A leitura comparada dos programas eleitorais do Partido Socialista (PS) e da Aliança Democrática (AD), no que respeita à valorização do interior, à coesão territorial, e à descentralização – incluindo a regionalização –, permite identificar padrões consistentes de abordagem à organização territorial do Estado, bem como diferenças de ênfase, metodologia e grau de concretização programática. Uma evidência transversal é a persistência de um modelo de desenvolvimento com forte peso da Área Metropolitana de Lisboa (AML), que continua a concentrar uma parte significativa do investimento público nacional, especialmente nas áreas de mobilidade, infraestruturas e serviços públicos.Relativamente ao interior, o PS propõe a criação de um "Pacto para o Interior" para regiões de baixa densidade, contemplando medidas como um programa transversal de atração e apoio ao Investimento para o interior e incentivos para que famílias e jovens aí se instalem, a que se junta um outro conjunto de medidas onde se incluem a eliminação faseada de portagens em autoestradas do interior sul (A6, A2, A25), o desenvolvimento de soluções de mobilidade sustentável no interior (através da reativação de linhas ferroviárias regionais, reforço de transporte público intermunicipal e expansão da mobilidade elétrica), apoiar a especialização e qualificação das instituições de ensino superior e de investigação situadas nestes territórios e definir uma estratégia de localização de serviços públicos do Estado central fora da AML. No entanto, o programa não explicita o montante total alocado a estas medidas nem o peso relativo no conjunto do investimento público previsto, o que limita a capacidade de aferir o seu impacto orçamental efetivo e o grau de compromisso com uma política ativa de reequilíbrio territorial.Já o programa da AD propõe o redesenho do Programa Nacional de Valorização do Interior, mas com pouco detalhe, referindo apenas apoios à recuperação de habitação em aldeias, eventuais incentivos fiscais para famílias e empresas que se relocalizem em territórios de baixa densidade, e capacitação das universidades e politécnicos nesses territórios de baixa densidade via PRR e PT-2030, visando criar polos de inovação e fixação de populações. Trata-se de uma abordagem programática com menor grau de territorialização e detalhe operacional. Também aqui não há qualquer menção às verbas envolvidas nas propostas.No domínio da descentralização, ambos os programas reconhecem a necessidade de aprofundar os processos iniciados nas últimas legislaturas. O PS propõe rever a Lei de Finanças Locais, reforçar o papel das Comunidades Intermunicipais (CIM) e das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR), e promover uma lógica de contratualização entre níveis de governação (Contratos Programa “Estado Região”). Prevê ainda a dinamização do processo em curso de democratização das CCDR, através da eleição direta dos seus presidentes. No que se refere à regionalização, o PS apresenta uma proposta estruturada, com previsão de referendo durante a legislatura, elaboração de estudos técnicos e definição de um plano de transição para regiões administrativas. A descentralização é encarada como uma transformação institucional do Estado.A AD propõe apenas a continuidade da reforma descentralizadora iniciada em 2014-2015, com foco na subsidiariedade e reforço das CIM, propondo ainda adequar a Lei das Finanças Locais e demais instrumentos normativos ao processo de descentralização, mas não prevê alterações ao modelo das CCDR nem inclui qualquer proposta sobre regionalização. Ao contrário do PS, a descentralização é entendida como reorganização funcional da administração pública e não como reconfiguração institucional do poder territorial. Esta divergência evidencia abordagens distintas ao modelo de organização territorial e à questão da proximidade democrática na definição de políticas públicas.A análise da distribuição de investimento público em transporte prevista em ambos o programas revela uma concentração significativa na AML. O programa do PS prevê investimentos na Linha Violeta do Metro de Lisboa, a reavaliação da Linha Circular, a integração de sistemas ferroviários entre margens (Lisboa, Sul do Tejo), a expansão dos suburbanos até Torres Vedras e o reforço das ligações fluviais. O custo agregado destes investimentos será volumoso, mas não é especificado.A Área Metropolitana do Porto (AMP) surge com menor densidade de propostas, centradas na conclusão das linhas Rosa e Rubi do Metro do Porto, na extensão da Linha de Leixões e na integração da Linha do Vouga no sistema Andante, procurando ainda assegurar o avanço dos projetos para a terceira fase do metro do Porto, na mesma sem qualquer quantificação dos valores envolvidos, mas certamente será inferior ao da AML.O programa da AD, embora menos detalhado territorialmente, apresenta também grandes projetos centrados na AML, como o novo aeroporto (Alcochete), a terceira travessia do Tejo (Chelas-Barreiro), investimentos em alta velocidade e reforço da frota ferroviária. Medidas como o passe ferroviário gratuito e a gratuitidade para jovens, embora de âmbito nacional, terão impacto mais imediato nos territórios com redes de transporte mais densas, como Lisboa e Porto. Estima-se que cerca de 1,4 milhões de pessoas vivem em concelhos que não dispõem de qualquer ligação ferroviária ativa, o que corresponde a uma parte significativa da população e a uma larga maioria da área territorial de Portugal continental.De notar que uma parte significativa do investimento em transportes previsto no PRR está concentrada nas AML e AMP, sobretudo em projetos de expansão das redes de metro e mobilidade urbana. Embora essa concentração se justifique em parte pela maior densidade populacional e económica destas regiões, levanta questões quanto à equidade territorial na distribuição do investimento público, tendo em conta as carências estruturais persistentes no interior do país. Trata-se de uma questão transversal aos dois programas, que não parecem contrariar essa tendência, pelo contrário.Relembro ainda a inexistência de serviços ferroviários regulares em várias capitais de distrito do interior do país, contrastando de forma evidente com os planos de expansão do metro e da ferrovia na AML, onde se preveem novas ligações entre concelhos separados por poucos quilómetros.Conclui-se que ambos os programas, embora com formulações e estratégias distintas, refletem um padrão de forte concentração de investimento e planeamento na AML. Enquanto o PS explicita propostas mais detalhadas para essa região, a AD centra a sua agenda em grandes decisões infraestruturais com impacto nacional, mas localização metropolitana. Em ambos os casos, verifica-se uma ausência de mecanismos explícitos de correção das assimetrias territoriais no plano orçamental ou de planeamento de médio prazo, o que levanta desafios à concretização de uma verdadeira coesão territorial.A análise dos programas eleitorais, assim estruturada, permite identificar áreas de atuação política com diferentes níveis de concretização, mas não permite, por si só, aferir a superioridade de um modelo sobre o outro. O que se evidencia é a necessidade de reforçar os critérios de equidade geográfica na formulação de políticas públicas, assegurando que o local de residência não continue a ser um determinante estrutural das oportunidades de acesso a serviços e infraestruturas. *Óscar Afonso é Diretor da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, Professor Catedrático e sócio fundador do OBEGEF.