Não é uma surpresa para ninguém que tenha acompanhado a campanha presidencial norte americana, assim como as declarações públicas de Donald Trump nos últimos dois meses: as regras do jogo do comércio internacional vão mudar, e com isso também teremos uma profunda revisão da mais dominante relação geopolítica internacional – a relação transatlântica. É certo que no meio do processo desta ofensiva tarifária vão existindo alguns adiamentos – afinal depois de no fim de semana estar acertada a imposição imediata de tarifas de 25% contra todas as importações do México e Canadá, a sua implementação acabou por ser adiada por trinta dias - no entanto a, uma coisa é certa. A ofensiva tarifária chegou para ficar, e será abrangente a todos os blocos de elevada dimensão económica, independentemente dos laços geopolíticos que possam ter, como no caso da União Europeia, e que no limite podem colocar esses mesmos laços transatlânticos em causa.A primeira e principal linha orientadora da ofensiva tarifária é a China. O gigante asiático tem pela frente um caminho instável e imprevisível, numa altura em que ainda luta retornar aos níveis de crescimento pré-pandemia. Os produtos chineses enfrentaram tarifas que chegaram a atingir a 25%, mas novos patamares podem ser atingidos. Um quadro de tarifas que ascendam a 60% sobre as importações chinesas, combinadas juntamente com mais controlo sobre tecnologia, tem potencial para reduzir de forma muito significativa o comércio entre as duas grandes potências económicas mundiais. Os Estados Unidos irão inevitavelmente procurar condicionar diretamente o gigante asiático, e provavelmente indiretamente utilizando as negociações de tarifas com outros blocos (como a Europa) dependente da imposição de condições similares à China.O segundo objetivo da ofensiva tarifária, é exatamente o de forçar os países com maior ligação económica aos Estados Unidos em termos de transações comerciais a alinhar pelas novas regras de Washington. O Canadá e o México, com quem os Estados Unidos têm acordo comercial estabelecido, e com elevadíssima dependência comercial (pesam no Canadá e México respetivamente cerca de 17% e 22% do PIB da economia). O que está em causa não será tanto fazer implodir o acordo de comércio conjunto destes três países através de uma ofensiva tarifária em larga escala que provoque uma guerra comercial – isto seria perigoso também para os Estados Unidos, que de acordo com análise da RBC Asset Management o plano original de tarifas com o Canada poderia ter um impacte negativo de 1,2% no crescimento económico – mas sim rever o acordo. O principal objetivo será mesmo o de condicionar e eliminar as formas de circunvenção que as empresas chinesas têm encontrado às restrições atuais e futuras para aceder ao mercado norte americano sem pagar tarifas – sobretudo no sector automóvel.E esta será também, por último, a lógica inerente a estratégia para a Europa e União Europeia. Apesar da menor dependência económica existente entre os blocos. O impacte não é negligenciável (-1,1% no PIB da EU de acordo com o Goldman Sachs), existe uma profunda reforma geopolítica que a administração Trump pretende fazer na relação transatlântica. As nações europeias deverão sofrer pressão para se desvincular da China, e para aumentarem de 2% para 5% as metas de gastos com defesa exigidas pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), sob pena de retirada de tropas e armas dos EUA do espaço europeu. O que traz ao de cima desafios e potenciais mudanças estruturais na mais relevante aliança geopolítica do pós-guerra mundial. *Luís Tavares Bravo é Economista, Presidente do Internacional Affairs Network