Sonangol: o foco duplo necessário

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Há duas forças algo contrárias relativamente à estratégia que a Sonangol pode adotar no futuro. A primeira força "cola" a companhia à evolução do preço do petróleo e aponta para a manter como uma empresa estritamente petrolífera. Nessa visão, o que a Sonangol deve fazer é concentrar-se no seu "core business" - petróleo- e aí tornar-se eficiente. Portanto, neste âmbito a reestruturação da Sonangol é focada em alcançar lucros no negócio do petróleo, fazendo investimentos rentáveis na área e aumentando o mais possível, ao mais baixo custo, a produção petrolífera. As medidas essenciais tomadas pelo atual governo com vista ao saneamento da empresa vão nesse sentido. A outra força, de certa maneira oposta, é a da transição energética (a economia verde). Seguindo esta estratégica não deverá haver excessiva dependência da Sonangol face ao petróleo, e a companhia deve tornar-se, tal como acontece com outras empresas, por exemplo, BP, Aramco ou Galp, uma empresa global de energia e não de petróleo.

Ao contrário do que se possa pensar numa análise eurocêntrica, a opção por uma destas estratégias por parte da Sonangol não é óbvia. Muito depende dos mercados a que a Sonangol queria destinar a sua produção e das necessidades de desenvolvimento do país. Se repararmos, a recente subida do preço do petróleo foi essencialmente "puxada" pela renovada apetência petrolífera da China. A verdade é que a China está entre os maiores fatores de oscilação nos preços do petróleo. A China ainda não está num patamar económico que corresponda a um país rico e desenvolvido. Segundo os dados do Banco Mundial, em 2019, o PIB per capita chinês é na ordem dos USD 10.000. Para termo de comparação, Portugal, um dos mais pobres dos países ricos, tem um PIB per capita na mesma data de USD 23.000 e os Estados Unidos estão nos USD 65.000.[1] Países com PIB per capita idêntico ao chinês são a Argentina, Líbano, Bulgária, Cazaquistão, Turquia ou Guiné Equatorial. Facilmente se vê que a China ainda tem um longo caminho para fazer e vai precisar de muita energia, sobretudo petróleo. A procura de petróleo da China quase triplicou nas últimas duas décadas, respondendo em média por um terço do crescimento da procura global de petróleo a cada ano. Pelo que acabámos de expor a China continuará a liderar a procura de petróleo nas próximas décadas.

Na Índia, outro dos grandes países do mundo num processo de crescimento a situação é a seguinte: as relações comerciais entre Angola e a Índia ascendem a 4 mil milhões de dólares dos quais 3,7 milhões correspondem a exportações de Angola para o país asiático, sendo 90% relativas a petróleo. Angola é hoje o terceiro exportador africano mais importante para a Índia, quando em 2005 não tinha relevância. Em 2017, o Embaixador da Índia emitiu um comunicado no qual destacou: "O comércio entre Angola e a Índia aumentou 100% em 2017." O facto a reter é que a Índia se está a tornar um parceiro significativo de Angola por via das suas necessidades de petróleo. Em termos de PIB per capita, a Índia em 2019, andava pelos USD 2000,00. Facilmente se vê que o crescimento que espera a Índia é enorme, mesmo não tendo as ambições de liderança mundial da China, só para chegar o atual nível desta tem de multiplicar o seu PIB por cinco. Obviamente, que tal implica uma necessidade crescente de petróleo. A Índia foi o terceiro maior importador de petróleo bruto do mundo em 2018, e tem uma dependência de importações de petróleo estimada em 82%. O crescimento económico da Índia está intimamente relacionado à sua procura de energia, portanto, a necessidade de petróleo e gás deve crescer ainda mais, tornando o setor bastante propício para investimentos.

Contudo, quer a China quer a Índia são simultaneamente grandes potências nas áreas das energias renováveis. A energia da China está a passar por uma transição sem precedentes. A China comprometeu-se a alimentar o seu desenvolvimento futuro com energia de baixo carbono, integrando mais fontes limpas no sistema de energia. A Índia segue um caminho também ambicioso. Daqui deriva que ambos os países estarão dependentes no futuro quer do petróleo, quer das energias renováveis.

Ainda sobre o petróleo, acresce que dados oficiais apontam que a produção de petróleo de Angola tenha atingido, em Maio de 2021, apenas 34 milhões 887 mil 890 barris, menos cerca de um milhão em relação a abril. Nesse mês obteve-se uma média diária de um milhão 125 mil 416 barris de petróleo, quando a previsão era um milhão 184 mil 813. Isto significa que Angola fica abaixo da meta que lhe foi fixada pela Organização dos Países de Exportadores de Petróleo (OPEP), que era de um milhão 283 mil barris por dia, em maio, com subidas posteriores.

Torna-se evidente que existe uma larga margem para a Sonangol continuar a centrar-se no petróleo, quer pela razão que as quotas definidas pela OPEP para Angola não são preenchidas, quer pelo facto de os grandes mercados futuros potenciais de petróleo, como a China e a Índia, irem necessitar de abundantes remessas de petróleo.

Nessa medida, a Sonangol não deverá cometer o erro - como algumas petrolíferas estão a fazer - de menosprezar o potencial do crescimento do mercado petrolífero. No mundo Ocidental com economias maduras é possível que a procura de petróleo não se sinta de forma tão acentuada como no passado, mas nas economias em crescimento acelerado, mais petróleo vai ser necessário, ainda que muitas vezes de forma não tão exponencial como anteriormente.

No entanto, este modelo focado na eficiência petrolífera tem de ser compaginado com o potencial enorme que se está a abrir nas energias renováveis e a empresa tem de aproveitar as sinergias energéticas, tal como estão a fazer muitas das suas congéneres e também fazem a China e Índia.

No momento presente, em que se pretende privatizar a Sonangol numa perspetiva global, parece sensível cometer à Sonangol tarefas na área das energias renováveis. Na verdade, para ser uma empresa atrativa para o mercado internacional de ações, a Sonangol deve apresentar-se como adotando as últimas tendências das petrolíferas, i.e., também seguindo as necessidades da transição energética.

Não abandonando nem menosprezando o petróleo, a Sonangol deve explorar com arrojo as possibilidades combinadas trazidas pelas energias renováveis.

Essa exploração das energias renováveis por parte da Sonangol não deverá começar do zero, mas sim procurar alguma sustentabilidade e economias de escala. Uma hipótese, que já aflorámos em anterior relatório[2]seria uma parceria estratégica com a Galp para esse efeito. Como se sabe a Galp acelerou o seu processo de transição energética.

A alternativa seria a Sonangol adquirir uma empresa já minimamente estabelecida no ramo e desenvolver as suas atividades a partir dessa nova plataforma. Teria interesse um foco estratégico nesta área, que se traduziria numa aposta interna da Sonangol que passaria pela compra ou fusão com uma companhia a operar no setor das energias renováveis, para dar lastro inicial à Sonangol.

Em resumo, a Sonangol deve tornar-se numa empresa com um foco duplo: no petróleo e nas energias renováveis.

[1] https://data.worldbank.org/indicator/NY.GDP.PCAP.CD?locations=US

[2] https://www.cedesa.pt/2021/02/10/sonangol-galp-que-futuro-conjunto/

Cedesa, entidade que estuda assuntos económicos e políticos de Angola (www.cedesa.pt)

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