O orçamento tranquilo

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O antigo selecionador nacional e treinador do Sporting, Paulo Bento, dizia com frequência que gostava de trabalhar com tranquilidade. Tanto repetiu a frase que os Gato Fedorento lhe apanharam a muleta verbal e a partir dela fizeram um sketch hilariante (https://www.youtube.com/watch?v=bHTpr2mKtUo). A verdade é que, no futebol como na vida em geral, a tranquilidade é um estado de espírito virtuoso. Mais ainda quando se trata de uma atividade tendencialmente frenética, como a política.

Serve isto para sublinhar que é reconfortante ver tanta tranquilidade na discussão do próximo Orçamento do Estado (OE26). Sem embargo do saudável escrutínio e debate político, considero ser um sinal de maturidade democrática não dramatizar as propostas orçamentais apenas por razões performativas. O Orçamento tende a fomentar rituais de contestação, muitas vezes empolados por assuntos que nada têm que ver com as contas do Estado.

Bem sei que a discussão do OE26 decorre em circunstâncias muito particulares. A Oposição não está em condições de levantar grandes ondas, depois das eleições autárquicas terem reforçado o capital político da AD. Acresce que, com eleições presidenciais daqui a três meses e sendo impossível dissolver o Parlamento, ninguém parece interessado em provocar uma crise política. Por fim, o próprio Governo esvaziou o Orçamento de medidas com algum melindre, como a nova lei laboral.

Não obstante, é salutar poder discutir o OE26 sem o ruído de fundo da chicana política. Com esta tranquilidade, ganham os cidadãos e as empresas, que veem assuntos do seu interesse serem debatidos de forma mais clarividente e menos demagógica. Espero que os próximos dias de debate orçamental confirmem a acalmia política, pois um ambiente sereno convém a uma reflexão profunda sobre a proposta governamental. É que, apesar de não ter exaltado os ânimos, o OE26 é suscetível de crítica pelo que propõe e, sobretudo, pelo que não propõe.

Em material fiscal, é de saudar a continuação do esforço do Governo para reduzir a tributação sobre o trabalho. Embora verifiquemos uma erosão dos salários líquidos. Com efeito, a atualização de escalões de rendimento da tabela de IRS em 3,51% em 2026 é abaixo do necessário para assegurar a neutralidade fiscal. Até junho, em termos homólogos, os salários estavam a crescer acima dos 7,0%. Para as empresas, o Governo aprovou, fora do Orçamento, uma descida gradual da taxa nominal de IRC: redução para 19%, 18% e 17% em 2026, 2027 e 2028, respetivamente.

Continuam a faltar, dentro ou fora do Orçamento, medidas que promovam a competitividade fiscal da nossa economia. Designadamente, a redução ou mesmo

eliminação da taxa de derrama estadual, que penaliza fortemente as grandes empresas. Ou seja, este escalão de empresas que já pagam grande parte do IRC e que, além disso, são quem mais cria valor, emprego e inovação. Também seria pertinente um decréscimo das taxas de tributação autónoma do IRC, de forma a suavizar os custos de contexto das empresas.

Para o que resta de 2025 e para 2026, as empresa esperam novos incentivos à inovação e competitividade, o reforço dos instrumentos públicos de financiamento, a reforma da legislação laboral e, claro, o aprofundamento da reforma do Estado. Neste último ponto, importa que a reorganização da Administração Pública liberte recursos para economia, diminua a burocracia, promova a eficiência dos serviços públicos e dê maior transparência processual, racionalidade económica e capacidade de investimento ao Estado. Tudo isto serviria de tónico a uma economia que, por força da conjuntura internacional e de fragilidades próprias, precisa, lá está, de dar tranquilidade às empresas.

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