Com três quintas em cada uma das sub-regiões vitivinícolas do Alto Douro, a quarta geração da família Poças continua a afirmar-se como uma das mais sustentadas – e sustentáveis – da região. A empresa, 100% nas mãos dos descendentes de quem lhe deu vida, tem cerca de 100 hectares de terreno, dos quais 75 ocupados por vinhas.E este ano, a marca decidiu aproveitar mais um momento para celebrar: a chegada, há dez anos, de André Pimentel Barbosa à empresa, deu o mote para o lançamento de quatro novos ‘Fora da Série’, uma gama criada pelo enólogo, em 2019, que no fundo tenta adivinhar aquelas que podem ser as novas formas de os vinhos acomodarem as alterações climáticas, culturais e sociais que inevitavelmente acontecem, conta em conversa com o Diário de Notícias. “Fomos fazendo estudos de vinha, parcelas, para tentarmos encontrar o que achamos que vão ser os novos perfis de vinhos do Douro”. Os vinhos Fora da Série “vão aparecendo assim, com essas oportunidades”, explica, divertido, salientando que 20% a 30% das experiências feitas não são utilizadas. Mas “não tenho pressão para ter Foras da Série”, garante.O lançamento de tantas referências novas perto do final de 2025 aparece, assim, em jeito de celebração do percurso do enólogo que é, desde 2021, o responsável de enologia do protejo. Dez anos depois de ter chegado à Poças, e com experiência acumulada em vários continentes, André admite que “o normal neste tipo de momentos é fazer, na vindima, um vinho mais especial”. Mas, com a sua paixão pelo Vinho do Porto – “Fui para enologia por causa do Vinho do Porto!” – decidiu pegar “em todo o mindset para fazer todos os vinhos destes 10 anos e, como tinha todos os ingredientes para fazer os Fora da Série”, decidiu fazer da celebração um momento ainda mais pessoal.Daí que os consumidores possam estranhar os nomes, mas eles têm explicações simples. Por exemplo, o Fora da Série Uppercut Tinto é inspirado por uma das paixões de André – o boxe. Tal como o golpe que lhe dá nome, o vinho também tem de lidar com o elemento surpresa. “Nenhum combate é igual. Ou está vento, ou calor, ou frio. Posso estar fisicamente mais ou menos predisposto e, tal como no box, o adversário não é sempre o mesmo. Assim, este vinho é uma surpresa que vai evoluindo no nariz e na boca”, explica. Quando fazemos o uppercut, “tentamos que seja um movimento mais discreto, com um impacto muito surpreendente e um final longo”. É o mesmo neste vinho, garante.Já o Fora da Série Dogleg Branco é inspirado no movimento de golfe – outra das paixões de André - e tenta ser um vinho que exige mais tempo para se sentir. “É uma mistura de vários anos, desde 2018 a 2024, que tem a frescura e a tensão dos vinhos mais novos”, com bom potencial de guarda e muita personalidade.Já o Fora da Série Alicante Bouschet surge da vontade de aproveitar a riqueza da região, “que tem muita plasticidade e muito por onde brincar”. Por isso mesmo, André achou que agarrar numa casta tipicamente associada ao Alentejo, mas muito disseminada nas Vinhas Velhas, e experimentá-la no “seu” Douro podia ser divertido. “A própria região do Douro está em mudança e este vinho mostra um perfil mais diferente que mostra uma luz ao fundo do túnel”, que espera André que seja possível “explorar mais”.A Poças decidiu ainda surpreender com uma outra novidade: um vinho espumante, a que chamou Fora da Série Élevé e que, brinca o enólogo, lhe roubou “os poucos cabelos que eu já tinha. Fazia sentido no portefólio e na Fora da Série e é um estilo que não tínhamos. O meu desafio foi criar um vinho de base que tivesse estrutura para ele próprio fazer se elevar – e daí o nome”, explica.Este vinho é um 100% Rabigato que mantém uma frescura significativa e que funciona muito bem com a integração de barrica usada de carvalho francês. Feito através do método tradicional de Champagne, estagiou mais de um ano em barrica e 27 meses em garrafa. O dégorgement foi feito apenas em 2025, e “não fizemos nenhuma correção”, diz, satisfeito.Consumo cai e clientes mudamO consumo mundial de vinho está a cair consistentemente nos últimos anos, tendo ficado em 2024 nos valores mais baixos desde 1961. A penalizar o setor tem estado a alteração de comportamento das novas gerações, cada vez mais afastadas das bebidas alcoólicas – e muito permeáveis a todas as informações veiculadas por especialistas e Organização Mundial de Saúde, que têm endurecido o tom contra o consumo de vinho. Ainda que, simultaneamente, não o façam com outro tipo de bebidas, o que já tem feito subir o tom dos protestos dos produtores e enólogos. Questionado pelo DN sobre como se continua a criar referências neste contexto, André mantém o otimismo e pede que olhemos para a experiência do Vinho do Porto, enquanto professor de tempo e paciência.“Acho que é um momento cíclico e cultural. É preciso ter movimentos novos e tal como aconteceu em outros momentos, alguns vão ficar e outros vão desaparecer. Preocupa-me mais a questão de se estar a tirar o carácter de partilha do vinho. Quase que se perde a função do vinho à mesa”, lamenta. Algo que é particularmente relevante entre os povos mediterrânicos, onde vinho e gastronomia são praticamente indissociáveis. “O que me dá esperança é que as gerações que vem a seguir já gostam mais de partilhar”, adianta.Acho que o vinho vai voltar a ser protagonista, apesar das pressões externas. E é natural esta tendência que já para vinhos menos alcoólicos, mais frescos, mais elegantes, mais versáteis. Porque a comida também tem mudado e os vinhos têm de acompanhar”, reflete este enólogo apaixonado pela cozinha.Responsabiliza, também, os preços praticados na restauração – “são absurdos” – no que ao vinho diz respeito, admitindo que tem um efeito de afastamento junto de clientes e de potenciais clientes.Mas, repete, “o vinho do Porto ensina-nos a ter calma e paciência” e, por isso mesmo, acha que não será difícil inverter esta tendência de decréscimo de consumo. “O vinho tem de reconquistar o momento cultural. O setor tem de reeducar as novas gerações e vender uma experiência. Quando estamos a beber vinhos de há 30 ou 40 anos, isso é uma experiência. Temos de nos lembrar de vender essa experiência única”.E quando lhe pedimos que identifique os principais desafios dos próximos dez anos, tem-nos bastante bem definidos: “A sustentabilidade da vinha e do processo em si. Como se vai conseguir sobreviver com falta de água, calor extremo e consumos elevados?”; logo depois, o facto de “a comunicação do vinho ter de ser mais ligada ao que são os momentos de partilha e alegria. Temos de conseguir vender experiências diferentes sempre associadas a gastronomia e ao enoturismo; e o trabalho de backstage de estarmos atentos ao ressurgimento dessas castas” que vão ajudar a combater as alterações climáticas, e para cuja história se deve olhar para conseguir enfrentar o futuro.Aproveita que falámos destes temas para deixar uma outra reflexão: “Estou curioso para ver como a região vai reagir às alterações culturais e climáticas. Há castas a mostrar potência, e outras que tínhamos como garantidas a cair…claro que o facto de termos presença em três sub-regiões nos ajuda. Mas teremos de continuar a ser espertos e a saber tirar proveito da matéria-prima de excelência. Continuaremos a ter de utilizar comunicação que ressalte essa consistência que temos conseguido na Poças, essa diversidade. E temos de continuar a perceber o que poemos fazer nos nossos processos para nos tornarmos mais sustentáveis, continuando o caminho que temos vindo a fazer”, admite. E quanto às surpresas ou curiosidades da próxima década, também não hesita: acredita que devemos olhar para os espumantes que estão a ser produzidos no Reino Unido, para os vinhos que estão a nascer nos Países Baixos e para as regiões de Bordéus, Borgonha e Champagne, que atravessa desafios significativos graças às alterações climáticas.