Pobretes mas alegretes 

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Gastei centenas de euros em manuais escolares para um dos meus filhos. Um. Em material de EV, foi outra fatia de leão. Fora o resto: borrachas, canetas, cadernos de vários formatos e mais não sei o quê. Tenho outro que precisa dos manuais de Física e de Química e preparava-se para me levar cerca de 120 euros na brincadeira. Copia, disse-lhe eu, agarrada à carteira. Um supermercado deu-me um vale para gastar em material escolar depois de eu ter lá deixado o valor equivalente à venda de um rim em vários carrinhos de subsistência familiar. Guardei aquele vale com a vida apesar de só o poder utilizar depois das aulas começarem.

Tenho, enfim, o azar de morar numa terra onde se demora cerca de duas horas (se tudo correr bem) a percorrer 30 quilómetros em transportes públicos em qualquer direção. Os doentes de lá que tiverem uma consulta marcada no Amadora/Sintra - hospital da zona - para as duas da tarde, saem de casa quase três horas antes, apanham três tipos de transportes e chuva, claro (Sintra). O passe é-me inútil, portanto, resta-me o carro. Dói, cada vez que dou à chave e oiço os dois euros por litro a serem triturados pelos motores. Assim como me estonteia a Euribor, uma espécie de chicotada disparada lá de longe pelo implacável BCE. É nestas alturas que penso nos velhinhos e doentes da minha aldeia que nem carro, nem hipermercado, nem saúde têm e recomponho-me. Vou sempre a 80 km/h porque os radares estão por todo o lado como monstros robóticos ao serviço dos buracos orçamentais.

"Olha, muda de casa para o centro da cidade que deixas de gastar gasóleo, tira os miúdos da escola privada pois na pública pagam-te os manuais, vende o carro. E não te queixes. Fascista." Oiço eu esta vozinha socialista que há décadas tenta deformar o meu juízo e discernimento. Vamos por partes.

O manuais: como fascista que sou, matriculei os meus filhos numa escola privada e como o governo é socialista e democrata, os manuais gratuitos são só para quem matriculou os filhos na escola pública. Um escola privada para este governo é uma excentricidade (tirando o colégio frequentado pelos filhos dos próprios), como um iate. Logo, quem as frequenta é indigno da democracia. Como castigo pagamos através dos impostos a escola pública e os manuais dos outros e, com aquilo que sobra, pagamos a escola privada e os manuais dos nossos.

O gasóleo: aquelas subidas que nos estragam os fim de semana e nos levam aos domingos à bomba encher o depósito, deve-se à fatia escandalosa de impostos. Quem não quer pagar, use o passe gratuito. E agradeça.

A casa: é longe? Use o passe. Não dá? Mude de casa. Não consegue comprar outra? Mude de emprego. Não tem? O PS inventa as moratórias e paga daqui a quatro anos - e só um bocadinho mais. Rasteje.

Os radares: o dinheiro dos manuais e dos passes gratuitos não cai das árvores e os impostos sobre o gasóleo, o IMT e todos os outros não chegam para tudo. Forretas.

O PS vai à frente nas sondagens. O PS dá vouchers nas pousadas, antecipa os subsídios aos reformados, promete devolução das propinas aos lunáticos que não emigrem, aumenta o ordenado mínimo à conta das empresas falidas, oferece o passe e os manuais nas escolas públicas e mantém-se à frente nas sondagens. Cria as moratórias e garante a vitória nas Europeias.

É esquizofrénico: temos um governo que nos empobrece e fragiliza para depois nos escravizar através dos subsídios, das moratórias e dos vouchers. Pelo menos nas ditaduras não se vota nos tiranos que governam: não se escolhe de x em x anos perder a liberdade.

O que nos resta? Os pontos para gasóleo e as migalhas do PS.

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