Procura-se: astronauta português para ir à Lua e mais além

Será este o primeiro português a ir à Lua? Agora que vão abrir dia 31 de março as candidaturas a novos astronautas da ESA (agência europeia) - 13 anos depois -, João Lousada parece ser o favorito português, mas há mais dois candidatos e vários interessados.
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É o sonho de muitos, mas que só está ao alcance de alguns e agora há nova oportunidade à espreita para exploradores espaciais. A Agência Espacial Europeia (ESA) vai abrir, 13 anos depois, concurso para recrutar astronautas para futuras missões não só à Estação Espacial Internacional (EEI), mas também para ir à Lua e, daqui a vários anos, a Marte. Aos sete atuais, vão entrar entre quatro a seis astronautas de carreira (a tempo inteiro) e 20 de reserva (para missões ocasionais) - um deles será uma pessoa com deficiência física.

Falámos com seis portugueses sobre o tema, três vão mesmo ser candidatos (um deles parece ter "boas hipóteses"), dois ainda estão a ponderar e um ficou a saber por nós que não é elegível pela idade. Desde logo, a lista de requisitos é extensa (dois mestrados e doutoramento em ciências naturais são valorizados), bem como a lista de dificuldades que vão encontrar no espaço.

"Há perigos envolvidos: têm de se manter calmos sob pressão, altamente motivados e lidar com os efeitos da ausência de gravidade e da radiação no corpo, que vão da redução da densidade dos ossos (seis meses é como 10 anos na Terra), alteração na visão e redução em 40% na capacidade de trabalho". Quem o diz é Jennifer Ngo-Ahn, líder de equipas da ESA, que lembra que a radiação pode "entrar nos fatos espaciais e em casos raros desligar sistemas vitais".

João Lousada, lisboeta de 32 anos (nascido que vive na Alemanha e que desde pequeno, nas visitas à aldeia dos avós, em Bouçã (junto ao rio Zêzere) sonha com a exploração espacial, está "preparado". Desde logo, percebemos na forma como fala que tem já incorporado uma mentalidade de verdadeira pessoa do espaço. Até por lidar diariamente com astronautas que estão no espaço já fala à astronauta, referindo-se sempre às missões em curso e previstas e às recentes descobertas científicas como "nossas" até na perspetiva de "nós, humanidade".

Já com duas missões feitas como astronauta análogo - projetos na Terra que simulam condições da vida noutros planetas - nos glaciares austríacos e no deserto de Omã, prepara-se para em outubro fazer nova missão em Israel (era suposto ser em 2020 mas foi adiada por causa da pandemia).

Para entrar no programa do Fórum Espacial Austríaco (que coordena estas missões análogas) passou por 600 testes individuais e foi selecionado entre 100 candidatos experientes. "Estou pronto e acredito que tenho hipóteses". O objetivo é "concretizar este sonho de participar na exploração espacial e responder a algumas perguntas, como por exemplo, se estamos só no universo ou se já houve vida noutros planetas", admite.

A decisão foi tomada em conjunto com a mulher (também tem um filho), que já está habituada às missões de cinco semanas - se for astronauta da ESA pode ir de seis meses no espaço (na EEI) até dois anos (em possíveis missões em Marte).

CitaçãocitacaoEm 2008 só 11% dos 8 mil candidatos passaram a 'papelada' da primeira fase e houve 211 candidatos portuguesesesquerda

"O João tem mesmo grande potencial pela experiência que tem", dizem-nos dois outros potenciais candidatos ao cargo de astronauta, bem como Bruno Sousa, líder do cluster de Operações de naves na divisão planetária da ESA.

É isso que o português também houve dos seus colegas na Alemanha. Este engenheiro aeroespacial com mestrado no Técnico e cursos em Espanha, Canadá e Alemanha (onde esteve na agência alemã) tornou-se em 2019 no primeiro português diretor de voo do centro de controlo do módulo científico Columbus da Estação Espacial Internacional (EEI), e é lá que todos os dias gere a atividade de astronautas, que confiam nele mesmo para as missões mais complicadas.

Quais são? "Os passeios lunares, que não são bem passeios e onde há vários riscos". O seu conhecimento sobre o trabalho concreto dos astronautas é profundo. "Tiramos informação científica importante que inclui a forma como o corpo humano reage ao espaço, algo que será relevante em missões como a Gateway, pensada para 2024 e que irá colocar uma estação na órbita lunar e levar seres humanos para o mais longe de sempre da Terra", admite.

"Os astronautas na EEI são as nossas mãos no espaço, temos de planear experiências, operações e escolher o horário que eles vão utilizar por lá". O diretor de voo da Columbus explica que enviar astronautas para o espaço é difícil, por isso é preciso otimizar o trabalho, daí que façam testes no centro de Munique, para que quando são feitas no espaço corram bem à primeira.

É dessa experiência que conhece como poucos portugueses os riscos que envolvem missões espaciais. "Nos passeios espaciais há muitos riscos envolvidos, desde detritos que podem comprometer os fatos, aos efeitos da radiação que são mais intensos e nas missões na órbita lunar a radiação terá ainda mais significativos porque não estamos protegidos pela Terra como acontece na EEI, em última análise essa radiação pode provocar cancro, daí há um limite máximo a que os astronautas podem estar expostos a radiação, depois disso deixam de poder fazer missões".

Em 2008 só 11% dos 8 mil candidatos passaram a 'papelada' da primeira fase e, de acordo com a Agência Portuguesa, houve 211 candidatos portugueses (198 homens e 28 mulheres). Há 13 anos ainda não havia a tal Agência Espacial Portugal, agora já há mas Ricardo Conde, o seu presidente, admite que não há influência nacional no processo de recrutamento, ou seja, cidadãos dos 22 países membros da ESA têm hipóteses. Este ano esperam-se mais candidaturas do que as 8 mil de 2008.

A vida de João Lousada, na Alemanha, em conjunto com a mulher e o filho, é "pacata e simpática" e o casal adora estar perto dos Alpes, já que costumam fazer atividades ao ar livre, "como escalada e outros desportos de inverno". Os principais passatempos envolvem mergulho subaquático, escalada, paraquedismo e snowboard. Apesar disso, o próximo destino desejado é mesmo Marte, que estima que comece a ser uma realidade para a humanidade lá para 2030.

(Pode ouvir toda a conversa com João Lousada no podcast Made in Tech aqui:)

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Marta Oliveira, lisboeta de 30 anos, é engenheira aeroespacial e mestre em estudos espaciais, já figurou na lista da Forbes de 30 personalidades na área da ciência com menos de 30 anos, está a terminar curso de piloto, tem curso de mergulho e trabalha desde fevereiro de 2020 na Guiana Francesa, no Porto Espacial Europeu, no laboratório de física do centro francês CNES (já passou pela NASA e pela ESA). "Vou-me candidatar, claro, é uma oportunidade única de realizar um sonho", explica-nos.

Admite que "João Lousada parece o candidato ideal", mas está pronta para tentar a sua sorte e entusiasmada por, se possível, "aprender muito" nos 18 meses de testes e de várias fases do processo (as candidaturas decorrem de 31 de março a 28 de maio). A passagem pela NASA foi "um sonho" num estágio "muito enriquecedor" no laboratório de astroquímica "com testes a equipamentos para ver se resistem ao que vão encontrar na superfície de Vénus": "ajudou-me a traçar o meu caminho com agências espaciais, não só porque foi muito exigente, mas porque deu-me boas bases".

Já se começou a preparar lendo livros sobre os testes que vão ser feitos "no processo de seleção".

(Conversa com Marta Oliveira no podcast Made in Tech:)

Diogo Barardo, de Benavente, tem 30 anos e está a finalizar uma bolsa de doutoramento em bioquímica em Singapura - numa universidade que está em 11ª no ranking universitário mundial -, onde desenvolveu um sistema de inteligência artificial de larga-escala (DrugAge) para automatizar testes de novos farmacêuticos. E vai candidatar-se a astronauta? "Certamente". A única dificuldade, para já, é o de conseguir o certificado médico da aviação de Classe 2 europeu, que provavelmente vai ter de o trazer à Europa para o conseguir.

"Desde pequeno que queria ser cientista e astronauta", admite este solteiro (tal como Marta Oliveira) interessado em biohacking, escalada, literatura científica e escape rooms.

Com os desenvolvimentos na indústria espacial comercial e do progresso científico, tem a convicção "que a melhor maneira de contribuir profissionalmente para o futuro da humanidade é tornar-me astronauta". A ideia passa mesmo por "participar diretamente em avanços científicos espaciais, excitar a nova geração e representar Portugal". Apesar de só 11% dos candidatos, por norma, passarem da primeira fase, está confiante: "no meu caso tenho ambição de ir mais longe".

Ana Pires, cientista do INESC TEC, no Porto, na área da robótica e engenheira geotécnica que sempre se dedicou ao estudo dos mares, ainda está a ponderar se se vai candidatar. Já com o diploma de astronauta para voos suborbitais do programa de investigação apoiado pela NASA; Possum, admite a paixão pelo espaço tem crescido. "Fiz um curso de geologia planetária no deserto do Arizona e voos de micro gravidade no Canadá", explica a cientista que tinha esperança de se tornar astronauta análoga (estava numa equipa de reserva para uma missão no Utah, nos EUA), mas a pandemia parou tudo.

Pedro Caetano é médico aeroespacial (fez um curso na NASA) e coordenador da Unidade de Medicina Aeronáutica na CUF, que passa precisamente os certificados de aviação necessários para a candidatura à ESA. "Só daqui a algumas semanas sei se me candidato ou não", explica. Ainda assim admite que tem recebido muitos pedidos de informação de portugueses para saberem os exames necessários para terem o certificado, apesar disso ainda não há marcações.

Rui Moura é apaixonado pelo espaço, colecionador na área (está a escrever um livro sobre os astronautas), geofísico, piloto e professor da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. Quer-se candidatar, mas ao saber que só aceitam pessoas com menos de 50 anos (tem 52) vê o sonho de uma vida partir. Ainda assim há muito para estudar e está a concluir o curso para piloto de testes, com o objetivo de fazer missões suborbitais.

Outra potencial candidata, com quem não conseguimos falar nem confirmar possível candidatura, pode ser Clara Sousa Silva, astrofísica molecular portuguesa de 33 anos que trabalho no MIT, nos EUA.

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