Exportadoras e internacionais. É este o perfil das startups nacionais. A pandemia trocou as voltas a muitas, mas as características destas empresas levaram-nas a dar a volta por cima.
Como foi o último ano para o ecossistema de empreendedorismo?
Foi um ano único. Em todos os meus anos de carreira nunca tinha visto nada assim e estava próximo quando foi a crise anterior. Assistimos no início do ano, em fevereiro quando toda a gente se apercebeu do que ia acontecer, a muitos receios e muitas empresas que tiveram de olhar para o futuro e voltar a redesenhar os modelos de negócio. Vimos, inclusivamente, casos nos quais o futuro parecia muito negro e, depois, acabaram por ser bafejadas por aquilo que foram as tendências positivas do ano. Para as startups em particular, nem tudo foi mau. Há casos concretos de graves problemas, nomeadamente com os verticais. A maior parte das startups que trabalham com turismo, quer fosse na vertente de serviços, quer na operação de produtos diretamente para o consumidor, sofreram muito e estão ainda a sofrer. Mas houve quem tivesse beneficiado. Toda a gente que estava em e-commerce, chatbots e coisas ligadas a inteligência artificial acabou por beneficiar com a transição das pessoas do mundo físico para o mundo digital. Não se pode dizer que tenha atingido todos da mesma forma e com um impacto uniforme. Houve muitos que, inicialmente tinham uma perspetiva bastante negra, e que acabaram por conseguir reinventar-se - isto é característico das startups: aproveitar as tendências de crescimento. Acima de tudo foi um ano de muita adaptação, de muita versatilidade; não foi nada um ano business as usual; foi um ano em toda a gente teve que rever e reequacionar várias vezes, durante o ano, aquilo que eram as perspetivas a curtíssimo prazo. Essa foi a minha impressão.
As startups em Portugal têm sobretudo um perfil internacional e exportador. Houve uma travagem, por exemplo ao nível de vendas e da capacidade para chegar a novos mercados e públicos?
Ao nível das vendas ainda não tenho informação sobre 2020. Ao nível daquilo que é a expansão, arrisco-me a dizer, embora seja completamente empírica, é que não. O facto de ter passado tudo para digital facilitou a vida daqueles que queriam internacionalizar e que estavam em processos de internacionalização. Deixou de ser necessário as pessoas reunirem-se num hotel, marcarem entrevista fisicamente. De repente, toda a gente está disponível e à distância de uma qualquer plataforma e isto acelerou muito os processos. Adicionalmente, assistimos a algumas das nossas maiores scale ups a receberem rondas de investimento nesta altura, para reforçar muitas vezes o processo em que estavam e para de alguma forma as suportar naquilo que era um ano atípico. Mas também vimos que essas rondas foram muitas vezes apontadas para internacionalização e para o desenvolvimento de negócio. Isto mostra-nos que houve alguma oportunidade, e vimos isso também nos processos de recrutamento, no número de posições que foram abertas, não tanto ligadas aos developers, mas muito ao business development ao longo do ano. Mostra-nos que há provavelmente uma vantagem, ou que estão a apostar que este foi um bom ano para se internacionalizarem; havia uma barreira elevada à entrada em outros mercados, que era a presença física, que de repente ficou reduzida e que permite abordagens de uma forma mais ágil e barata.
Estão a surgir novos negócios com base nesta nova realidade?
Temos estado a trabalhar os dados das incubadoras, e da Rede Nacional de Incubadoras. Há mudanças concretas a acontecer. Vimos, por exemplo, o número de startups incubadas virtualmente a aumentar consideravelmente e não vimos diminuir o número de incubadas físicas. Ou seja, poderíamos estar a olhar para uma situação em que as pessoas estivessem a rejeitar o espaço de escritório e a passar para uma incubação virtual e para um apoio virtual àquilo que é a construção de startups. Na verdade, não. Vimos foi aumentar o número de incubadas virtuais mas sem reduzir o número de incubadas físicas, o que me indica que estão a aparecer novos negócios. Estão a aparecer mas com um ADN diferente, com equipas distribuídas, em remote. A natureza em si dos modelos de negócio e dos mercados em que estão a atuar ainda não tenho uma visibilidade. Mas isto é muito normal quando estamos a falar de coisas que aconteceram há seis ou sete meses. A mortalidade destes projetos, é conhecido, que é elevada. Se calhar temos de dar um passo atrás e esperar que haja aqui alguma consolidação daquilo que é esta nova realidade de startups que apareceram em 2020. À luz do que vimos sair dos modelos de apoio ao covid vamos ter mais coisas mais digitais, mais relacionadas com inteligência artificial e com a transposição do que eram tarefas que eram comuns. Também muita coisa de B2B mas principalmente uma adaptação, que provavelmente não se vai embora, que é o mundo muito mais transformado digitalmente. Fizemos num ano e pouco aquilo que era suposto ser feito numa década. Estão a surgir novos modelos de negócio, bastante interessantes, principalmente nas áreas que já disse.
Em 2020, tivemos bastante mais interesse por o que eram as nossas atividades online. Em termos de webinares tivemos 23 mil pessoas a assistir, o que demonstra que os 29 webinares que fizemos tiveram uma adesão muito maior daquilo que era o normal. Também tivemos bastante interesse sobre o nosso país, mesmo com o confinamento. Tivemos reuniões com 250 startups/empreendedores que estavam a pensar mudar-se para Portugal, apoiámos pouco mais de 200 empreendedores nas nossas missões ao estrangeiro para vários mercados diferentes. Fizemos um conjunto de coisas e sentimos que foi um ano particularmente ativo em termos daquilo que é o ecossistema e o que é o envolvimento e participação cívica do ecossistema naquilo que foram as solicitações que lhes fomos fazendo. Embora seja um ano muito diferente, não acho que tenha sido um ano de quebra abrupta para o nosso ecossistema. Sei que há startups em situações que são críticas, mas também sei que há quem tenha tido bastante sucesso durante 2020. Acho que é um ano um bocado bipolar.
Têm vindo pessoas para cá ou só perceber as condições?
Sim [têm vindo nómadas digitais para Portugal] mas não tenho números. Posso dizer que, por exemplo, na atração de quadros qualificados através do Tech Visa, (...), ou seja, a apetência que as pessoas têm para vir para Portugal com perfis de tecnologia, altamente qualificados, teve uma adesão grande. Tivermos mais de 400 pessoas a virem de todo o mundo para trabalhar.
Mas não só no ano passado?
Só no ano passado tivemos 400, isto são só os quadros, depois têm a família e as pessoas à volta, através do programa Tech Visa. Com os nómadas digitais a realidade é um pouco diferente porque muitos deles passam pelo nosso país até com vistos de turismo, portanto não exercem a sua atividade em Portugal para contratadores portugueses. Temos essa noção empírica que sim, que houve bastante gente, que até houve bastante gente a escolher Portugal como destino durante aqueles meses mais complicados, em especial durante a primeira vaga, mas não é uma coisa que estejamos a monitorizar ativamente.
Quais foram para a Startup Portugal as principais dificuldades das startups?
Embora tenha havido uma quantidade de investimento de capital de risco bastante considerável - os números finais ainda não estão cá fora mas não se espera uma quebra acentuada em relação ao ano de 2019 -, esse investimento foi essencialmente, tudo indica, para segundas rondas, ou reforço de rondas anteriores, por parte de investidores já presentes. Para os negócios nascentes em 2020 preocupa-nos. Se for uma tendência que continue, ou seja capital de risco em empresas que estão num estágio mais maduro da sua evolução quer dizer que estamos a olhar para uma fase de um ano ou dois em que perdemos a oportunidade de apoiar projetos inovadores e as melhores ideias nascidas com covid ou pós-covid. .
Os governos apoiaram as empresas. Houve uma série de medidas para empresas. As startups em Portugal podiam candidatar-se à maioria dos apoios? Fizeram-nos?
As startups em Portugal poderiam como SME candidatar-se a uma percentagem grande dos apoios. Se o fizeram ou não, neste momento não tenho dados. Imagino que muitas se terão candidatado. Recebíamos perguntas sobre os apoios e fazíamos divulgação das medidas e dos apoios junto da comunidade, mas não tenho essa informação.
Quais as perspetivas que têm para este primeiro semestre?
Em todos os cenários que temos estado a trabalhar, e que são cenários de continuação daquilo que foi o segundo semestre de 2020, ou seja, um apoio ao ecossistema no sentido de darmos continuidade às iniciativas que estão abertas, manutenção desta versão digital de trabalho com a maior parte das pessoas em remote e um foco muito grande no que é a internacionalização e no olhar para fora em termos de mercados. Estamos a preparar um conjunto de iniciativas com um conjunto de mercados diferentes, com os nossos parceiros locais lá, quer seja no sentido de promovermos Portugal como destino de abertura para a Europa, quer seja de promovermos esses mercados de destino para as nossas startups como pontes para expandir o seu negócio. A nível do segundo semestre, que é provavelmente onde estará a maior incógnita, iremos ter um conjunto de apoios. Terminou esta semana o debate público do plano de recuperação e resiliência onde estão inscritas um conjunto de medidas que ainda não foram concretizadas e publicadas em detalhe mas que envolvem o apoio direto para o nascimento de muitas mais startups, criação de mais instrumentos para o apoio a capital de risco e de apoio às incubadoras e aceleradoras a nível nacional e portanto, no segundo semestre estamos a contar com um regresso à normalidade e com um acelerar daquilo que é um ecossistema. Historicamente, a saída das crises tem um impacto positivo no que é o ecossistema de empreendedorismo e por várias razões. Mas normalmente tem um hiato de vários meses, se olharmos para trás até de um ano, em relação aquilo que é a retoma e aceleração do ecossistema de empreendedorismo. O objetivo aqui é um bocado reduzir esse hiato e fazer com que essa aceleração aconteça o mais rapidamente possível para não perdermos tempo nem oportunidades.
Mas isso quer dizer que pode ser só em 2022?
Não, a tentativa é que seja ainda no segundo semestre de 2021.
Mas como referiu costuma haver um hiato...
Este hiato costuma haver quando não há medidas de apoio, ou quando as medidas de apoio tardam a chegar ao ecossistema. A ideia que é no segundo semestre, começarmos a ter medidas de apoio resultantes do plano de recuperação e resiliência e de outros meios que permitam apoiar mais startups em fase seed, que permitam termos mais capital de risco a ser injetado no ecossistema e que permitam termos mais apoio às incubadoras e aceleradoras a nível nacional para que garantam o sucesso destas iniciativas de empreendedorismo.