Sorte ou Inteligência? Gerir a presença online de um hotel não é como jogar no casino

Os hotéis estão hoje tão presentes na nossa realidade que nem sequer pensamos como surgiram. Mas a história dos hotéis remonta aos tempos da Grécia antiga como estabelecimentos que forneciam alojamento, refeições e outros serviços a viajantes. Ao longo de séculos de história, os hotéis foram impactados por várias ondas tecnológicas em áreas tão diferentes como os transportes, energia, comunicações, e as redes de distribuição. Numa destas ondas chegou a Internet, que gerou a web, que, por sua vez, permitiu o aparecimento das Online Travel Agents, ou OTAs. Agora, na era da Inteligência Artificial, qual será o próximo capítulo na contínua evolução tecnológica dos hotéis?
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Todas as tecnologias precisam de uma rede de distribuição. No que toca à comercialização online na indústria hoteleira, foram as OTA que investiram e criaram a rede de distribuição: tornaram a tecnologia acessível e abriram o mercado online aos hotéis. A única coisa que os hotéis tinham que fazer era ligar-se a essa rede.

À medida que a tecnologia avançava, o acesso à rede tornou-se mais simples e entramos na fase da adoção generalizada. Enquanto a web 2.0 se espalhava, os hotéis começaram a aperceber-se que a sua estratégia de distribuição via OTA tinha criado problemas que precisavam de ser resolvidos: as suas marcas não estavam protegidas; o custo por reserva era tão ou mais elevado do que o dos canais tradicionais offline; e, sobretudo, estavam cada vez mais dependentes destes players para as suas vendas.

Foi nesta altura que as grandes cadeias hoteleiras começaram a investir em desenvolver as suas próprias ferramentas para pesquisa e motores de reserva. Embora a infraestrutura web estivesse mais simples de utilizar, continuava fora do alcance da maioria dos hotéis. Identificando este gap no mercado, empresas de tecnologia inovadoras começaram a desenvolver soluções para ajudar os hotéis independentes a competir com as grandes cadeias hoteleiras e com as próprias OTA.

Isto traz-nos ao ponto onde estamos hoje. Após a desaceleração económica de 2020, os hotéis reconhecem que, mais do que nunca, precisam de uma estratégia sólida de distribuição direta, ancorada no seu próprio site e motor de reservas, garantindo que não estão dependentes de terceiros para o seu negócio.

Segundo dados de mercado*, a maior estrela da pandemia foi, sem dúvida, o canal direto. Durante 2020, as reservas diretas cresceram significativamente e continuaram a superar as principais OTA - a Booking e a Expedia.

Esta subida não foi uma coincidência. Quando os hotéis mais precisavam de flexibilidade e do verdadeiro serviço ao cliente, as OTA não corresponderam à procura. Desligaram as suas campanhas de online marketing, e os hóspedes revelaram uma clara preferência por comunicar diretamente com os hotéis. Estes, sim, estavam preparados: as estratégias focadas nas reservas diretas deram frutos. Sem os anúncios das OTA e outros motores de metasearch, os hotéis com ótimos websites começaram a aparecer, em primeiro lugar nas pesquisas Google.

Hoje, a Inteligência Artificial (IA) está em todo o lado; e de formas que já damos como adquiridas - nas apps que usamos; nos nossos carros; e mesmo em casa, nos pequenos eletrodomésticos. Está a mudar a maneira como interagimos com a tecnologia melhorando, em geral, a experiência do utilizador. Na última década os gigantes tecnológicos têm desenvolvido infraestruturas e serviços para tornar esta tecnologia mais acessível para programadores e empresas tecnológicas. A rede de distribuição já existe. Acredito que entramos na fase de adoção generalizada.

Do ponto de vista do hotel independente, chegou novamente a hora de abraçar o desafio da mudança e aproveitar ao máximo a oportunidade que representa esta nova tecnologia. Estamos na era da IA.

O ativo mais importante na era da IA são os dados. Há inúmeros estudos publicados que abordam a personalização da experiência online e a forma como esta personalização pode aumentar a receita através de cross-selling ou técnicas de refinamento de preços. Mas, para um hotel, o que é que isto significa exatamente?

Os hóspedes não são todos iguais e não consomem os mesmos produtos e experiências no hotel. Se os dados sobre o comportamento online do cliente - como a origem do tráfego e os clicks - nos fornecem informação sobre a intenção do hóspede, os dados do CRM do hotel são também relevantes, enquanto indicador mais robusto do que o hóspede realmente quer.

Ao combinar dados do CRM com o comportamento online dos hóspedes, é possível construir ofertas realmente personalizadas, e com preços podem ser "afinados". Com IA é possível ter preços personalizados em tempo real, no próprio motor de reservas.

Estamos assim a entrar numa fase muito entusiasmante. A IA irá agora generalizar-se na presença digital dos hotéis ao longo do percurso de pesquisa e compra online dos seus hóspedes. Agora que os hotéis já controlam a sua presença online, chegou o momento de elevar a fasquia adotando as tecnologias que já são utilizadas pelas OTA para lhes fazer frente.

Mais uma vez, a rede de distribuição está a crescer... basta ligar-se.

Um exemplo de preços personalizados

Os hotéis com casino são um bom exemplo no que diz respeito à combinação de dados de diferentes origens para fornecer preços personalizados de acordo com o perfil do hóspede. Se o João, que não costuma jogar, vai reservar um quarto para se divertir uma noite no casino com os seus amigos, vai ter um preço diferente da Marta, que é uma jogadora frequente, no mesmo casino.

Isto não significa que todos os jogadores frequentes vão ter o mesmo preço que a Marta. Não significa sequer que a Marta terá acesso ao mesmo preço, sempre que reserva o hotel. Quanto mais a Marta visita o hotel, melhor o algoritmo a conhece e pode combinar essa informação com outros dados do hotel - tais como a taxa de ocupação, clima, eventos, e muitos outros - para propor à Marta o preço ideal para o perfil dela, naquele momento específico.

Quer esteja a analisar os clicks para inferir as intenções dos hóspedes, ou a mergulhar nos dados do seu CRM para ver quais são os produtos que o hóspede realmente valoriza, pode utilizar estas informações para personalizar os preços. Quanto mais informação tiver sobre os seus hóspedes - seja através do seu website ou das ofertas que eles realmente compram - melhor será a personalização dos seus preços.

É importante referir que "personalizado" não significa "preço mais baixo". O objetivo é aumentar a conversão do website e do motor de reservas, apresentando aos hóspedes o preço que melhor se ajusta às suas expectativas.

*Dados do portefólio de hotéis da Guestcentric

Sergio Serra, Chief Technology Officer na Guest Centric

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