A corrida global aos semicondutores tornou-se uma das batalhas económicas e tecnológicas mais estratégicas do momento. A pandemia expôs a fragilidade das cadeias de abastecimento, paralisando setores inteiros e gerando uma nova dinâmica geopolítica em torno dos chips. E a procura para a IA fez o resto. Em resposta, a União Europeia traçou um plano ambicioso, através do Chips Act, que entrou em vigor em setembro de 2023. Objetivo: duplicar a produção no espaço europeu até 2030, reduzindo a dependência externa.Neste cenário, onde se posiciona Portugal? Não ficou à margem desta transformação global, bem pelo contrário: foi o primeiro estado-membro a apresentar uma Estratégia Nacional para os Semicondutores, aprovada em dezembro de 2023. Em teoria, este passo coloca o país na linha da frente para captar investimento e talento, num setor que poderá valer mais de um trilião de dólares até ao final da década.Mas será esta estratégia suficiente para fazer de Portugal um player relevante nesta indústria? E, mais importante, conseguiremos executá-la a tempo de aproveitar esta janela de oportunidade?O ecossistema nacional conta com um núcleo empresarial significativo. Temos cerca de 20 empresas ligadas aos semicondutores, concentradas em Lisboa, Setúbal, Porto e Aveiro, que operam sobretudo no design de circuitos integrados e no encapsulamento avançado. Este cluster emergiu de mais de 30 anos de experiência em microeletrónica, impulsionado pela formação académica de excelência, startups de impacto global e centros de investigação de referência internacional.Contamos com cerca de 600 profissionais altamente qualificados, evidenciando um talento especializado que pode ser ampliado. Mas a escassez de recursos humanos continua a ser um dos maiores entraves à competitividade da indústria. Por isso, um dos pilares centrais da Estratégia Nacional passa pelo reforço da formação e qualificação, para triplicar o número de engenheiros especializados nos próximos anos, garantindo uma resposta eficaz às necessidades do setor.No campo industrial, Portugal quer aproveitar a sua experiência em design de circuitos integrados e encapsulamento avançado. O país pode tornar-se uma referência no desenvolvimento de chips personalizados e em processos de backend, como montagem e teste de semicondutores. Há ainda um forte investimento em linhas-piloto para tecnologias emergentes, como a fotónica integrada e a eletrónica flexível, áreas onde o país pode criar vantagens competitivas a nível europeu.A estratégia portuguesa complementa os esforços europeus, focando-se em nichos específicos para apoiar a produção em larga escala, de países como Alemanha, França e Espanha. E a liderança de Elvira Fortunato neste processo foi determinante já que, com um percurso notável na área da microeletrónica, a ex-ministra da Ciência ajudou a traçar um plano que combina investigação, inovação e desenvolvimento industrial.Com um compromisso de investimento público inicial de 121 milhões de euros, que poderá ser reforçado com fundos europeus, Portugal tem aqui uma oportunidade única para se afirmar num setor crucial para a economia digital. Se for bem implementada, a Estratégia Nacional para os Semicondutores pode tornar o país num hub de inovação e tecnologia, gerando empregos altamente qualificados e contribuindo para a autonomia digital da Europa. O desafio é agora conseguir passar do papel para a realidade, fazendo do um protagonista de um setor que já está a moldar a economia global.