Opinião. Investir, mas bem desta vez. Para exportar!

Os programas de acesso ao crédito e os estímulos de promoção do investimento devem ter um enfoque especial nas empresas exportadoras
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O défice do crescimento português do século XXI tem origem na produtividade. Analisando o rácio do produto interno bruto (PIB) por empregado entre 2000 e 2012, a produtividade cresceu em Portugal a um ritmo médio de 0,8% ao ano, muito menor do que em países com níveis de desenvolvimento semelhantes como a Irlanda, a Eslovénia ou a República Checa, onde os valores foram, respetivamente, 1,5%, 1,8% e 2,8%. Sem crescimento da produtividade, a relação entre os aumentos salariais e a competitividade torna-se difícil de compatibilizar.

Entre as causas para este fraco resultado na produtividade não está certamente a falta de investimento em capital físico e humano. Durante a primeira década deste milénio, o investimento em Portugal foi em média de 24% do PIB, em linha com a Irlanda (24%) e superior à Holanda (20%) ou à Bélgica (21%). É de notar que tanto o investimento público como o privado contribuíram para este resultado.

Também no capital humano, o nível educacional dos portugueses conheceu um progresso assinalável. Em termos de escolaridade, a percentagem da população entre os 25 e os 34 anos com um curso superior subiu dos 13% para os 33% entre 2000 e 2015, comparando com um aumento dos 33% para os 41% em Espanha e dos 29% para os 52% na Irlanda. Também na aprendizagem foram feitos progressos notáveis, com uma evolução positiva nos resultados dos testes PISA, com Portugal a ficar acima da média da OCDE em todos os domínios em 2015.

Põe-se assim a questão de saber por que tanto investimento e tanta escolarização produziram tão parcos efeitos na produtividade. Esta questão não é apenas de relevância histórica, mas está hoje no cerne da estratégia económica para o crescimento, que tem posto um enfoque crítico em atacar as dificuldades de financiamento das empresas portuguesas e na aplicação dos fundos estruturais. Neste sentido, o governo criou uma estrutura de missão para a capitalização das empresas, dedicada a gerar soluções para este que é, segundo a OCDE, um dos principais problemas com o qual a economia portuguesa se confronta nos dias de hoje.

É de notar que as dificuldades de financiamento surgiram recentemente, consequência da crise do setor bancário e do excessivo endividamento das empresas. Sendo um importante impedimento estrutural, não nos podemos esquecer de que quando não havia tais dificuldades de financiamento, quando as empresas tinham acesso fácil ao crédito, quando os níveis de investimento faziam inveja aos congéneres europeus, a produtividade não cresceu, a competitividade perdeu-se e a crise instalou-se. Isto é, a nossa história recente demonstra que financiar, investir e educar não são, por si só, sinónimos de crescimento, produtividade ou competitividade.

Aprendida a lição da forma mais dura na crise recente, é importante que, a haver uma nova onda de investimento, ela consiga acelerar a produtividade, tirando partido dos recursos humanos que, entretanto, o país conseguiu desenvolver.

Como assegurar então que a nova vaga de investimento faça crescer a produtividade? Como, se possível, reafetar o capital físico e humano já existente para aumentar a produtividade? Um indicador sugestivo da origem do problema é que a percentagem de trabalhadores com licenciatura (ou mais habilitações) empregados no setor transacionável era entre 2011 e 2013 de 5% em Portugal e de 25% na Irlanda, segundo estimativas do FMI.

Por outro lado, relativamente ao investimento direto estrangeiro, a parte dedicada aos setores transacionáveis entre 2000 e 2010 é residual. Uma análise ao destino do investimento doméstico no mesmo período gera resultados muito semelhantes.

A relação entre a produtividade e a internacionalização é sugerida por vários estudos, em vários países, que demonstram que as empresas exportadoras tendem a ser maiores e mais produtivas do que as empresas que operam apenas no mercado nacional e que a operação em mercados internacionais tende a contribuir para uma maior produtividade e eficiência. Dados do Banco de Portugal demonstram que, no período entre 2006 e 2012, a produtividade mediana entre as empresas exportadoras em Portugal cresceu entre 10% e 15%, enquanto para as empresas não exportadoras caiu cerca de 5%.

As razões para esta relação entre a produtividade e a participação em atividades exportadoras são múltiplas, sobretudo num país pequeno como Portugal: exportar implica enfrentar maior concorrência e buscar eficiência para sobreviver, ter contacto com as tendências de mercado mais recentes e incentivos para as adaptar, obter maior escala para tirar partido da inovação e baixar custos de produção e, por último, ter maior abertura a cooperar com outras empresas nacionais para conquistar mercados externos.

As empresas exportadoras, por terem de operar e sobreviver em face da agressiva concorrência internacional, asseguram a transformação dos recursos em produtividade. Assim, a ênfase durante a primeira década do milénio nos não transacionáveis poderá explicar o fraco resultado na produtividade. A produtividade teria crescido muito mais se os novos licenciados e o investimento tivessem sido empregados em setores e empresas mais envolvidos com a economia internacional. Obviamente que exportar não é o único critério que identifica empresas com elevada competitividade e produtividade, mas é simples, imediato e objetivo.

Nos últimos anos, a falta de oportunidades no mercado nacional levou muitas empresas portuguesas a voltarem-se para a exportação. O rácio de exportações no PIB cresceu de 29% em 2010 para 40% em 2014. Não desfazendo do enorme sucesso deste valor e sobretudo do que ele transmite do extraordinário esforço das empresas e empresários portugueses, deve-se referir que, para o período 2010-2012, este rácio era de 103% na Irlanda, 72% na República Checa e na Eslovénia e 52% na Dinamarca.

As empresas portuguesas têm, portanto, um importante caminho a percorrer na sua internacionalização. Para isso, precisarão de capital, para investir em máquinas e em ativos incorpóreos e para a criação de parcerias e redes internacionais. Nesse sentido, facilitar o acesso destas empresas ao crédito é fundamental para passar do sucesso dos últimos anos, muito baseado na urgência de encontrar mercados que compensassem a recessão em Portugal, a uma nova etapa baseada numa verdadeira estratégia de desenvolvimento internacional.

Para assegurar o crescimento da produtividade, os programas de acesso ao crédito e os estímulos de promoção do investimento devem ter um enfoque especial nas empresas exportadoras. Todos os programas estruturais da economia portuguesa deveriam discriminar positivamente os setores e as empresas com potencial e resultados na exportação. Potencialmente, alguns apoios poderão ser contingentes no crescimento da intensidade exportadora. E não há nenhuma inovação em fazê-lo: os países asiáticos, como a Coreia do Sul ou Singapura, têm seguido esta receita nos últimos 50 anos e os resultados estão à vista.

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