1 - Qual a avaliação geral que faz da Proposta do OE 2021 no que respeita às medidas fiscais previstas?.Esta proposta de OE não introduz alterações relevantes em matéria tributária. De facto, é uma proposta muito mais centrada no lado da despesa, focada nos apoios sociais, na proteção dos rendimentos e no reforço do sistema de saúde. Para a generalidade dos impostos temos essencialmente alterações de pormenor. Se existiam expectativas de que da proposta de OE constassem medidas fiscais adicionais de incentivo à recuperação económica, essas expectativas saem claramente frustradas..2 - Quanto a alterações com implicações para as famílias, tem-se dado muito destaque ao tema da revisão das tabelas de retenção na fonte, mas que outras medidas se poderia realçar?.Começando por uma breve nota sobre a questão das tabelas de retenção, para dizer que estamos apenas a antecipar uma discussão que é tida habitualmente no início de cada ano: as tabelas são revistas anualmente, e há vários anos que se fala da revisão no sentido de aproximar os valores retidos durante o ano aos valores finais de IRS devidos com a entrega da declaração (estamos a falar essencialmente das retenções sobre os rendimentos do trabalho dependente). Pelos valores que têm sido avançados, teremos um impacto limitado na liquidez das famílias. É, naturalmente, uma medida adequada no contexto atual, mas elementar, pelo que não deixa de ser desproporcional a importância que lhe está a ser dada. Isso decorrerá, eventualmente, da inexistência de outras medidas fiscais verdadeiramente relevantes para as famílias. Tirando a descida da taxa do IVA na eletricidade que, recorde-se, já estava prevista no OE 2020, não haverá outras medidas a salientar. Talvez acrescentar a possibilidade de dedução à coleta de IRS de 15% do IVA suportado com atividades desportivas e ginásios....3 - E o IVAucher?.Sim, é verdade, temos também o IVAucher, outra das medidas mais mediáticas. Tem o duplo objetivo de premiar as famílias pelo consumo, ao mesmo tempo que apoia a recuperação de setores muito afetados pela crise pandémica, nomeadamente alojamento, cultura e restauração. Permanecem algumas dúvidas sobre a operacionalização e efetividade, mas é, sem dúvida, uma medida original..4 - E para as empresas, que medidas destaca? Os empresários queixam-se que foram esquecidos nesta proposta de OE, é mesmo assim?.As empresas não foram esquecidas em termos gerais, porque há verbas muito relevantes inscritas no Orçamento com apoios às empresas, nomeadamente à retoma progressiva da atividade que permite a manutenção da capacidade produtiva. Mas se pensarmos exclusivamente em medidas fiscais, diria que, infelizmente, sim: as empresas foram esquecidas..Entre as medidas positivas estão a não aplicação do agravamento das tributações autónomas em caso de prejuízos e alguns benefícios para o mecenato cultural e para iniciativas promoção externa. Mas não foi lançado nenhuma medida ou benefício fiscal que possa ser verdadeiramente uma espécie de motor de recuperação e, por outro lado, também não estão previstas na proposta de OE outras medidas que poderiam ter um efeito positivo na liquidez das empresas, como por exemplo um sistema de venda de créditos fiscais ou mesmo o carryback de prejuízos fiscais, isto é, reporte de prejuízos fiscais de 2020 e de 2021 para exercícios anteriores. E não só não temos "novos" benefícios significativos, como é posta em causa a utilização dos benefícios já previstos na legislação por grandes empresas, impedindo a aplicação desses benefícios caso não mantenham o nível de emprego..Às empresas resta esperar, se conseguirem subsistir, por outros apoios que surjam com os fundos comunitários e aproveitar incentivos fiscais já existentes ou que foram sendo lançados durante o ano 2020, em particular no Orçamento Suplementar. Estou a referir-me em particular ao CFEI II, incentivo ao investimento produtivo realizado entre julho 2020 e julho 2021, e também as alterações no reporte de prejuízos fiscais no que respeita não só à extensão do período de reporte, mas também ao aumento da percentagem de dedução desses prejuízos quando existirem lucros..5 - Continuamos, portanto, com uma carga fiscal elevada sobre as empresas?.Sem dúvida. É bom recordar que para além do IRC e da Derrama Municipal, incidem ainda sobre as empresas a Derrama Estadual e uma série de taxas adicionais e contribuições extraordinárias, sobre o setor bancário, sobre a indústria farmacêutica, sobre o setor energético ou, mais recentemente, sobre os fornecedores da indústria de dispositivos médicos do SNS. É também bom recordar que estas taxas e contribuições extraordinárias, algumas introduzidas no período da anterior crise financeira, era suposto serem temporárias... e não só se mantêm, como têm vindo a ser criadas novas contribuições que agora têm que continuar face às necessidades orçamentais..6 - E que outras medidas fiscais previstas no OE pode destacar?.Será ainda importante destacar a medida que prevê a tributação em IMT da transmissão de sociedades anónimas que detêm imóveis, em termos semelhantes aos previstos, desde sempre, para a aquisição de sociedades por quotas. Contudo, ao contrário do que acontece para as sociedades por quotas, estão previstas algumas exceções, nomeadamente, para as sociedades anónimas cotadas e para as que detêm imóveis afetos a uma atividade comercial, industrial ou agrícola, desde que essa atividade não seja a compra para venda. Na prática, esta medida pode não ter impacto significativo, mas não deixa de ser um fator de desestabilização do mercado e de preocupação para alguns investidores..Talvez possa também referir o que não está na proposta. Por exemplo, não está a prorrogação para 2021 de uma série de benefícios fiscais atualmente em vigor, não está o prolongamento da aplicação no tempo de alguns benefícios criados em 2020 já no âmbito do combate à pandemia, como o CFEI II ou os incentivos a reestruturação e aquisição de empresas até final de 2020, tal como não estão previstas outras medidas de simplificação que poderiam reduzir os custos de contexto sem afetar a receita tributária. Seria muito louvável que estes temas, entre outros, possam ser considerados durante o período de discussão desta Proposta de OE no Parlamento.