Regresso às aulas. Escola não é "elevador social" absoluto, o caminho é longo e são precisos apoios

É um grande dia não só para os alunos do segundo e terceiro ciclo, mas também para o pessoal docente e não docente que esta segunda-feira regressa às escolas. Em direto na TSF, os desafios que têm agora pela frente estiveram em debate.
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Os alunos dos 2.º e 3.º ciclos retomam esta segunda-feira as aulas presenciais, no âmbito da segunda fase do plano de desconfinamento do país devido à pandemia. Na escola Dr. Costa Matos, em Vila Nova de Gaia, Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas, Jorge Ascensão, presidente da Confederação das Associações de Pais, e João Dias da Silva, secretário-geral da Federação Nacional de Educação, debatem, numa emissão especial que juntou a TSF ao Jornal de Notícias, ao Diário de Notícias, ao Dinheiro Vivo e ao jornal O Jogo, este novo momento do setor da Educação e o que esperar dos próximos tempos.

O dia 21 de janeiro foi o último dia de aulas presenciais para os 600 mil alunos que retornam esta segunda-feira às escolas. Para Filinto Lima, hoje é "um dia muito importante, é o dia E, da esperança", por outras palavras, "o dia de regressar com esperança de não voltar a confinar". Também Jorge Ascensão e João Dias da Silva frisam essa expectativa, mas os três representantes do setor da Educação colocam a tónica no lado de fora das escolas, porque nos estabelecimentos de ensino a higiene e a segurança serão assegurados.

Jorge Ascensão nota que os alunos estavam muito ansiosos pelo regresso e não se esquece de pedir aos cidadãos que tenham um comportamento que facilite a frequência das aulas presenciais, de forma a minimizar o impacto do ensino à distância. Muitos alunos foram prejudicados em vários setores, como, por exemplo, na prática de exercício físico.

O presidente da Confederação das Associações de Pais apela a que o desconfinamento seja feito, pelos cidadãos, de forma responsável. "Olhamos para a Europa, estamos atentos, e vemos que nem sempre as coisas correm como queremos", vinca o representante da Confap, apelando a um não retorno à "prisão domiciliária" do ensino.

Filinto Lima acrescenta que não é possível considerar que as escolas têm de ser o elevador social absoluto, e que os apoios sociais são uma componente vital da recuperação das famílias. O presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas explica que as desigualdades têm um peso muito grande no acesso à educação, e salienta que é "completamente falso" pensar que a questão se dividia entre alunos que têm computadores e os que não têm.

Há alunos que nem uma secretária têm, ou uma refeição quente ao almoço, ou ambiente adequado à aprendizagem, assinala, num alerta de que é preciso dar condições à aprendizagem. Aliás, lembra Filinto Lima, "daqui a pouco vamos ter um boom de computadores", numa altura em que as autarquias e o Ministério da Educação intensificaram a distribuição.

"O Ministério da Educação está muito preocupado com a recuperação", analisa o representante do coletivo de diretores do ensino público. "Foram muitos dias, muitos meses. Que socialização tiveram eles em casa?"

Enquanto diretor, Filinto Lima não tem dúvidas de que as medidas sanitárias aconselhadas pela DGS serão cumpridas, e refere que, "em tempo útil", foi reforçado o orçamento para oferecer máscaras de proteção aos alunos nas salas de aula.

João Dias da Silva faz referência aos inquéritos relativos à primeira semana de aulas presenciais no pré-escolar e primeiro ciclo, para antecipar um regresso favorável ao segundo e terceiro ciclos de ensino. Ao fim de uma semana de atividade, 58% dos professores do pré-escolar consideraram positivo para os alunos ao regresso às aulas, e 92% dos professores consideraram que alunos se adaptaram bem, com níveis elevados de bem-estar. Os professores do segundo e do terceiro ciclo sentem uma confiança idêntica, preconiza o secretário-geral da Federação Nacional de Educação.

Era essencial o regresso, sem o qual não haverá uma recuperação e desenvolvimento das crianças e dos jovens, diz ainda. Na próxima semana será realizado também um inquérito relativo a estes níveis de ensino que esta segunda-feira recuperam as aulas presenciais. Mas fica também o aviso da FNE: é preciso não esquecer o lado de fora da escola, porque quem sai prejudicado são os nossos alunos.

João Dias da Silva argumenta que é preciso que haja apoios sociais fora da escola, que haja condições de vida dignas, porque
"o trabalho da escola é complementar desse" e não um elevador social absoluto. "Não podemos ter uma noção", remata.

Filinto Lima saúda a criação de um grupo de trabalho de análise e avaliação dos danos causados por um ano de pandemia, uma decisão do Ministério da Educação, que reúne profissionais no terreno.

O responsável que representa os diretores das escolas públicas pede que se recorra à qualidade e não a mais tempo de aulas para a recuperação de aprendizagens não-adquiridas. "Fala-se aí de uma escola de verão, eu não concordo nada", adianta.

Para Filinto Lima, é necessário um crédito horário para contratar mais professores, de forma a implementar medidas de recuperação para a Educação. O presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas acredita que serão as crianças do primeiro ao quarto ano a pagar a maior fatura, já que "estavam a aprender as letras e a aprender a soletrar", e essas competências são difíceis de conseguir à distância.

"Vai demorar algum tempo", admite Filinto Lima, que fala de uma proposta a dois anos para correr atrás do tempo perdido. Para isso, salienta, será fundamental que as conclusões e recomendações cheguem às escolas, sem comprometer a autonomia dos estabelecimentos de ensino para as pôr em prática.

Jorge Ascensão diz que os pais não se sentem representados neste grupo de trabalho, e comenta ser necessário um compromisso entre a escola e a família para conseguir melhores propostas de recuperação. Os pais sentem necessidade de um trabalho maior na área social e da Saúde mental, bem como na pedagógica. "É preciso que todos se sintam envolvidos para que os alunos compreendam que ainda é possível readquirir o gosto pela aprendizagem", aponta.

As crianças que agora regrediram irão ter, ao longo dos próximos anos, oportunidades para recuperar, mas o ensino especial poderá ser mais lesado e necessitará de medidas mais transformadoras e mais inclusivas. "Não é uma tarefa fácil e convoca-nos a todos", fundamenta. Jorge Ascensão também considera de suma importância ouvir os jovens, que também sabem aquilo "de que precisam".

É João Dias da Silva que levanta o problema: é essencial o reforço dos recursos humanos, uma medida que já em setembro deveria ter sido implementada, mas para a qual "não houve uma planificação adequada". O secretário-geral da Federação Nacional de Educação denuncia que no primeiro período houve alunos que não tiveram professores, e avisa que planos "muito bonitos" não resultam se não houver profissionais nas escolas.

Quanto aos grupos de trabalho, são "úteis", mas é necessário não cair em soluções únicas, sinaliza, ao mesmo tempo que esclarece: tem de haver confiança nos educadores que diretamente trabalham com os estudantes. "Na escola, os profissionais conhecem a Maria, a Marta, o Joaquim, o António..."

O recurso a técnicos de outras áreas para formarem equipas multidisciplinares, como psicólogos e assistentes sociais, é também defendido pelo responsável, que vê assim como uma das medidas essenciais o investimento em recursos humanos e tempo para os professores se dedicarem a lecionar, em vez de terem de deslindar trabalhos burocráticos.

Filinto Lima dá conta de que, neste ano letivo, foram contratados três mil professores e 900 técnicos operacionais para escolas, por isso, sublinha, o Governo deve manter a coerência e reforçar estas equipas multidisciplinares. O representante do coletivo de diretores das escolas públicas adianta também ideias para um plano Marshall para a educação: um apoio mais personalizado e individualizado sobretudo ao nível do primeiro ciclo, coadjuvações nas salas de aula, com reforços que devem chegar às escolas.

No entanto, o "denominador comum" tem de ser "os recursos humanos", analisa Filinto Lima. "Estas crianças não têm culpa nenhuma, os adultos é que tiveram culpa." É assim que o presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas exorta a que se pense em soluções para não prejudicar ainda mais os estudantes.

Do lado da barricada que une os pais, Jorge Ascensão defende a importância da autonomia das escolas mas também da sua responsabilidade, e insta o Ministério da Educação e os estabelecimentos de ensino a pôr em prática "a verdadeira autonomia e flexibilização". O representante da Confap dá mesmo exemplos: as turmas não têm de ter todas o mesmo tamanho, o ensino pode ser adaptado e personalizado, sobretudo no ensino secundário. "A pandemia traz esta oportunidade de pensar na possibilidade da flexibilização curricular no secundário", concretiza.

João Dias da Silva admite que é "irrealista" a tentativa de uniformização dos estádios de preparação dos alunos, já que também as suas identidades e objetivos são díspares. "A preocupação de uma uniformização não pode existir, e não existe." O que é necessário é trabalhar de forma diferente com cada estudante, porque todos partem de pontos diferentes. Para isso, será importante recorrer ao conhecimento de outros técnicos, frisa.

Houve uma "acumulação de desaprendizagens", e os desafios "são enormes". Os professores devem ser mobilizados e apoiados, argumenta o responsável. Num ponto, os três representantes do setor da Educação estão de acordo: esta segunda-feira marca um dia de "esperança", mas o caminho para a recuperação será longo.

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