Olhar para a frente através da água

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O futuro da água depende, na sua grande parte, da atitude que as sociedades têm para com a sua utilização comunitária. Esta é uma verdade incontornável e penosa para a água e saneamento se os vários atores sociais não cumprirem as regras.

São as regras que unem uma sociedade. Quando, na evolução humana, sentimos necessidade de viver em grupo para assegurar a sobrevivência da espécie abdicamos de alguma liberdade individual para garantir que possam existir equilíbrios que permitam segurança, maior bem-estar e expectativa de vida. Segundo Jean Jacques Rousseau “…é um acordo entre todos os membros da sociedade, por força do qual cada um dos indivíduos reconhece a necessidade de implementar um conjunto de regras e a autoridade de um governante ou grupo para as impor.” Do meu ponto de vista, parece-me um contrato social bastante democrático.

Se um elevador tiver carga a mais, para além de apitar, pode cair; as pegas de um saco rasgam se for ultrapassado o limite do peso indicado; se ultrapassamos num traço contínuo ficamos sem carta… Uma ETAR quando recebe afluente industrial fora dos limites de descarga definidos deixa de cumprir o nível de tratamento adequado… Se reconhecemos a necessidade das regras para o bom funcionamento da sociedade, porque não as cumprir?

Nas últimas décadas o setor da água e saneamento investiu milhões de euros e viu crescer significativamente os seus níveis de qualidade e atendimento, elevando-os aos mais exigentes critérios europeus. Por muito relevante que este facto tenha sido, por si só não resolve o futuro. Há que gerir, cuidar, manter, repor, adaptar e inovar, para que se possa responder continuamente à busca permanente da eficiência e otimização.

Hoje às ETAR é exigida uma qualidade de serviço que permita a recente evolução conceptual de “ETAR” para “Fábrica de Água” que retrata especificamente a responsabilidade de não colocar em risco os ecossistemas e permitir concretizar um conceito usado em vários discursos mas a evoluir na aplicação – a Economia Circular. Ou seja, numa Fábrica de Água não basta tratar a água “usada” e devolve-la em equilíbrio com o meio recetor (o mar ou rios e ribeiras), exige-se destas Fábricas que produzam água reciclada para fins não potáveis (água+ para rega, lavagens, agricultura, etc.), biolamas, energia, bionutrientes para integrar, como novos produtos, na Economia Circular.

Quando, inadvertidamente, uma indústria coloca numa rede coletora de esgoto urbano efluentes que põe em risco a “integridade” do tratamento de uma ETAR, estão a quebrar as regras e o contrato social que as une às sociedades onde estão inseridas. Nestas situações, urge uma atuação legal da autoridade nacional competente de forma a manter os equilíbrios sociais e locais e, neste caso, a integridade ambiental do meio recetor.

Ou seja, há que mudar a legislação e colocar esta competência numa esfera supramunicipal, com conhecimento, apoio técnico e equidistância para resolver o problema. Não podemos continuar a discutir a contaminação de rios e outras linhas de água e não gizar e concretizar planos de ação para resolver, com a certeza do que deve ser a Administração Pública com as melhores práticas de decisão - mais simples, rápida e transparente - como tem sido o foco deste Governo e, em particular, do Ministério do Ambiente.

Assim, quem gere os meios recetores de água residual tratada – Mar, Rios e Ribeiras – proveniente das Fábricas de Água é a Agência Portuguesa do Ambiente (APA). Em casos de afluências industriais indevidas que condicionem a qualidade do meio recetor, a APA em parceria com o município local e a entidade gestora do sistema de saneamento, e não o contrário, deve ser o garante deste contrato social, de forma a que os equilíbrios locais e regionais sejam assegurados e mantidos. Só pegando neste assunto pela vertente certa evitamos perpetuar o risco de contaminar um bem nacional, no seu estado natural, que é a água. Para que cada vez mais se consiga olhar através da água.

*Administrador Executivo da Águas do Tejo Atlântico

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