigatoriedade de o cidadão precaver a sua reforma. No entanto, como e onde as pessoas decidem aplicar as suas poupanças é com elas e ninguém deveria ter nada a ver com isso. Infelizmente, em Portugal a educação financeira é paupérrima. Motivo pelo qual, poucos fazem ideia do quanto perdem com este sistema.
Em primeiro lugar, perdem dinheiro. Quem quiser saber porquê, faça o seguinte exercício de imaginação: Ao invés de descontar para a SS durante os últimos trinta anos, suponha que havia aplicado uns €250 mensais num ETF das 500 maiores empresas mundiais. Tem ideia de quanto teria agora? Só em termos de cotação, entre os anos 1990 e 2020, o valor simplesmente decuplicou. E a este fator acrescem os dividendos, que funcionam como juros compostos.
Claro está que, entretanto, o contexto mudou desde a pandemia e, neste momento, já nem Buffett aconselha ETFs. Contudo, há variadíssimas opções, sendo o ouro a mais clássica e segura - em princípio, não enriquece por aí além, mas mantém a riqueza e é uma defesa contra a inflação(*). Por fim, mesmo para quem não queira apostar na educação financeira, existem alternativas ao Estado, tais como seguros, fundos de pensões, PPRs, etc. Ou seja, todo um universo privado que não pode nem deve ser ignorado.
Em segundo lugar, os cidadãos perdem autonomia, ficando cada vez mais dependentes do Estado, ao ponto de as novas gerações não terem outro remédio senão "contribuir" até aos 70 ou mais anos, para depois se agarrarem à esmola que sobrar, caso sobre alguma. Nessa altura, voltarão a desabafar o mesmo que Ida - "Não é que eu estivesse à espera de nada". Porém, ao contrário dela, que se fartou de lucrar com o negócio, saiu-lhes na rifa uma palmadinha nas costas e uma cabeça de petinga à moda venezuelana.
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(*) Fique bem claro que não estou a fazer nenhum tipo de recomendação de investimento, mas tão-somente a contrapor as vantagens da educação financeira às desvantagens da SS obrigatória.
Economista e investidor