O cabaz de bens essenciais acompanhado pela DECO junta cerca de 40 produtos, desde hortícolas a laticínios e custa, atualmente, €241,97. São mais €54,27 (ou 28,7%) do que em janeiro de 2022, quando a associação de defesa do consumidor começou a acompanhar a sua evolução. No último ano, o aumento foi de 6%.As rendas de casa, por seu lado, estão 4,1% mais caras do que no ano passado, e isto na média nacional – porque se formos a algumas cidades como Lisboa e Porto, sabemos que os aumentos são muito superiores. No mesmo sentido, o preço das casas que estão no mercado para serem compradas aumentou 7,6%. Já os salários médios, em Portugal, cresceram menos de 3% entre o ano passado e este ano, quando olhamos para a sua evolução ajustada à inflação.Não sei se está, caro leitor, a perceber onde quero chegar com estas contas fáceis – aquilo a que chamamos comummente de contas de merceeiro. O que quero dizer é que tudo aquilo que são considerados bens essenciais – alimentos, habitação... - estão mais caros e estão a deixar os portugueses em maus lençóis. Porque é que reforço esta mensagem, sobre a qual já escrevi na semana passada? Porque estamos quase a voltar novamente às urnas, desta vez para escolher os nossos governantes locais, e parece-me que é boa ideia lembrar quais devem ser as nossas prioridades – e ver se elas têm respaldo nos programas eleitorais que nos colocam à frente. Há umas semanas, uma pessoa que, desde há pouco tempo, está ligada à política local, contava-me uma história muito curiosa: muitas regiões fora das grandes áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto debatem-se atualmente com falta de médicos e enfermeiros, por exemplo. Com as decisões centralizadas no Ministério da Saúde, as autarquias têm pouca margem de manobra para conquistar equipas que sirvam as suas necessidades, mas enquanto fazia telefonemas para vilas ou cidades do interior onde há vários casos de sucesso, percebeu algo simples: é possível atrair os profissionais certos se se derem os benefícios certos (e possíveis): primeiro, é preciso trabalhar em conjunto com as autarquias vizinhas para ganhar escala e poder contornar a confusão que são os concursos públicos e as tabelas salariais em que não é possível mexer - “os médicos preferem estar integrados numa equipa, mesmo que tenham de ir a dois centros de saúde” (a isto se chama humanidade); depois, coisas simples como oferecer habitação a renda acessível e vagas nas escolas públicas são grandes chamarizes de novos profissionais”.E há interesse, perguntei? Claro!, responderam-me: sobretudo porque sair dos grandes centros urbanos permite sonhar com uma série de coisas que passaram a ser impossíveis em Lisboa ou no Porto: ter uma casa decente a um preço comportável, constituir família, ter acesso a escolas públicas desde o infantário e não precisar de vender um orgão vital de cada vez que se quer ir almoçar ou jantar fora. Claro que a isto acresce o tempo que não se perde no caos das grandes cidades, que por norma se transforma também em gastos elevados em combustível, estacionamento e afins.Quando falamos de descentralização, num país do tamanho do nosso, não precisamos de inventar a roda. Na verdade, só precisamos de políticas locais efetivas que sirvam os interesses específicos de cada população, garantindo que se consegue agregar valor ao que já existe, com pessoas que também têm vontade de sair dos meios mais urbanizados. As eleições que temos à porta voltam a ser uma boa oportunidade de vermos mudanças importantes no território, muitas delas fundamentais para evitar tragédias como incêndios de proporções dantescas – território ocupado é território bem cuidado; ausências de cuidados de saúde básico – mais gente a fazer pressão obriga a mais respostas de quem manda; desertificação; abandono, envelhecimento, deterioração do património... enfim.Quando a DECO fala num aumento de 40% no preço de um molho de brócolos, está a mostrar problemas muito mais estruturais do que apenas o aumento concreto deste legume. Está a falar de um país que não sabe bem para que lado se há-de virar para conseguir encontrar alguma serenidade ao fim de quase 30 anos de crise(s).