Não foi por acaso que ganhou o epíteto de “desporto-rei”. O futebol é a modalidade com o maior número de adeptos, com o maior volume de negócios, com o maior impacto mediático e publicitário no mundo. Não há desporto que gere tanto interesse, tanto entusiasmo, tanta paixão… e tantos milhões e milhões de receitas. De tal forma que aplicamos hoje o termo “indústria do futebol”, quando nos referimos aos colossais recursos, investimentos, ativos, salários e dividendos que envolvem a modalidade.Também por isso o futebol assume um crescente peso nas relações geopolíticas e geoeconómicas, podendo ser considerado um soft power. O “desporto-rei” não é apenas um fator de afirmação dos países, o que já não seria pouco. A sua força global tem sido usada, igualmente, para a defesa de interesses nacionais, a cooperação entre Estados ou blocos regionais, a promoção do comércio internacional, a captação de recursos e a atração de talento, investimento e inovação.Por aqui se percebe o interesse de muitos países em organizar as grandes competições de futebol, como o Europeu ou o Mundial. Sobretudo de países que se querem posicionar na cena internacional e, em alguns casos, tentar lavar a imagem pouco abonatória que têm em questões civilizacionais, como os direitos humanos ou a preservação do ambiente. Its all about money, dirão os mais cínicos. Creio, no entanto, que é mais do que isso: é competição geopolítica pura.Um caso de estudo do futebol como soft power é a Arábia Saudita, que vai receber o Mundial de 2034. A modalidade conheceu um desenvolvimento meteórico neste reino árabe e tem servido para o regime do príncipe herdeiro, Mohammed Bin Salman, aumentar a influência do país no mundo e promover a diversificação da sua economia. Portugal também está incluído nesta estratégia, ou não fosse Cristiano Ronaldo o grande emblema do futebol saudita. Ainda recentemente, uma comitiva de empresários da Arábia Saudita visitou Portugal e ficou a promessa de um estreitar de relações económicas com o nosso país.O futebol português é, como sabemos, conhecido globalmente. E não devemos ter pruridos em usar a modalidade para a projeção do país e, em particular, da sua economia. Tanto mais que vamos coorganizar, com Espanha e Marrocos, o Mundial de 2030. Inevitavelmente, alguma da atenção do mundo vai estar sobre nós nesse ano e iremos trabalhar em conjunto com dois países vizinhos. Um deles, Espanha, é “só” o nosso maior mercado externo; o outro, Marrocos, apresenta grandes potencialidades de negócio e investimento.Se a nossa única marca global, CR7, causa arritmias na Arábia Saudita, pois bem, há que aproveitar as oportunidades do maior mercado do Médio Oriente e única economia árabe no G20. Se a coorganização do Mundial 2030 nos aproxima de Espanha e Marrocos, importa pensar numa estratégia que nos permita aprofundar as relações comerciais e a cooperação económica com os dois países. Se de facto o futebol também se joga fora do campo, então é bom que tenhamos uma tática bem oleada e uma equipa competitiva para não marcarmos golos na própria baliza ou dar pontapés na atmosfera.Somos bons a jogar futebol. Agora, está na altura de aprendermos a jogar com o futebol enquanto instrumento de poder e influência internacional. Além, claro, de ser absolutamente imperioso não repetir no Mundial de 2030 os erros do Euro 2004. Armindo Monteiro é presidente da CIP