Uma economia “doce como um pastel de nata”. Mas quem fica com o açúcar?

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No dia 7 de dezembro, Portugal fez notícias em vários meios internacionais porque a revista The Economist destacou o país como sendo a economia com melhor desempenho em 2025, entre 36 países maioritariamente desenvolvidos. A combinação de crescimento do PIB acima da média europeia, inflação controlada e valorização do mercado acionista nacional garantiu-nos o lugar cimeiro no pódio.

O primeiro-ministro congratulou-se, os candidatos à presidência da República congratularam-se, o setor do Turismo congratulou-se, muitos comentadores congratularam-se… seria um ótimo presente de Natal, não fosse não ser para todos. Sem estranheza, o comum mortal que habita neste país perguntou que economia é esta.

É preciso dizer, antes de mais, que os dados estão corretos: o crescimento está acelerado, os preços estão estabilizados, estamos praticamente em pleno emprego, o turismo continua a impulsionar a economia – muito por conta do indicador ‘exportação’, o investimento estrangeiro tem dado fôlego a alguns setores.

Mas há outros dados que também estão corretos: cerca de 2,1 milhões de pessoas continuam em situação de pobreza (uma em cada cinco pessoas) e, entre os idosos, 22,3% dos reformados encontra-se em risco de pobreza ou exclusão social, segundo os dados mais recentes da Rede Europeia Anti-Pobreza.

Quando olhamos para a pobreza extrema, o sobrolho deve continuar franzido: 10,4% da população residente está nesta situação desde 2023: uma em cada dez famílias vive com menos de 300 euros por mês. E o número de pessoas em situação de sem-abrigo em Portugal aumentou em 1.348, para 14.476, entre 2023 e 2024.

Mas há mais: em 2023, havia em Portugal 9.2% de trabalhadores pobres, quase o dobro do objetivo traçado na Estratégia Nacional de Combate à Pobreza, fixado em 5%. Ou seja, mesmo com uma elevada participação no mercado de trabalho, uma família pode viver numa situação de pobreza.

Podemos ainda olhar para o que se passa na saúde – onde o SNS tem urgências fechadas, tempos de espera alargados e falhas nos serviços quando milhões de pessoas não tem alternativa; e os privados aumentam os preços, tal como as seguradoras que vendem seguros de saúde.

E temos ainda os recentes cálculos da Comissão Europeia, que revelam que os preços da habitação em Portugal estão sobrevalorizados em 25% e o rácio preços-rendimentos das famílias está mais de 20% acima dos níveis de há uma década.

Contas feitas, e o pastel de Nata de que fala a The Economist tem bastante menos açúcar para grande parte dos portugueses. Porque enquanto os indicadores dão munições aos governantes para manter as políticas que nos colocam nos escaparates internacionais, a verdade é que o cidadão comum tem sentido a vida mais difícil, mais cara e mais incerta.

Neste tempo que nos resta até ao final de 2025, talvez seja bom aproveitar para pensar seriamente sobre isto: preferimos ter a capa da The Economist ou ter um país mais industrializado, mais produtivo, mais rico e menos desigual?

Olhemos com esperança para 2026, caro leitor, na certeza de que somente todos juntos a remar para o mesmo lado conseguiremos chegar ao pote de ouro no fim do arco-íris.  E que não percamos o alento, porque é ele que nos fará ter um ano melhor do que este que agora deixamos para trás!

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