Por que motivo protestam os agricultores?

Por que motivo protestam os agricultores?
EPA/YOAN VALAT
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Na União Europeia, 16 países enfrentam protestos dos agricultores, um sector acarinhado pela União Europeia, que dedica mais de 50% da sua legislação a essa área, o qual consome cerca de 35% dos fundos europeus e representa apenas 1,1% de tudo o que se produz. A diferença e a magnitude entre esses números explicam, talvez, grande parte da confusão hoje sentida: há uma enorme incapacidade de reformular o setor. Tudo requer autorização e o rendimento é reduzido. Como reformar o sector primário onde há décadas todos os incentivos estão trocados? Afinal, por que protestam os agricultores?

Em 1992, com a reforma MacSherry, o objetivo da PAC foi o de reduzir os preços agrícolas internos aproximando-os dos preços mundiais. Em troca, a política europeia criou/aumentou as ajudas directas aos agricultores. Ao contrário da visão que existia até então, a ideia deixou de ser produção com preços/rendibilidades garantidas – o objetivo passou a ser consumir barato e, implicitamente e de forma não assumida, permitir que os agricultores vivessem e dependessem de apoios. Em Portugal, em 2022, os outros subsídios à produção representaram cerca de 54% do rendimento empresarial líquido dos agricultores – grosso modo, o lucro. Nos dez anos anteriores, o mesmo rácio, grosso modo, ajudas sobre lucros, rondou os 45%.

É impossível um qualquer sector viver com este nível de apoios e dizer que tudo está bem. Em Portugal e na Europa, acreditou-se que seria desta vez diferente, que encher um setor com dinheiro e regulamentações o resultado seria um aumento de produção. Enfim…

Alguns produtores aumentaram as suas produções beneficiando dos subsídios, dos efeitos da escala, outros mudaram o esquema de produção para fugir ao feitiço dos apoios que lhes foi imposto. Outros optaram por culturas mais rentáveis. E há por isso casos de sucesso na Europa e em Portugal que devem ser celebrados. Mas o resultado é fácil de entender: sem pressão do mercado, o rendimento por hectare tem caído nos últimos 30 anos na Europa. E, em Portugal, o valor acrescentado bruto da agricultura representava mais de 5% em 1990, actualmente vale 1,7%.

Desde 2019 tem-se sentido um aumento da ambição ambiental, reduzindo os apoios, mas aumentando as exigências regulamentares e os custos de contexto. De forma pouco clara, começou a surgir uma outra reforma da PAC. Desta vez a ideia era que os consumidores pagassem mais pela sua comida e exigissem mais pelo ambiente. Contudo, a crise económica e a inflação provocou o oposto: uma redução dos produtos agrícolas premium e uma exportação da poluição/produção para outros mercados. A crítica recente ao acordo da União Europeia com o Mercosul, uma das queixas dos agricultores francesas, vai neste sentido: os europeus têm de cumprir algumas regras que os sul-americanos não têm.

Para complicar, o rácio que revelei acima, de ajudas sobre a produção sobre os resultados, em 2023 foi de 23%. Em um ano reduziu-se para metade. E não por qualquer mudança de paradigma. Na nota que acompanha estes números, o INE indica que a principal causa desta redução são atrasos, ineficiência do Estado. Os pagamentos de 2023 serão pagos em 2024.

Por que motivo protestam os agricultores? Por que querem produzir. E querem ser pagos.

Querem alinhar a produção e a rendibilidade, com menos subsídios, com preços livres na produção, menos burocracia e exigências ambientais compatíveis com a produção.

Para Portugal, creio ainda que querem água, aliás, as infraestruturas que permitam aproveitá-la. E um olhar firme sobre os oligopólios na distribuição.

Além de um new green deal é preciso um newfarmdeal.

Filipe Charters de Azevedo é empresário e fundador Data XL, empresa especializada em modelos estatísticos

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