Apenas três convenções coletivas, de entre 169 que foram publicadas em 2020, regularam termos de prestação de teletrabalho, ainda que o tema tenha dominado na discussão das relações laborais do último ano devido à pandemia, que forçou centenas de milhares a trabalhar a partir de casa.
A informação consta do relatório anual sobre a evolução da negociação coletiva em 2020, apresentado nesta sexta-feira pelo Centro de Relações Laborais, e que confirma uma quebra de 30% nas convenções negociadas, de 240 em 2019 para apenas 169 no último ano, de acordo com os dados apresentados.
A "fraca presença das matérias relacionadas com o teletrabalho" foi notada pela ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho, na apresentação, bem como pelos autores do estudo.
Segundo o relatório, houve sete convenções que abordaram os temas do teletrabalho e do dever de desconexão, que comparam com 12 convenções que regulavam as mesmas matérias em 2019.
"Não houve muita atenção da contratação coletiva a estes temas fundamentais das novas relações de trabalho", refletiu Pedro Madeira de Brito, um dos autores do relatório, justificando que em 2020 predominaram acordos de parceiros sociais em sectores pouco adaptáveis ao teletrabalho.
Transportes, com 55 convenções, indústria, com 45, e comércio, 20 convenções, dominaram nas convenções publicadas, representaram 71% do total.
"São atividades que, pela natureza das coisas, não admitem que o teletrabalho seja possível", reconheceu o jurista.
Por outro lado, admite, há a possibilidade de os parceiros sociais estarem a aguardar por estabilização legislativa para perceberam qual será a margem para negociar teletrabalho em convenções.
"Não sabendo qual é a margem que a contratação coletiva vai ter em relação à matéria do teletrabalho, parece razoável que os próprios parceiros sociais não quisessem intervir nessa matéria, desde logo com afirmação de que o contexto normativo seja fator de contração dos parceiros sociais relativamente a regular esta matéria", considerou Madeira de Brito na apresentação.
Num momento em que o teletrabalho se mantém obrigatório nos concelhos de risco "elevado" nos indicadores de transmissão do novo coronavírus, o parlamento tem em mãos dez projetos dos grupos parlamentares para alterar as regras do teletrabalho, com opções divergentes sobre o que deve ficar fixado na lei no que toca às regras de teletrabalho e o que deve ser acordo em negociação coletiva ou individualmente com os trabalhadores. Em particular, valores de compensação aos trabalhadores.
As convenções publicadas no último ano que referem o teletrabalho não divergem muito, nos conteúdos, de outras publicadas em anos anteriores. "São matérias que têm que ver com as condições em que possível atribuir a situação de teletrabalho, as limitações que se impõem ao empregador, e por vezes também verifica-se alguma regulação de aspetos que têm que ver com instrumentos de trabalho, eventuais compensações pela circunstância de estar em teletrabalho, o prazo durante o qual se pode estar em teletrabalho", descreve Pedro Madeira de Brito.
A consulta aos textos acordados permite porém concluir que não há definição de valores de compensação aos trabalhadores. Nalguns casos, ainda, o teletrabalho surge nos instrumentos negociados apenas para remeter condições para negociação individual (caso de um acordo de empresa entre as Águas da Covilhã e o Sintap -Sindicato dos Trabalhadores da Administração Pública e de Entidades com Fins Públicos).
Os acordos de empresa dominaram no ano passado, constituindo 97 das 169 convenções publicadas, tendo sido publicados apenas 61 contratos coletivos (105 em 2029) e 11 acordos coletivos.
Este dado contribuiu para uma forte quebra nos trabalhadores abrangidos pela renovação de convenções, ou por novas convenções, que caiu para metade e ficou ao nível mais baixo desde 2014. Houve 397 638 trabalhadores potencialmente abrangidos pelas novas condições acordadas, contra 792 883 em 2019.
Os trabalhadores com alterações de salário negociadas em convenção também caíram 46%, para 394 277, com a média de aumentos negociados a ficar em 2,3% em termos reais (2,6% sem descontar a inflação), num abrandamento significativo face ao ganho de 3,4% negociado pelos parceiros sociais em 2019.