A máxima publicitária “não interessa que falem bem ou mal de mim, o importante é que falem” ganhou notoriedade com Oliviero Toscani, o criativo que revolucionou as campanhas da Benetton nos anos 80 e 90. A sua abordagem rompia deliberadamente com os padrões então vigentes, substituindo personalidades conhecidas ou modelos vistosos por imagens cruas, mas impactantes: doentes com SIDA, condenados no corredor da morte, recém-nascidos ainda ligados ao cordão umbilical.Toscani defendia que provocar desconforto era uma formas mais eficazes para despertar a atenção. Para ele, essa publicidade não se resumia a promover a roupa, mas levar a sociedade a olhar para o que muitos preferiam comodamente ignorar. Dessa forma, a Benetton tornou-se naquilo que hoje se designa por “marca com propósito”, um conceito na altura desconhecido.As vantagens desta estratégia são evidentes. Num mundo saturado de mensagens, captar a atenção é uma arte. Ao desafiar tabus, Toscani conseguiu que a Benetton fosse reconhecida globalmente sem depender de abordagens publicitárias tradicionais. Dessa forma, a marca conquistou espaço mediático gratuito, ganhando uma identidade atrevida, mas forte – isto é, um patamar de notoriedade só normalmente alcançável à força de avultados orçamentos.Claro que uma estratégia destas não está isenta de inconvenientes. O choque como instrumento comunicacional tende a desgastar-se e, com o tempo, gera saturação. A linha entre provocar reflexão e explorar sofrimento é ténue e Toscani foi muitas vezes acusado de instrumentalizar tragédias para daí obter dividendos comerciais. Para muitasaudiências, a essência da marca tornou-se secundária perante a polémica; e para muitas outras, tornou-se simplesmente intolerável. Efetivamente, o risco desta abordagem é que o barulho se venha a sobrepor ao conteúdo, transformando a comunicação numespetáculo permanente – o que irá, sem dúvida, afastar muitos clientes.Curiosamente, a utilização da polémica como motor de visibilidade está muito associada a dinâmicas contemporâneas da comunicação política. Poderíamos falar do movimento MAGA nos Estados Unidos, do Reform UK de Nigel Farage, da Liga Norte em Itália, mas vamo-nos focar em Portugal. Sabe-se que o Chega adota uma postura que privilegia o elevado impacto na opinião pública. Em vez de evitar confrontos, parece procurá-los como forma de reforçar a presença no palco mediático e mobilizar eleitores desiludidos que rejeitam o wokismo e o politicamente correto.Veja-se o caso da recente campanha “Isto não é o Bangladesh” e “Os ciganos têm de cumprir a lei”. Qualquer espírito são e desapaixonado dirá que frases como estas são autênticos disparates. Foi, aliás, o que fizeram inúmeros analistas competentes, sérios e respeitados: explicar racionalmente – ou seja, com base na razão – o óbvio, expondo as contradições da campanha.Só que o objetivo de André Ventura não é ter razão, mas sim criar buzz, nem que para isso seja necessário apelar ao disparate indutor das paixões mais primárias. E aí ganhaem toda a linha: quantos mais analistas competentes, sérios e respeitados criticam a campanha, mais o Chega ganha em presença mediática. Abro aqui um parêntesis e dou a mão à palmatória pois, com este artigo, sou mais um que “dá para o peditório”.Do ponto de vista comunicacional, só falta que um tribunal qualquer mande – eventualmente baseado nos mais sólidos argumentos jurídicos – retirar os cartazes. Nesse caso, Ventura, revelando a falsa indignação em que é mestre, irá regozijar-se por mais duas ou três semanas de polémica com o Chega no topo do espaço mediático.Agora vêm as presidenciais e the show must go on. O candidato da extrema-direita, apesar de não desejar ser Presidente da República, continuará igual a si mesmo: agressivo, polémico, teatral; os outros candidatos e a generalidade dos analistas gastarão tempo, palavras e neurónios a rebater as suas inverdades e despropósitos; e no final Ventura irá gabar-se de que foi o candidato que atraiu mais audiências nos debates e mais a atenção dos comentadores.Aquilo que as campanhas de Toscani e do Chega evidenciam é que o choque gera atenção, fideliza públicos e obriga a sociedade a discutir temas que, de outro modo, permaneceriam marginais. Claro que também aqui surgem riscos: a comunicação pode transformar-se num ciclo de indignação contínua, onde a visibilidade se torna mais importante do que a substância.A fronteira entre debate democrático e ruído calculado torna-se perigosamente difusa, pelo que a política corre o risco de se reduzir a um simples espetáculo mediático. Algo que, tal como a publicidade de Toscani, fascina, mas acaba por cansar. A pergunta é: até quando?Presidente da Ordem dos Economistas - Norte