Apoiantes do governo e membros da oposição atacam-se nas redes sociais minuto a minuto por causa dos mais diversos temas, a maioria sujeitos, como se repete muito hoje, a "narrativas". Há um assunto, entretanto, que, por ser mensurável, além de importante, reina sobre os demais: o preço do dólar.
Sempre que o dólar baixa face ao real, os governistas comemoram. Quando a bolsa sofre pressão e a moeda norte-americana sobe, é a vez dos oposicionistas fazerem a festa. Dólar a cair é bom sinal para as classes médias - viagens mais baratas - e, claro, para os importadores, logo, traduz-se em popularidade e ganhos eleitorais. Além de que ajuda a controlar a inflação.
Tudo somado, sob Lula da Silva o dólar está, de facto, a cair (15% em 2023), o que nem é um feito particularmente significativo tendo em conta que o experiente presidente da República e o seu hábil ministro das Finanças, Fernando Haddad, sucederam ao incapaz Jair Bolsonaro e ao alienado Paulo Guedes, respetivamente. A questão é que enquanto os senhores de fato e gravata de Brasília ou da Faria Lima, a Wall Street brasileira, acompanham as variações do dólar como se de um jogo de futebol se tratasse, no mundo real - sim, é trocadilho com o nome da moeda brasileira - um câmbio fortalecido nem sempre é boa notícia.
O site da BBC Brasil acompanhou por três horas a saga do senhor Elias Pereira, 53 anos, natural do Piauí e residente em Guarulhos, na Grande São Paulo, num dia escaldante de setembro. O Neguinho do Cabuçu, como é chamado nas redondezas em alusão ao bairro onde mora, percorre a cidade a pedalar o carrinho em que guarda papelão e latas que troca num ferro velho por dinheiro para alimentar a família de oito membros. No final das três horas acompanhadas pelo repórter, Cabuçu percorreu 6 km e carregou 46,2 quilos, 26 de papelão, cinco de ferro, 2,2 de alumínio e 13 de plástico, para receber do ferro velho meros 30 reais, menos que cinco euros.
Por causa da valorização do real, cada quilo de papel que ele vendia por 1 real em 2021, hoje vale 15 centavos. A lata caiu de 8,50 para 5 reais. "Carne de boi? Nem pensar, um quilo é 35 reais, vou ao mercado e trago uma costeleta, uma salsicha, um frango...", lamenta-se o catador a olhar desanimado para as três notas de 10 reais que recebeu. "Às vezes, eu quero comprar uma roupinha mais decente, mas não dá, um chinelo Havaianas hoje custa 30, valor que eu ganhei hoje, ou você come, ou você veste. Tem que escolher", completou. "Eu ainda tento reduzir a minha margem de lucro mas mais não dá, senão também passo necessidade", diz Mauricéia Santos, 54 anos, dona do ferro velho e, ela própria, filha de catador e por isso sensível ao drama de Cabuçu.
Os economistas explicam que os catadores de lixo são dos mais prejudicados com a queda do dólar porque a lata de alumínio, o aço, o papel, o vidro, o plástico e as embalagens têm valor negociado em dólar nas bolsas de mercadorias. "Quanto mais apreciado estiver o real, o que é muito bom para vários segmentos da economia, pior é para a vida do catador. Ele vai precisar andar mais e recolher mais", afirma Carla Beni, professora da Fundação Getúlio Vargas, àquela reportagem.
Além do negócio do papel, também os exportadores de soja, de minérios e de proteína animal são prejudicados pela mesma queda do dólar que os engravatados de Brasília e da Wall Street paulistana comemoram entre a sua bolha. Eles estão desconectados da vida real - e, agora, não é um trocadilho.