“Sou do Benfica e isso me envaidece”

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“Sou do Benfica e isso me envaidece”. É assim que começa o hino do Sport Lisboa e Benfica - e nada é mais verdadeiro quando falamos de paixão desportiva. Mas quando o tema é proteção de dados pessoais, o orgulho dá lugar à preocupação: o Benfica ainda não está a jogar ao nível que a lei exige.

O tema surgiu com os alegados contactos de uma lista candidata às eleições para apelar ao voto, usando dados dos sócios na primeira volta das eleições. Foi então noticiado que o Benfica teria apresentado queixa à Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD). A minha primeira reação foi simples: pode um clube - uma pessoa coletiva - apresentar queixa por violação de dados pessoais, quando não é titular de dados pessoais? Estou seguro de que não. Só o titular dos dados pessoais - o sócio - tem legitimidade para tal.

A perplexidade aumentou quando, no debate eleitoral, o atual presidente Rui Costa afirmou que o Benfica tinha a “obrigação legal de comunicar a situação à CNPD em 72 horas”. Defendeu a ideia como básica e evidente. Mas tal só seria verdade se estivéssemos perante uma fuga de dados pessoais, isto é, uma violação de segurança que expõe os dados pessoais dos sócios de forma indevida. O que não parece ter acontecido.

O que está em causa não é uma fuga de dados pessoais, resultante de um qualquer ciberataque, mas um uso ilícito dos dados por uma lista concorrente - uma realidade juridicamente sobejamente diferente.

Apenas a fuga de dados pessoais obriga à notificação da CNPD. Um potencial uso indevido, não.

No segundo caso, a lei é clara: quem tem o direito de queixa é o sócio cujos dados pessoais (número de telemóvel, e-mail, morada, nome, etc...) foram usados fora da finalidade para que foram recolhidos.

Se o Benfica não é vítima - é responsável pelo tratamento – de nada se poderia queixar.

Ao agir como se estivesse perante uma fuga de dados, a atual direção não só assumiu um incumprimento inexistente, como transferiu para o próprio clube uma responsabilidade que deveria recair sobre quem alegadamente utilizou os dados de forma indevida – sendo certo que não se percebeu quem foi ou de que forma o fez. Mas pior, ao comunicar como comunicou e ao tratar o tema como tratou, a atual direção abriu a porta a sanções contra o próprio Benfica, que só existiriam se tivesse ocorrido, de facto, uma violação de segurança dos sistemas de informação.

Entre assumir um erro que não cometeu e ignorar o erro que deveria denunciar, o Benfica fez o pior dos caminhos: transformou uma infração de terceiros num problema interno de segurança informática.

Fora dos campos as papoilas vibram menos e saltitam para erros inadmissíveis de gestão.

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