Reforçar a coesão e colaboração entre as várias escolas é a missão primeira de Paulo Pereira, o novo reitor da Universidade Nova de Lisboa, que vai integrar o ISPA e o Instituto de Hotelaria e Turismo do Estoril. Investigador coordenador na NOVA Medical School, liderava até aqui o grupo de investigação sobre doenças degenerativas da retina. Sobre a extinção da Fundação para a Ciência e Tecnologia, de que foi vice-presidente, o reitor critica o Governo por não ter discutido previamente com a comunidade e aguarda uma reunião de esclarecimento. Mas elogia o novo quadro legal para o setor e considera que as propinas não são um entrave ao acesso, mas sim as condições sociais e de alojamento. . Qual é o seu maior desafio enquanto reitor da Universidade Nova de Lisboa?Nós somos já uma grande universidade e bons de muitas maneiras, na abertura à comunidade nacional e internacional, mas precisamos de melhorar a nossa coesão interna e o sentido de participação da nossa comunidade, o que está também ligado à governação da universidade. Por isso é que o mote do meu mandato é juntar as pessoas em torno de projetos comuns, para que não sejamos uma federação de escolas, mas uma verdadeira universidade com sentido de missão partilhado.É necessária maior multidisciplinaridade na abordagem das questões do nosso tempo?É tudo, é a cultura de participação, de identidade da universidade, que, por ser mais nova, evoluiu de modo diferente, juntando progressivamente novas escolas em polos distantes entre si. Isso às vezes contribui para um isolamento e falta de um sentido global de pertença que se pode traduzir em falta de colaboração . Precisamos de ter mais colaborações interdisciplinares, porque os problemas que temos para resolver são complexos.Porque a Nova não é uma ilha, quais são os maiores desafios do sistema de Ensino Superior, o que é preciso melhorar?Já estão em curso algumas reformas que podem contribuir para melhorar o ensino superior e de ciência em Portugal, como o novo Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (do atual governo), que vai organizar as instituições públicas, privadas e os politécnicos. É preciso identificar uma missão clara para os diferentes participantes neste sistema, porque temos coisas muito distintas: universidades de dimensão e com missões diferentes, temos institutos politécnicos, temos escolas públicas e privadas e, portanto, este diploma legal vai ajudar a organizar o sistema, o que é absolutamente essencial. E encontrar missões específicas para os diferentes participantes. Nas unidades de investigação então, temos muitas vezes mesmo, muitos participantes e com missões até sobrepostas e redundantes. Há uma grande redundância na missão das escolas.O diploma já está em vigor?Não, está em fase adiantada, mas ainda não está em vigor.E como vê a questão do financiamento? O descongelamento das propinas vai ajudar?O tema das propinas, na minha opinião, não é uma grande questão. É um aumento que eu acho completamente irrelevante. Na verdade, o principal obstáculo à equidade no ensino superior não é o valor das propinas, mas o do alojamento e das condições de vida para aceder a alojamento condigno. Claro que o financiamento podia ser superior, nós em Portugal estamos abaixo do financiamento médio da OCDE, portanto, era bom termos um orçamento maior para ser distribuído pelas universidades. Mas também há algumas alterações importantes que já foram iniciadas, e a nova lei, com a nova fórmula de distribuição do financiamento para as instituições, foi revista em 2024 e já tem algumas alterações importantes, porque não conta apenas o número de estudantes, e passa a contemplar também uma parcela associada a alguns indicadores de produtividade das instituições.A comunidade académica já chegou a conclusões mais sustentadas sobre as razões da quebra no número de alunos inscritos este ano? A Nova também a sentiu?Não sentimos essa quebra de forma tão expressiva como noutras instituições. Está prevista uma reunião do Conselho de Reitores para analisar esse problema para se compreender um pouco melhor as razões, que podem ir das alterações aos testes de acesso, ao modelo de acesso ou às causas sociais.E se calhar também há uma parcela crescente de alunos que vai para o ensino profissional, que está a aumentar ou não?Talvez. Não conheço os números, porém acho que não é uma coisa má.A Nova vai integrar novas instituições, o ISPA (Instituto Superior de Psicologia Aplicada) e o Instituto de Hotelaria e Turismo do Estoril. Há mais alguma novidade na calha?A Nova é uma universidade recente, com 50 anos, que tem vindo a crescer e esse processo ainda não terminou, por isso integramos agora duas escolas que vêm complementar a nossa oferta formativa e em investigação. No próximo ano, os estudantes dessas escolas já se vão matricular na Nova e pagarão os valores das propinas de uma universidade pública.Há mais alguma área que a universidade deveria integrar que ainda não tem ou onde deva desinvestir por falta de procura?Pois, é uma excelente pergunta e nós precisamos de saber, eu não sei, porque nós para tomar essas decisões precisamos de dados fiáveis e precisamos de fazer um estudo, temos de olhar internamente para isto e decidir que tipo de estratégia de crescimento queremos? Pode contemplar a criação de novos cursos, a incorporação de outras escolas que tenham interesse em juntar-se à Nova e que estejam alinhadas com a nossa estratégia e também com os nossos interesses, e podemos também considerar a possibilidade de internamente reforçar algumas áreas.Entendo que em alguns momentos devemos ter algumas bandeiras específicas, ou seja, projetos novos que implementamos durante alguns anos, e depois de estarem consolidados, reforçaremos outros projetos. As universidades não devem parar.Há uma crítica que há muitos anos é feita ao sistema de ensino no geral, que aponta um desajuste sobre os conteúdos académicos e a empregabilidade...Acho que dentro do sistema deve haver escolas que estão mais vocacionadas para responder a essas necessidades do mercado e com formações mais profissionalizantes, como o ensino politécnico, e depois existirão sempre universidades, se quiser, mais globais e baseadas em ciência, que devem ter um conjunto muito mais amplo de áreas e que não devem, na minha opinião, dirigir toda a sua estratégia em função da empregabilidade, não é? Uma das dimensões é formar bons profissionais, mas é, antes de mais, formar bons cidadãos, capazes de participar na vida pública, de tomar decisões, de olhar para o mundo com esperança, mas também com ceticismo, de saber fazer as perguntas certas e duvidar quando é preciso duvidar, portanto eu acho que a Nova é uma universidade assim. A minha ambição com a Nova é ser uma universidade ampla, baseada na investigação. A empregabilidade é um aspeto importante, em algumas áreas e em alguns cursos, mas nós temos uma universidade global que pode fazer por responder às necessidades do mercado, mas acho que o sistema, no seu todo deve contemplar missões mais diferenciadas.Há também quem defenda que, num cenário de poucos recursos, as verbas para a investigação deviam priorizar a investigação aplicada face à fundamental? Qual é o seu pensamento?Tenho uma ideia muito clara e bastante firme. A universidade não pode deixar de investir na investigação fundamental, porque se não for a universidade a investir, a fazer investigação fundamental, quem é que a vai fazer? As empresas querem o lucro. Se queremos aplicar novo conhecimento, antes de mais, precisamos de o produzir e o sítio onde se produz novo conhecimento, que é baseado na curiosidade e não na sua aplicação imediata, é nas universidades. É preparar um stock de conhecimento para o futuro, que depois pode ser mobilizado para responder aos problemas e aos desafios desconhecidos que vamos ter no futuro. Por isso, temos que apostar em todas as áreas da ciência para estarmos preparados.Não há, portanto, uma dicotomia inovação tecnológica versus ciências sociais?Não tenho qualquer dúvida, o excesso de foco e de ênfase na inovação não é uma boa estratégia. Todas fazem falta e acho que precisamos de todas. As ciências sociais e as humanidades ajudam-nos a responder aos desafios da nossa sobrevivência coletiva. Ainda mais agora, no clima de crispação e no mundo incerto que vivemos. Ajudam-nos a navegar as complexidades do mundo e talvez nos permitam evitar formas de populismos.Há um tema polémico em cima da mesa, a extinção da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) e a sua fusão com a Agência de Inovação. Como vê esta mudança e o que é preciso acautelar?Fui vice-presidente da FCT há dez anos e na altura também sentimos a tentação de reestruturar a FCT, porque precisa de ser melhorada. É uma estrutura um bocado anacrónica, com um modelo que não corresponde às necessidades atuais. Na altura até encomendamos um estudo muito interessante sobre isso, que propôs coisas interessantes, mas que também nunca propôs a fusão com a agência de inovação. O que para mim não é claro é que de maneira essa fusão vai ajudar a melhorar o funcionamento da FCT e que estratégia é que isto serve. Acho que o Governo não discutiu previamente com a comunidade e gerou-se um problema de comunicação. Sem saber qual é que é a visão que o governo tem para a organização do sistema científico não conseguimos saber se a estratégia é certa ou errada. Isto para mim falhou um bocadinho. Acredito que o governo tenha uma visão, mas isto não foi comunicado e as pessoas ficam naturalmente ansiosas e inquietas.Vão reunir com o Governo sobre isto?Acho que terá que existir uma reunião, uma discussão, não é? Creio que isso ainda está para promulgação. Também acho importante clarificar como se vai financiar a investigação fundamental. Neste ponto, é justo que se diga que o que o Governo quer fazer, e bem, é financiar a investigação fundamental com verbas do orçamento de Estado e os projetos mais ligados à inovação por via dos fundos estruturais europeus. Isso parece uma opção sensata, porque deixamos de ter um conjunto de regras e condicionantes associadas ao financiamento da investigação fundamental que também nos vão ajudar. Porque às vezes o dinheiro europeu está sujeito a indicadores de produtividade e impacto, etc.Está planeada a construção de uma Nova Medical School em Carcavelos. Qual é o ponto de situação?A mudança de reitor e da direção da Faculdade de Medicina coincidiu no tempo e, portanto, vamos trabalhar em conjunto para negociar uma solução que satisfaça todos. A solução que está mais desenvolvida é levar o ensino para Carcavelos, sendo que a área da investigação ainda não está completamente decidida. Pode passar por ficar tudo na mesma localização ou a investigação ficar mais próxima de outras unidades de investigação e de outras escolas, aproveitando sinergias..Universidade Nova aumenta 1100 camas em residências e cria app para alugar quartos.Universidade Nova lança programa para “atrair investigadores internacionais de excelência”