Não é todos os dias que é preciso respirar fundo a meio da leitura do título desta coluna. Mas também não é todos os dias que um Presidente da República, neste caso Marcelo Rebelo de Sousa, mostra dúvidas sobre um decreto-lei de privatização da companhia aérea portuguesa, a TAP, um dos processos mais delicados que o Governo de Luís Montenegro tem em mãos.Na verdade, a última vez que Marcelo Rebelo de Sousa o fez foi em finais de outubro de 2023, quando um governo preso por arames de António Costa (PS) lhe apresentou uma reprivatização da empresa. O Presidente - que tal como todos os portugueses se lembrava bem da forma como Costa reverteu a privatização de 2015, essa feita no lavar dos cestos do executivo de Pedro Passos Coelho - olhou para a proposta do governo socialista e devolveu-a à procedência, considerando que esta “suscitava dúvidas e reticências à luz da desejada máxima transparência do processo”. Vivia-se por essa altura em Portugal tempos de guerra política intensa, com poucas cautelas, ainda menos caldos de galinha, mas sobejas sopas com nomes franceses servidas bem geladas.Duas eleições legislativas depois, Marcelo ainda tem dúvidas quando lhe apresentam decretos-lei para privatizar a TAP. Agora não será transparência, mas matéria de facto. A saber: o Presidente quer ver esclarecidas questões sobre a estrutura de capital da TAP no contexto do concurso de venda, mas - mais grave - tem dúvidas sobre a insolvência da antiga TAP SGPS, que mereceu o indecifrável nome de Siavilo, e que morreu por estes dias, depois de o tribunal ter aceitado, em menos de um mês, o pedido de insolvência da TAP SA.Tem razão Marcelo Rebelo de Sousa nas suas dúvidas sobre a insolvência da Siavilo. Quando um empresário passa os ativos de uma holding sua para outra das suas companhias, deixando apenas as dívidas, e depois pede a insolvência, geralmente dá notícia nos jornais e os tribunais não olham com boa cara. Não sabendo se isso se aplica no caso da TAP SGPS, refiro apenas que “insolvências culposas” existem às dezenas nas sentenças dos tribunais deste país. Talvez até nem seja este o caso. Mas um comportamento pode ser politicamente censurável, sem que seja juridicamente ilícito. No caso da TAP SGPS, a sua insolvência praticamente impede a Azul, uma empresa que emprestou (ao lado da Parpública) dinheiro à TAP para que esta continuasse a voar, de recuperar os montantes que injetou (incluindo juros de vários anos). Será este caso que preocupa Marcelo Rebelo de Sousa? Ou é o facto de, aparentemente, quase todos os membros do Governo de Montenegro darem mesmo por adquirido que os 3,2 mil milhões que os contribuintes injectaram na TAP não vão mesmo ser restituídos ao Orçamento?Face às muitas dúvidas, as do Presidente e as nossas em relação às questões de Marcelo, uma coisa parece certa. Um eventual diferendo agora entre Governo e Presidente sobre este tema só vai atrasar ainda mais uma operação de privatização que há muito deveria estar feita. Não só porque o Estado não sabe gerir empresas de aviação, mas também porque a companhia precisa mesmo do know-how de um grande parceiro internacional europeu (Lufthansa, IAG ou Air France-KLM) para modernizar procedimentos, ganhar escala e, finalmente, pensar em sair de casa dos pais que temos sido todos nós. A nossa carteira agradece e, estou em crer, quem voa de e para Portugal também agradecerá no futuro.