Já tenho alertado para o combate sem quartel que se está a travar na América Latina, entre os defensores da democracia ocidental - ou o que resta dela - e revolucionários do Foro de São Paulo, dispostos a cometer todos os crimes e atrocidades em prol do comunismo do século XXI. A tática destes últimos é sempre a mesma: aproveitar a hegemonia cultural granjeada a seu favor, ao longo de décadas, bem como o vasto processo de infiltração nas instituições democráticas para, então, tomá-las definitivamente de assalto. Assim, por meio da fabricação do consenso institucional e social, com espantosa malícia jurídica e cumplicidade dos media locais, têm conseguido impor a velha tirania comunista sob a capa de democracia popular e nacionalista.
Claro está que isto somente tem acontecido porque, no próprio ocidente democrático, a mentalidade revolucionária se foi instalando desde os anos 60 - ou talvez antes - sendo hoje pervasiva nos diversos setores da cultura, sociedade e política. Embora em causa estejam revoluções diferentes. Por cá, assiste-se à extensão da revolução sexual no sentido do trans-humanismo (em que o transexualismo é apenas um passo). Por lá, a extensão é outra, vem da luta contra o imperialismo americano; a tal que prometia libertar dos pobres, enquanto, na prática, países como Cuba os multiplicaram sem fim, sujeitando-os à tirania de Castro e do imperialismo soviético.
Ambos começam numa promessa de libertação, e ambos vão dar ao mesmo: a ditadura da comune, seja ela tecno-ecológica e trans-humanista, seja nacional e populista. Só esta mútua simpatia pode explicar a cumplicidade de tantos agentes mediáticos, académicos, culturais e políticos do ocidente na instalação progressiva daquilo que veio a ser o regime venezuelano. Ou o viés antichileno que durou décadas até, finalmente, o Chile sucumbir às mãos da Convergência Social (Internacional Progressista) com o apoio do Partido Comunista e do Revolução Democrática (ambos do Foro de São Paulo). Ou ainda, a constante ocultação dos êxitos económicos de Bolsonaro, aliada ao viés indulgente prestado a Lula, por mais que o ex-presidiário tenha sido condenado por corrupção, diga as maiores alarvidades e apoie a Rússia - sempre de forma covarde, claro, fingindo-se um arauto da paz, enquanto, com requinte de malvadez, projeta no inimigo a sua própria posição.
Por trás da rivalidade entre diferentes esquemas de poder, simplificada na metáfora orwelliana, Oceânia vs. Eurásia (e Lestásia), existe uma simpatia utopista que explica décadas e décadas de um ocidente pusilânime face à Rússia e à China. Serve isto para apresentar mais um caso flagrante de um país sul-americano que se rendeu ao pesadelo da igualdade: Nicarágua.
A maioria dos portugueses conhece Nicarágua pela guerra da CIA contra o comunismo, quando Reagan financiou os Contras de modo que servissem de tampão aos Sandinistas. Estes últimos, entretanto, eram umas joias de pessoas. Tanto assim que, logo nos primeiros seis meses após tomarem o poder, mataram 2 mil pessoas. E nos anos seguintes, além da mortandade, ainda desapareceram mais 3 mil e foram torturadas 14 mil. Quem liderou o governo revolucionário da época (1979-1990) foi o também líder da Frente Sandinista de Liberación Nacional, Daniel Ortega, apoiado por Cuba e pela URSS. Pena é, segundo os referidos simpatizantes da utopia, que os "maus" (Reagan, CIA e Contras) - leia-se, os únicos "maus" - tenham tirado do poder este santo homem, em 1990. Felizmente, porém, Ortega regressou em 2007 para tomar conta do país, em mandatos sucessivos cujo termo não se vislumbra, respaldado pelo Foro de São Paulo.
Em termos económicos, a governação de Ortega tem sido um brinco. Basta analisar a evolução do PIB entre países de níveis populacionais comparáveis - Honduras, Paraguai, El Salvador, Costa Rica, Panamá - para verificar como quase todos aproveitaram as oportunidades de crescimento do século XXI, sobretudo a partir dos finais da década de 2000. Nicarágua, porém, ficou de fora, vetado ao marasmo. Com um PIB de $14 B, em 2021, conseguiu ocupar o último lugar do ranking. Para termos uma ideia, com metade dos habitantes, o Uruguai gerou praticamente o quádruplo, $53.5 B (2020).
Mas, como sempre, o pior é a contínua opressão. O regime de Ortega tem-se caracterizado pelas inúmeras prisões políticas. Ser candidato à Presidência da Nicarágua é quase sinónimo de ir parar ao calabouço. A uma semana das eleições de 2021, foram detidos 39 opositores, incluindo sete pré-candidatos. Sem surpresa, foram todos condenados em tribunal, com penas de oito a treze anos. É uma espécie de "quem se mete com o PS leva", mas em esteroides.
De facto, só há uma coisa que Ortega parece abominar mais que a própria oposição, a Igreja Católica. Trata-se de outra forma de oposição, claro, mais profunda, cultural e espiritual; por isso é tão odiada pelos comunistas e megalómanos totalitários. O transcendente é a pior concorrência a quem só crê no imanente. Assim, ainda neste mês de agosto, o Presidente Ortega e a Vice-presidente Rosario Murillo, sua mulher (sim, é nepotismo descarado), declararam Nicarágua uma nação livre de Deus. Afinal, quem precisa de um só Deus quando tem dois trambolhos destes a brincar aos Messias?
A repressão tem sido tremenda. O governo confiscou várias estações de rádio católicas, além de prender sacerdotes e Bispos não alinhados. O último deles foi o Bispo Rolando Alvarez, em prisão domiciliária no Palácio Episcopal de Matagalpa, juntamente com outros padres e leigos. Outros bens confiscados foram os que Taiwan cedeu à Igreja antes de retirar do país a sua sede diplomática. Pois, evidentemente, a comunista Nicarágua só podia ser ferrenha aliada da China. Motivo pelo qual, também lá impera o antiamericanismo primário, ao ponto de Ortega recusar o embaixador proposto pela Administração Biden - leram bem, não Trump, mas Biden, o governo mais esquerdista da história dos EUA.
Em Portugal, todavia, nada disto tem tido repercussão. A escandalosa cruzada sandinista contra a Igreja Católica merece, quiçá, meia dúzia de notícias sobre o cancelamento de uma procissão com a imagem de Nossa Senhora de Fátima, ou sobre o Papa estar preocupado com a situação. Com efeito, entre as duas revoluções ou duas ordens mundiais em disputa, neste momento histórico em que vivemos, ninguém duvida que a cultura dominante no nosso país seja pró-ocidental. Mas, ainda assim, sobretudo quando em causa está a defesa de uma instituição avessa às utopias, como é o caso da Igreja Católica, a simpatia utopista prevalece. Talvez por isso, um dia acabemos nas mãos da Eurásia, ou melhor, da Lestásia.
Economista e investidor