Com a saída de Portugal do Procedimento por Défice Excessivo (PDE), anunciado com solenidade pela Comissão Europeia, marca-se mais uma etapa na recuperação de Portugal da crise. É um bom momento para analisar o caminho percorrido, onde ele nos pode levar a médio e longo prazo, e o que devemos corrigir ou acautelar.
Olhando para o percurso feito desde 2012, podemos definir duas linhas mestras da estratégia do país. O primeiro pilar é uma estratégia de crescimento assente sobretudo na internacionalização da economia portuguesa, incluindo as exportações, o turismo e o investimento estrangeiro. O rácio de exportações sobre o PIB subiu de 29,9% em 2010 para 40,3% em 2016, e a balança comercial portuguesa tornou-se positiva em 2013, quando tinha sempre registado défices desde que há registo (1996). O turismo, em particular, teve um crescimento de 47,4%, entre 2012 e 2016. Por outro lado, muitas empresas, como o BNP Paribas, a Altran, a Bosch, ou mais recentemente a Mercedes, deslocaram ou deslocarão para Portugal centros de serviços ou de inovação.
Se é verdade que a instabilidade no Norte de África criou oportunidades no turismo, não podemos deixar de enaltecer a energia e a resiliência dos empresários e empreendedores portugueses, que reagiram à crise do mercado doméstico e às dificuldades na obtenção de crédito, descobrindo novos clientes nos mercados internacionais ou nos fluxos de turistas e investidores que chegavam. Numa conferência recente organizada pela Nova SBE, Olivier Blanchard, ex-economista chefe do FMI, referia, com surpresa, que a melhoria da balança comercial portuguesa não se conseguia explicar pela evolução da taxa de câmbio real, ou seja a relação entre os salários portugueses e os salários dos nossos parceiros que mede normalmente a nossa competitividade.
Estou convencido que falta, no modelo de Blanchard, a energia portuguesa que, em momentos de crise, encontra sempre as soluções impossíveis. Para quem considere que este sucesso é óbvio ou fácil, basta olhar para o insucesso de Grécia, que, a meu ver, em muito se prende com a incapacidade da economia e dos empresários gregos reagirem da mesma forma que os portugueses. Com base nesta energia, o país não só exportou mais, mas recuperou a trajetória de crescimento económico e de redução do desemprego, sobretudo a partir de 2015.
O segundo pilar do sucesso é a dedicação intransigente à redução do défice das contas públicas. Com variantes de abordagem ditadas pelas condicionantes políticas e pela realidade económica, o país tem demonstrado, às instâncias europeias e ao mundo, um compromisso amplo com o controle do défice. Este compromisso começou com uma política de austeridade difícil, sobretudo durante o período de ajustamento, e foi-se adaptando à medida que o crescimento económico permitia aumentar as receitas fiscais. No entanto, sempre que a receita não correu como esperado, a disponibilidade para ajustar a despesa, pelos salários ou pelo investimento público, permitiu cumprir objetivos e assegurou uma melhoria da imagem que o país herdou da crise.
Entretanto, o país aprendeu também uma forma de conviver e gerir a questão orçamental com mais compromisso e menos intransigência, com mais otimismo e menos desânimo, com mais inclusão e menos conflito. Com o tempo, a confiança da Europa e do mundo em Portugal tem melhorado e continuará a melhorar. Hoje, o investimento estrangeiro no imobiliário chega dos mais diversos pontos do mundo para as mais variadas cidades do país, demonstrando confiança de portugueses e estrangeiros no futuro da nossa economia.
A meu ver, estes estes dois pilares, (i) o crescimento pela internacionalização e (ii) uma gestão equilibrada do défice num quadro de compromisso politico, institucional e social, sustentam o caminho certo para o país. Com o tempo, eles assegurarão, de forma sustentável, a recuperação total da credibilidade externa e a melhoria do nível de vida dos portugueses. O ponto da sustentabilidade do modelo deve ser enfatizado. O modelo pré-crise, assente nos não-transacionáveis e no desequilíbrio orçamental (camuflado em PPP e imparidades bancárias subsequentes), gerou, durante anos, uma aparência de bem-estar, que se esbateu numa crise terrível, devido precisamente à sua falta de sustentabilidade.
Uma das razões pelas quais o novo modelo é mais sustentável tem a ver com a dinâmica da produtividade. A produtividade é a variável mais importante da economia - só com um crescimento sustentável da produtividade, podemos aumentar salários e criar emprego, sem pôr em risco a competitividade. No modelo pré-crise, o comportamento da produtividade em Portugal foi desastroso, tendo crescido à taxa mais baixa da Zona Euro entre 2000 e 2010, se tivermos em conta a situação inicial.
Que o caminho do progresso exigia uma viragem para as exportações pode ser confirmado por dados recentes que mostram que, entre 2006 e 2012, a produtividade mediana das empresas exportadoras cresceu cerca de 13%, enquanto que para as empresas não-exportadoras diminuiu cerca de 5%. São números que confirmam a teoria económica moderna, demonstrando que as empresas exportadoras tendem a ser maiores e mais produtivas do que as não exportadoras, e que a participação na atividade de exportação tende a aumentar a sua produtividade. A pressão que a concorrência no mercado global impõe exige excelência às empresas para sobreviverem, enquanto um mercado doméstico, regra geral pouco competitivo, gera indolência e distração.
Por outro lado, o compromisso com o equilíbrio das contas públicas é também absolutamente crítico para a sustentabilidade, sobretudo se quisermos permanecer na zona euro. O cenário económico de médio prazo apresenta riscos importantes, nomeadamente a incerteza da evolução política da Europa ou o aumento das taxas de juro que pesam sobre a nossa dívida de 130% do PIB, devido a uma política monetária menos agressiva do BCE. Protegermo-nos desses eventuais choques, através de uma recuperação da nossa credibilidade junto dos mercados, é absolutamente prioritário, como tem sido sublinhado pelos sucessivos governos. Fazê-lo com base num ciclo virtuoso de mais exportações, mais crescimento, mais paz social, menor défice público, mais credibilidade, e menor risco nas taxas de juro é certamente o que melhor serve os interesses dos portugueses. Quando devemos 130% do nosso PIB, temos de nos assegurar que os mercados e fiadores (i.e. a UE) têm confiança em nós.
Sendo o modelo promissor e sustentável, existem riscos relevantes que é importante gerir. No médio prazo, é importante assegurar que o caminho do crescimento baseado nas exportações se mantém e é otimizado. O risco de que as empresas portuguesas se voltem a focar no mercado doméstico não é claro. Por um lado, dado o esforço já desenvolvido e os custos já incorridos para entrar em novos mercados, bem como as lições do passado recente, é de esperar que as empresas portuguesas permaneçam comprometidas com a internacionalização. Por outro lado, conhecemos bem a nossa cultura de “desenrasca” que demonstra o nosso potencial durante as crises, para se transformar em sedentarismo e desorganização assim que passa a tempestade.
O espaço para crescer é ainda muito. Apesar do rácio de exportações sobre o PIB ter subido para 40,3% em 2016, está ainda longe dos 119,9% da Irlanda, ou dos 84,5% da Bélgica e dos 80,3% da República Checa, comparando apenas com países de dimensão semelhante à nossa. É absolutamente fundamental que este ímpeto de internacionalização se mantenha durante os próximos dez anos, por forma a garantir um novo período de afirmação de Portugal no mundo e a garantir às gerações futuras um nível de vida entre os melhores. Esta visão de longo prazo, que exige uma estratégia clara e um compromisso maior do que o de uma legislatura, é uma necessidade imperativa, e é também o nosso maior desafio.
Esta dinâmica pode ser otimizada. Numa Europa em que os nacionalismos erguem fronteiras e fecham cada vez mais os países sobre si próprios, na Grécia, em Itália, ou na Alemanha, Portugal continua a ser um país de espírito aberto e tolerante, acolhedor da diferença e da diversidade. A experiência única de chineses, russos, africanos, turcos ou sul-americanos que visitam Portugal ou que aqui permanecem para residir, estudar, empreender, ou investir, traduz bem a atratividade do nosso país. O número de imigrantes estrangeiros permanentes aumentou em cerca de 124,9%, entre 2012 e 2015, comprovando o nosso desígnio de país acolhedor e aberto aos outros, na charneira entre a Europa e o mundo. A visita recente do primeiro-ministro à Índia, por exemplo, abriu novas portas que cumpre à sociedade e às empresas portuguesas explorar. Como plataforma para a diversidade global na Europa podemos criar pistas para aliciar o talento empreendedor do mundo, promover a exportação das empresas nacionais e atrair investimento estrangeiro.
Este posicionamento acolhedor da diversidade global, procurando fazer mais do que já provámos saber fazer bem, e fazendo-o de uma forma estratégica e consistente, pode acelerar o nosso crescimento. Para isso, é necessário ter uma estratégia económica, associada à estratégia diplomática e aliada à estratégia das nossas empresas exportadoras. É preciso ambição e disciplina - algo que tantas vezes nos faltou. É preciso um consenso nacional que permita definir metas e políticas com uma visão a dez anos.
A saída do Procedimento por Défice Excessivo demonstra que estamos no caminho certo. A grande questão é se vamos saber manter-nos nesse caminho.
Dean da Nova SBE