A companhia aérea low-cost anunciou, esta quinta-feira, que vai deixar de voar para os Açores a partir de março de 2026, porque as taxas aeroportuárias são muito elevadas. O comunicado foi enviado enquanto decorrem negociações entre a empresa e o Governo regional, e os responsáveis nacionais já se manifestaram, afirmando que “não é motivo, neste momento, de real preocupação”. Isto porque A Ryanair é conhecida por utilizar este tipo de anúncios para tentar pressionar as entidades envolvidas nos processos negociais, tal como já aconteceu com Espanha – onde a empresa decidiu cortar várias rotas para ilhas periféricas. Agora a Ryanair ameaça suspender toda a atividade para o arquipélago dos Açores, apesar de a ANA não ter previsto qualquer aumento das taxas aeroportuárias para 2026, apesar de “as taxas aeroportuárias em vigor nos Açores” serem “as mais baixas da rede”, afirmaram responsáveis da companhia em reação ao comunicado da Ryanair.O assunto ainda fará correr muita tinta, se se repetir aquela que é a forma de atuação da Ryanair ao longo dos anos, pelo que ainda será cedo para tirar conclusões. Mas pode dar-nos o mote para uma reflexão sobre o Turismo na região e sobre a forma como o temos feito crescer.Vamos a números: desde o início deste século, o arquipélago assistiu a uma profunda transformação do setor do Turismo. Entre 2001 e 2024, o número total de hóspedes aumentou de forma significativa: passou de 237 mil para 769 mil ao ano, mais do que triplicando. O número de dormidas cresceu ainda mais, passando de 725 mil em 2001 para 2,2 milhões em 2024. Os dados são do Serviço Regional de Estatística dos Açores (SREA) e estão disponíveis para consulta pública. Isto significa que, no acumulado desses 23 anos, o arquipélago recebeu quase 10 milhões de hóspedes, que geraram mais de 30 milhões de dormidas.Sem surpresas, o maior crescimento foi registado na ilha de São Miguel – o que tem também levado a muitas disputas internas, com os responsáveis de outras ilhas a pedir uma ação mais musculada do governo regional para facilitar os stop-over e ajudar a que o arquipélago possa, mais equitativamente, beneficiar da presença dos turistas – mas ilhas como a Terceira, o Faial, o Pico ou Santa Maria acompanharam esta evolução de forma significativa, mostram os mesmos dados.A chegada de cada vez mais turistas tem-se refletido também no aumento dos preços do imobiliário e dos serviços em todas estas ilhas – no Pico, a inflação tem sido impressionante sobretudo desde a pandemia, quando muitos empresários se voltaram para os Açores em busca de opções mais afastadas dos centros urbanos. Naturalmente, o desenvolvimento do Turismo refletiu-se numa melhoria generalizada de condições para grande parte da população, com a criação de postos de trabalho e com reflexos diretos naquilo que é a receita para o arquipélago. No entanto, a gentrificação acabou por chegar também ao território ainda praticamente intocado das ilhas mais ocidentais da Europa, o que tem aumentado as desigualdades em alguns dos territórios – veja-se o caso de Rabo de Peixe, que continua a ser uma das regiões mais pobres do nosso país, ainda que São Miguel esteja tão mais cheia de turistas.A discussão que tem grassado pela Europa – e sobre a qual já escrevemos aqui no Dinheiro Vivo – prende-se atualmente com o facto de as populações sentirem os efeitos da sobrelotação dos espaços.Este ano, milhares de pessoas já saíram à rua em muitas cidades para protestar contra o excesso de Turismo e consequente degradação das condições de vida dos locais – por cá, as manifestações de Barcelona foram amplamente divulgadas – e alguns Governos decidiram tomar medidas [tímidas]. Passam, sobretudo, pela revogação de licenças de alojamento local (Barcelona) ou pela instituição de regras que permitem que apenas sejam alugadas, nessas condições, 90 noites por ano (Londres e Paris). Mas, sem surpresa, escrevia a Bloomberg recentemente, estas medidas carecem depois de fiscalização e têm, portanto, tido resultados praticamente nulos.Nos Açores, acresce o facto de muitas das ilhas serem património protegido, e de uma tal dimensão em termos de beleza natural, que muitos receiam que aquilo que os torna especial – a natureza em estado bruto, a pouca lotação e a exclusividade relativa – esteja a desaparecer, tal como aconteceu com a Madeira.E é sobre a procura equilíbrio, que também se tem tentado atingir em Lisboa e no Porto, sobretudo, que podemos aproveitar para pensar enquanto a Ryanair ameaça retirar turistas [low-cost] a um dos nossos maiores tesouros. Será que é assim tão mau? Ou será que podemos pensar noutra perspectiva?E que tal se Portugal fizesse dos Açores o seu destino exclusivo, preferindo turismo de qualidade ao invés de quantidade, e garantindo que o impacto financeiro da atividade tem efetivo retorno para as populações locais, afiançando lugar para o talento que preferia não ter de sair do território em busca de melhores condições e diversificando a atividade para que o crescimento seja sustentado e constante?