Portugal vive uma crise habitacional profunda. A escassez de habitação acessível, o aumento dos preços e a lentidão dos processos urbanísticos têm gerado descontentamento e fortes críticas e a própria Comissão Europeia pediu esta semana uma solução concreta até à primavera do próximo ano.Algumas tentativas de resolver o problema têm sido feitas, mas sem lograr os resultados de que o país precisa. Entre elas, está o chamado Simplex Urbanístico, cujo objetivo sempre foi desburocratizar e acelerar os licenciamentos. No entanto, o que era para ser uma solução transformadora tem estado, paradoxalmente, a gerar mais confusão do que clareza.Só nos primeiros seis meses do ano passado, registou-se uma quebra significativa nos licenciamentos: menos 1.713 casas autorizadas face ao mesmo período do ano anterior. O motivo? Em parte, a implementação atribulada do Simplex, que travou processos em curso e deixou técnicos e requerentes num limbo interpretativo.O Simplex, na sua essência, visa eliminar licenças e autorizações redundantes, transferindo o controlo urbanístico de uma fase prévia para uma fase concomitante ou sucessiva. A ideia é libertar os municípios de tarefas burocráticas e acelerar a resposta ao mercado. A transição para novos procedimentos gerou dúvidas nas câmaras municipais, CCDRs, APA e outras entidades reguladoras. A falta de uniformização de critérios tem travado mais do que desbloqueado.Ou seja, na prática, o que deveria ser simples tornou-se verdadeiramente complicado.A resistência à mudança já é algo natural num processo de mudança tão radical, juntando isso à falta de recursos do lado torna difícil a aplicação prática das novas regras. Existem várias situações em que o Simplex não está a ser aplicado, talvez a mais gritante seja a dispensa da licença de utilização, por exemplo, que colide com exigências dos bancos, que continuam a pedir documentos que a lei já não exige, criando um paradoxo entre legalidade e viabilidade financeira. Para além disso continuamos a receber pedidos que já não são legalmente exigíveis, mas que entregamos para evitar conflitos com os serviços municipais.A prometida Plataforma Eletrónica dos Procedimentos Urbanísticos, que só será obrigatória em 2026, ainda não está operacional. Até lá, os técnicos continuam a navegar num mar de plataformas municipais todas diferentes. E o novo Código da Construção, que trará uniformidade, também só está previsto para 2026, pelo que continuamos na expetativa de ver o bom retorno do Simplex Urbanístico ao fim de um ano e meio de aplicação da legislação.O resultado é um sector preso entre a intenção e a execução. A simplificação legislativa, sem o devido suporte técnico, formativo e digital, transforma-se num entrave. O Simplex tinha tudo para ser um marco na modernização do urbanismo em Portugal. Mas, sem uma implementação eficaz, corre o risco de ser apenas mais uma boa ideia mal-executada. A concretização da plataforma digital e do novo código da construção, aliada a um esforço conjunto para harmonizar interpretações, práticas e exigências, representa a principal esperança para que o Simplex cumpra finalmente a sua promessa.Até lá, o setor continuará a viver entre o desejo de simplificar e a realidade de um sistema que, ironicamente, se tornou ainda mais complexo.