O caminho das pedras da agricultura nacional

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Num mundo cheio de si e cheio de novidades tecnológicas absolutamente fantásticas - como os avanços na Inteligência Artificial ou as descobertas graças à Computação Quântica - é raro lermos notícias sobre setores mais mundanos, como a agricultura, as pescas ou as indústrias extrativas tradicionais. Para quem nasceu depois do ano 2000, fica um dado curioso: é possível à Humanidade minerar outras coisas que não Bitcoins. E sim, é assim que conseguimos extrair da terra o ferro que transformamos em aço; o cobre com que produzimos cabos elétricos; o carvão que ainda se usa (talvez em demasia) na indústria pesada de países em desenvolvimento.

As startups roubaram o lugar de destaque a grandes empresas que produzem e exportam cereais; fizeram sair do brilho os grandes grupos que fazem crescer milho, soja, trigo, mas também verduras, legumes e frutas. E quando lemos algo mais agrícola, são muitas vezes agrotechs (os visionários da aplicação das novas tecnologias ao setor) ou “histórias fofinhas” do homem de negócios que largou a posição de trader na City para plantar mirtilos ou da executiva da banca que atirou tudo às malvas “porque já não conseguia respirar na cidade”.

Portugal não é uma exceção neste cenário de abandono da agricultura. Em 1960, o Valor Acrescentado Bruto do setor da Agricultura e Pescas em Portugal contribuía com 21,6% para o PIB nacional. Ou seja, representava um quinto da criação de riqueza em Portugal. Há dois anos, em 2023, este rácio tinha encolhido quase dez vezes, fixando-se nos 2,4%. Visto assim parece uma má notícia, mas não é tão má como parece.

Na verdade, estes 2,4% representam o travar de uma tendência de descida que não tem parado (com picos de recuperação pontuais) desde 1961. Mais, até evidenciam uma ténue, mas paulatina, subida desde 2007.

Isto é um sinal do triunfo da agricultura de nicho de que falava acima? Talvez tenha algum impacto, mas não decisivo. Acredito, sim, que estamos perante uma evolução muito sustentada de um setor tradicional que soube reinventar-se e que está a captar talento nas universidades portuguesas, algumas delas exímias na Agronomia, Engenharia Agrónoma, Engenharia Florestal e também, claro, na Gestão. Novos decisores com massa cinzenta suficiente para pegar nas mais recentes tecnologias, como os drones ou as câmaras térmicas, e transformá-las em novas técnicas agrícolas; para usar a IA e os supercomputadores para projetar janelas ótimas para plantar e colher, ou para antecipar flutuações de temperatura potencialmente catastróficas.

Em suma, um setor que está a mudar por dentro, e sobretudo a tomar decisões mais sensatas do que nos anos loucos de 1990’s, quando os fundos comunitários eram torrados em carros de luxo ou quase inúteis (mas lucrativas) plantações de girassóis. Os números indicam que o setor está a contribuir cada vez mais para o PIB e isso só pode ser um bom sinal.

Portugal tem condições únicas para a agricultura: água; um clima moderado na maior parte do ano e terreno capaz de albergar culturas de oliveira ou vinha como poucos. Já o escrevi neste espaço antes: “As grandes batalhas do futuro serão pela água.” E mais cedo do que pensamos.

O nosso país (ainda) tem imensa água. Podem estar mal distribuídas e com fracos canais de distribuição, mas Portugal tem enormes reservas hídricas e uma costa que está “a pedir” por centrais de dessalinização da água do mar.

Quanto ao azeite e ao vinho são hoje dos maiores embaixadores da marca Portugal em todo o Mundo.

Como diz Luís Mira, o secretário-geral da CAP, na entrevista que publicamos neste caderno, o que falta é uma estratégia pública capaz de ajudar o setor a dar mais um salto. Com 30 governos e 2250 governantes nos últimos 50 anos torna-se difícil. Mas não impossível.

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