Os juros da dívida pública caíram para mínimos históricos recentemente e o Tesouro português financiou-se a cinco anos à taxa mais baixa desde (pelo menos) 2006, enquanto a Fitch alterou o outlook do rating para favorável, um passo que geralmente precede uma revisão favorável da notação. No entanto, a Moody’s e a S&P continuam com dúvidas sobre a sustentabilidade da nossa dívida pública e preferiram, no mês passado, não rever o rating.
Estas notícias relembram a espada da dívida que continua a representar o maior desafio para a nossa economia. O país despendeu, no ano passado, 4,2% do PIB em juros, mais do que a despesa em educação (3,9%, em 2016) ou em defesa, segurança e ordem pública (2,7%). Este cenário poderá complicar-se a médio prazo se as taxas de juros na Europa começarem a aumentar em resultado da redução dos estímulos monetários do Banco Central Europeu (cujos primeiros sinais foram já dados por Mario Draghi).
A taxa de juro da dívida pública portuguesa depende de dois elementos. O primeiro é a perceção do risco de incumprimento, que tem sido a nossa preocupação principal, mas cuja redução recente tem ajudado a baixar a taxa de juro. Esta redução do risco deve-se a dois fatores: por um lado, o crescimento da economia, que promete mais receitas de impostos e menos despesas com prestações sociais (por exemplo, o subsídio de desemprego); por outro, a evidência de que, apesar da mudança de governo, o compromisso com o equilíbrio das contas públicas manteve-se inalterado e ficou até reforçado.
Tendo o governo assumido esse resultado como um dos seus maiores feitos, o compromisso político sobre o equilíbrio orçamental é hoje inequívoco, assegurando não só maior disponibilidade financeira do país, mas sobretudo maior apoio da UE, caso tal seja necessário. A preservação destes três elementos: crescimento, controlo orçamental e apoio político de Bruxelas (e Berlim) são críticos para manter baixo o risco do país e, consequentemente, as taxas de juro. É um ciclo virtuoso que se autossustenta.
O segundo elemento, que tem sido menos referido, mas que pode tornar-se muito relevante a médio prazo, são as taxas de referência europeias, como a taxa Refi do Banco Central Europeu ou a Euribor do mercado interbancário. Este elemento está, infelizmente, menos dependente da vontade e das ações dos portugueses e do seu governo, e mais da política do BCE. A intervenção agressiva do BCE na redução destas taxas de referência para estimular a economia e repor a inflação na normalidade contribuiu muito para reduzir as taxas de juro, não só em Portugal, mas também na Alemanha. Retirando o efeito da inflação, essas taxas, que estão hoje próximas de zero, foram em média de 0,85% para a taxa Refi e de 1,1% para a Euribor, entre 2000 e 2007.
No retorno à normalidade que se espera venha a acontecer a médio prazo, e descontando os efeitos mitigadores da maturidade das obrigações existentes, isto implicaria um aumento nos juros de 1,4% do PIB. Um cenário que poria em risco os compromissos assumidos com Bruxelas e a sustentabilidade da dívida. Para além do impacto nas contas públicas, um aumento da taxa de juro implicaria também um aumento nos custos de financiamento da economia portuguesa, nomeadamente no setor bancário, que o transmitiria à economia real, afetando o investimento, o emprego e o consumo.
A subida das taxas de referência não está ainda no horizonte de curto prazo. No entanto, a incerteza continua a ser muita e a possibilidade de uma subida acelerada das taxas de BCE é real, impondo um risco relevante para um país com uma dívida tão elevada como a nossa. O aumento da taxa de juro pela Reserva Federal norte-americana de 1% para 1,25% este mês é um acrescido fator de pressão para subida das taxas de juro na zona euro.
Assim, a perspetiva de médio prazo de subida das taxas de juro na Europa exigirá uma redução da dívida portuguesa para evitar uma nova ronda de austeridade. Se o pagamento de uma dívida atual de 130% do PIB através dos saldos orçamentais levará uma eternidade, a alternativa consiste, de uma forma mais ou menos transparente ou camuflada, num apoio dos credores ao nosso esforço. Este é um assunto onde o léxico se tornou confuso (reestruturação, perdão, renegociação) e que tem sido polémico, culminando há poucos meses no relatório sobre a sustentabilidade da dívida em que se decidiu ser cauteloso e se assumiu de forma clara que qualquer solução terá de ser encontrada no contexto europeu.
Põe-se então a questão de que apoio podemos esperar desse contexto, quando as taxas de referência começarem a subir e a sustentabilidade da dívida portuguesa voltar a estar em causa. Até agora, a disponibilidade para esse apoio tem sido escassa, por duas razões.
A primeira é política. Uma parte significativa do eleitorado alemão não vê com bons olhos mais um apoio às economias do Sul. O calendário das eleições legislativas na Alemanha, a 24 de setembro deste ano, será um bom teste.
É de notar que diferentes inquéritos demonstram alguma alteração no zeitgeist dos eleitores alemães. Segundo o Pew Research Centre para a Europa, enquanto, em 2010, apenas 40% dos alemães consideravam que o seu país deveria apoiar os Estados membros da UE em dificuldades financeiras, em maio de 2013, uma maioria de 52% de alemães já apoiava essa assistência. É possível que estes números sejam hoje ainda mais favoráveis, dados os excelentes resultados de consolidação orçamental e, mais recentemente de crescimento, da economia portuguesa. A eleição do presidente Macron, em França, pode também ajudar nesta inversão política ao pôr em marcha reformas económicas em França, que reduzirão a ansiedade na Alemanha, e ao repor a dinâmica que o projeto europeu precisa para motivar a solidariedade dos seus cidadãos.
A segunda razão tem que ver com o empenho da Alemanha e da UE em prosseguir a reforma das economias europeias, e para o qual a pressão da dívida e a ameaça de uma nova crise quando a política do BCE terminar continuam a ser a melhor alavanca. A preocupação justifica-se pelo facto de os países aos quais a dívida é perdoada antes de uma reforma sustentada do enquadramento económico e político, tenderem a recair na mesma armadilha.
É o caso de Portugal, onde três intervenções sucessivas de instituições internacionais nos últimos 40 anos demonstram que as lições se esquecem depressa e os erros se repetem. Estes comportamentos não são exclusivos de Portugal: nos países mais endividados, entre 1989 e 1997, foram perdoados 33 mil milhões de dólares, mas estes países endividaram-se em mais outros 41 mil milhões de dólares, sendo inclusivamente os países com maior perdão de dívida os que mais se endividaram. Estes factos demonstram que perdoar a dívida sem exigir reformas duradouras levará apenas a mais endividamento e a uma nova crise, quando a normalidade regressa.
Neste sentido, é fundamental que a estratégia do país para se preparar para o eventual aumento das taxas de juro, com o fim das políticas monetárias agressivas do BCE, seja a de assegurar a continuidade das reformas contra o apoio europeu à redução da dívida pública, quando a subida das taxas de referência o exigir. Depois de aplaudirmos a eleição de Macron, temos de continuar a fazer a nossa parte para relançar o projeto europeu, corrigindo as fragilidades do passado para assegurar o nosso futuro neste projeto.
Economista